(Artigo de J. R. Guzzo publicado no jornal o Estado de S. Paulo em 28 de setembro de 2022)
O diário The New York Times, que continua sendo considerado pelo mundo político, os “formadores de opinião” e o resto da elite como o genérico de “imprensa estrangeira” no Brasil, está se sentindo incomodado. Ninguém é mais igualitário, inclusivo, contra a direita e a favor de tudo o que há de mais politicamente correto neste mundo do que o NYT; quando se lembra de publicar alguma coisa sobre o Brasil é sempre citado como um farol da civilização, do “progressismo” e da virtude cívica em geral. Não dá para carimbar o que se publica ali, portanto, como coisa antidemocrática, golpista, bolsonarista ou associada a qualquer dos outros delitos que tanto afligem o STF e a esquerda nacional. Pois então: é o NYT, em pessoa, quem acaba de suspeitar que o ministro Alexandre Moraes, com a sua agressão permanente e descontrolada às leis do país, é hoje uma ameaça à democracia no Brasil.
A suspeita vem embalada nos bons modos de uma pergunta cautelosa: estaria o ministro, para “defender à democracia”, passando dos “limites”? É uma cobrança que até agora não tinha sido feita por ninguém na imprensa iluminada do Primeiro Mundo — e um sinal de que a destruição do sistema legal brasileiro pelo STF foi enfim percebida por alguém fora do Brasil. Aqui dentro, naturalmente, já se sabe muito bem qual é a realidade. Em primeiro lugar, Alexandre Moraes nunca fez nada para “defender a democracia” contra ameaças vindas do governo — faz exatamente o contrário, há mais de três anos. Não é possível fazer, até o momento, uma lista com atos concretos praticados contra a democracia pelo governo. O Executivo obedeceu a todas as decisões do STF e da justiça, cumpriu as leis aprovadas pelo Congresso, não prendeu ninguém, não censurou a imprensa, não bloqueou redes sociais, não congelou contas bancárias, nem “desmonetizou” nenhum cidadão brasileiro. Já o ministro, com o apoio integral do STF, fez tudo isso, e muito mais. Quem, então, ameaça a democracia?
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O tribunal mais elevado da justiça brasileira, como talvez seja notado algum dia pela imprensa internacional (e até pela brasileira) criou uma ditadura inédita no Brasil – a ditadura do judiciário, baseada na submissão dos dois outros poderes, na eliminação dos direitos individuais e na polícia. Toda e qualquer decisão do Executivo ou do Legislativo, em qualquer nível, só vale se for aceita pelo STF; nem a Câmara de Vereadores de Curitiba pode cassar um dos seus membros, como a lei lhe assegura de forma indiscutível — um dos ministros não deixa, e pronto. Qualquer cidadão pode ser preso por qualquer ministro, pelo resto da vida, e só tem o próprio STF para recorrer — preso, interrogado, submetido a invasões de sua residência pela Polícia Federal às 6 horas da manhã, proibido de se manifestar pela internet, multado com valores dementes, impedido de acessar sua própria conta no banco, ter o seu salário confiscado, ser punido por trocar mensagens no WhatsApp e mais tudo o que der na cabeça do STF. Nenhuma das decisões do tribunal, ao mesmo tempo, está sujeita a apreciação de ninguém.
Isso não é defesa da democracia. Não é um esforço bem-intencionado que passou do limite. Não tem nenhum propósito honesto. É uma ditadura, apenas — sem o uniforme oficial das ditaduras, como em Cuba, Venezuela, Nicarágua e por aí afora, mas ditadura do mesmo jeito, na qual o STF só não exerce os poderes que não quer exercer. É também uma facção política claramente declarada, que se tornou sócia do candidato da esquerda e exerce, aí, o duplo papel de servir a ele e servir-se dele. Até lá fora, ao que parece, já estão começando a perceber.