(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 29 de agosto de 2021)
Num país onde está em vigor há dois anos um inquérito supremo para combater “atos antidemocráticos”, com prisão de gente, incluindo deputados federais, bloqueio de recursos financeiros dos acusados e poderes de AI-5, é extraordinário que nenhuma das nossas autoridades superiores tenha se interessado até agora por um ataque grosseiro à democracia feito por um dos candidatos à Presidência da República nas eleições de 2022 — justamente aquele que, segundo os institutos de pesquisa de opinião, já ganhou a eleição de lavada.
O candidato é Lula e o seu ataque à democracia é a promessa, mais uma vez, de acabar com a liberdade de imprensa neste país se for eleito — acabar na prática, no mundo das ações concretas, com a desculpa de que vai “melhorar” a integridade da comunicação social no Brasil. Melhorar o quê? Lula não diz nada a respeito, não em voz alta. Apenas se declara insatisfeito com a imprensa brasileira tal como ela é hoje — muito direitista, no seu modo de ver as coisas, desligada dos interesses do “campo popular” e, mais do que tudo, insatisfatória no apoio incondicional que ele se julga no direito de receber.
É sabido, há 500 anos, que ninguém jamais melhorou a qualidade da imprensa, nem a tornou mais justa ou mais honesta, escrevendo decretos bem-intencionados sobre o assunto. O que acontece, na vida real, é exatamente o contrário: toda vez que o governo se mete a fazer regras para os meios de comunicação, as liberdades saem perdendo — não se conhece um único caso em que tenham ganhado. É por isso, exatamente, que regimes democráticos não mexem nessas coisas — e é por isso, da mesma forma, que elas são a primeira coisa em que as ditaduras querem mexer. Lula está querendo há muito tempo. Desde o seu primeiro governo, tentou criar o “controle social dos meios de comunicação” — nome de fantasia para a censura, a punição a jornalistas e a liquidação da imprensa livre. Deu errado — e ele próprio diz que esse foi um dos piores erros que praticou. Agora, com a eleição no bolso — segundo a promessa das pesquisas — volta à sua velha obsessão.
Seu último surto foi uma entrevista coletiva dada dias atrás, na qual comunicou ao país o novo “marco regulatório” (depois de ouvir essa história de “marco regulatório”, Lula nunca mais largou o osso) que está querendo socar na imprensa brasileira.
Não será, segundo diz, uma “regulamentação” como a que existe em Cuba ou na China — ele chama de “regulamentação” duas das máquinas de censura mais iradas que já se viu na história da humanidade. Que alívio, não é mesmo? Então não vai ser desse jeito. De que jeito, então? Segundo o candidato, vai ser “como a imprensa inglesa”, “como a imprensa alemã”. Que raio quer dizer isso? Quais são os “modelos” da Inglaterra ou Alemanha? Por acaso ele lê jornal alemão? Conversa. O que Lula pretende é deixar a imprensa sob o comando do governo e dos “movimentos sociais” que ele controla.
Na mesma oportunidade, aliás, Lula deixou claro o que realmente quer para os meios de comunicação brasileiros — o esquema que existe hoje na Venezuela, onde a liberdade é zero e o governo manda em cada palavra que chega até o público. Foi uma necessidade. Imaginem que Chávez, coitado, sofreu o diabo com a imprensa venezuelana — ele, que chegou ao poder através de um golpe militar e criou uma ditadura que dura até hoje. “Eu vi como a imprensa destruía o Chávez”, conta Lula. Como assim, “destruía”? Destruída foi a imprensa: a ditadura Chávez-Maduro acabou com todos os jornais, tevês e emissoras de rádio do país. A única voz que existe, hoje, é a do governo.
Pregar isso, no Brasil de hoje, não é um ato antidemocrático.
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