(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 20 de agosto de 2023)
O ministro Alexandre Moraes, numa palestra sobre um novo tipo de regime político, a “democracia defensiva”, anunciou de novo que o Brasil precisa combater a “extrema direita”. Disse que a atuação dos “extremistas” e dos “direitistas” nas redes sociais é hoje “muito mais nociva” do que já foi; deixaram de “pregar abertamente o golpe de Estado”, afirmou Moraes, e agora fazem uma “lavagem cerebral” nas redes sociais para desacreditar as urnas eletrônicas do TSE e, com isso, atacar a democracia. Não ficou claro o que poderia ser uma “democracia defensiva”, mas a questão não está aí. A questão é que a lei proíbe que um juiz fale sobre política em público — e os ministros do Supremo fazem isso o tempo todo. É óbvio que ninguém nos STJ, CNJ e coisas parecidas vai dizer que Alexandre Moraes não pode fazer o que está fazendo; ninguém é louco. Mas a lei não muda por causa disso. Continua dizendo que não pode.
E mesmo que pudesse: por que, nesse caso, o cidadão não poderia ser de direita? Não está escrito em lugar nenhum da Constituição ou de qualquer lei brasileira atualmente em vigor que as pessoas estão proibidas de ser de direita, ou de extrema direita, ou do que quiserem. Se estão cometendo algum crime para aplicar suas crenças políticas têm de ser punidos na forma da lei, como qualquer pessoa; fora isso, ninguém tem nada de se meter na sua vida. A função do STF não é combater a extrema direita — ou a extrema esquerda, o extremo centro e qualquer opção política. É fazer com que a Constituição seja aplicada e, quando for o caso, julgar os crimes previstos em lei. Que imparcialidade um cidadão considerado “de direita” pode esperar num julgamento feito por Moraes, com isso tudo que ele vive dizendo? E se falasse que a “extrema esquerda” faz “lavagem cerebral” na população e tem de ser combatida? O mundo viria abaixo.
O ministro, obviamente, não precisa de ninguém para lhe dizer o que está certo ou errado. Não quer saber se a lei permite ou proíbe. Quer saber até onde consegue ir em suas decisões. Pode prender um deputado federal que não cometeu nenhum crime inafiançável? Pode, porque ninguém faz nada — então ele prende. Pode multar em R$ 22 milhões um partido que apresentou uma petição à Justiça? Pode — então ele multa. Pode abrir um inquérito policial no STF? Pode — então ele abre. Moraes não está contra a direita porque descobriu a verdade na estrada de Damasco. Está contra porque constatou uns anos atrás que fechar contrato com a esquerda é um dos meios mais seguros de se subir na vida política do Brasil de hoje — sobretudo com o apoio da polícia e do Exército. Deu certo.
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