A escolha do oncologista Nelson Teich para assumir o Ministério da Saúde não foi um processo rápido. Até as 14 horas de ontem, quinta-feira 16, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não havia batido o martelo. A certeza de que demitiria Luiz Henrique Mandetta existia, mas não de quem o substituiria. Afinal, assim como na escolha do procurador-geral da República, Augusto Aras, a intenção era escolher alguém que conciliasse diferentes critérios.
O exemplo com Aras foi usado por alguns poucos dentro do governo para explicar a dificuldade de chegar ao nome. Mas contextualiza bem. Os apoiadores do presidente queriam um conservador “lava-jatista”. A equipe econômica e ministros da área da infraestrutura alertavam para a necessidade de escolher alguém que também pensasse no desenvolvimento do país. Coube a Bolsonaro escolher alguém que pudesse catalisar todos os critérios.
A escolha do sucessor de Mandetta não foi diferente. Até o início da tarde de ontem, todas as “cartas” estavam sobre a mesa. Nomes técnicos e o do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS). A favor do parlamentar, pesou o alinhamento com a defesa do governo pelo chamado isolamento vertical. Contra ele, pesou a falta de apoio de médicos e o fato de ser mais uma figura política. “Ele está no banco de reservas”, resumiu um interlocutor governista.
Outra “carta” sobre a mesa era a oncologista e imunologista Nise Yamaguchi. Uma especialista que defende o uso prematuro da cloroquina por entender que o tratamento é mais satisfatório quando iniciado no surgimento dos sintomas. Contudo, pesou contra ela não ter o apoio de entidades médicas.
Flexibilidade
Por eliminação, dois médicos figuravam entre os cotados na metade da tarde de ontem: Teich e o cirurgião geral Lincoln Ferreira, o atual presidente da Associação Médica Brasileira (AMB). Representantes de entidades associadas à AMB escreveram uma carta em que recomendavam a escolha de Lincoln.
Técnicos, com apoio de entidades médicas, Teich e Ferreira contemplavam alguns dos principais critérios do presidente: ter um tom flexível em relação ao isolamento social e admitir a discussão do isolamento vertical, e estar aberto a debater o tratamento com a hidroxicloroquina. Ambos, Teich e Ferreira, não são defensores ferrenhos das duas medidas. Mas agradou ao presidente saber que eles poderiam ter flexibilidade na discussão do assunto.
‘Stalinista’
“O presidente queria alguém que não fosse um tarado do isolamento horizontal, que aceite uma flexibilização do isolamento pela necessidade de crescimento e esteja aberto a tratamento com a hidroxicloroquina. Ou seja, que dê liberdade para médicos terem a liberdade para avaliar os casos e aplicar se for conveniente”, explicou um interlocutor do governo. “Não poderia ser um ministro ‘stalinista’, xiita e burocrático, que diga o que os médicos podem ou não fazer”, acrescentou outro.
No fim das contas, pesou a favor do atual ministro da Saúde contar com o apoio de membros do próprio governo. Quando percebeu que alguns membros da própria AMB sinalizaram apoio a Teich, Ferreira deu dois passos para trás e passou a apoiar a indicação do ministro. “Lincoln, mais uma vez, teve um ato de grandeza. Sempre tomando posições sensatas e sem ambição. Sempre evitando cisões dentro da AMB”, disse uma liderança da categoria.