Aristóteles dividia os governos em seis. Considerava o melhor deles aquele dirigido por um homem bom, só voltado para o povo, mais fácil de encontrar-se numa monarquia. O segundo seria o da aristocracia, com um grupo de homens dedicados a governar para a comunidade. O terceiro melhor seria a politia, quando o povo se dedica a procurar o bem da coletividade na escolha de seus dirigentes, mais do que seu interesse pessoal. Politia vem de “polis”, cidade, pois a Grécia, desde os aqueus, dórios e jônios, era um conjunto de cidades-Estado que só se unificaram com os macedônios e com Alexandre, que, de resto, foi discípulo do filósofo.
Enumerava, em seguida, os governos maus, sendo o menos ruim a democracia, governo do povo voltado para si mais do que para a comunidade. “Demos” em grego é povo. Depois vinha a plutocracia, um grupo de homens maus governando e, por fim, a pior das formas, ou seja, a tirania.
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Norberto Bobbio, quando proferiu uma série de palestras sobre as formas de governo, coletânea publicada pela UNB, realçou a importância da divisão de Aristóteles para a compreensão de uma teoria do poder, algo que, de forma mais modesta, embora mais abrangente, procurei esclarecer no meu livro Uma Breve Teoria do Poder, cuja quarta edição foi prefaciada por Michel Temer, tendo as anteriores sido apresentadas por Ney Prado e António Paim (Ed. Resistência Cultural).
Por que trago estas considerações aos meus amigos leitores? É que me causou surpresa que, em relação ao desfile oficial do 7 de Setembro, a maior parte do trajeto percorrido pelo carro com o presidente da República estava repleta de seguranças, mas sem povo, apenas um pequeno número de populares perante o palanque oficial repleto de autoridades do Supremo Tribunal Federal e do governo Lula, além do presidente do Senado e a ausência do presidente da Casa do Povo.
O povo esteve na Paulista, não em Brasília
Enquanto a ausência popular se fazia notar em Brasília, a Avenida Paulista estava completamente lotada por centenas de milhares de brasileiros, que mostravam seu descontentamento com a interferência permanente nos direitos individuais e na liberdade de expressão por parte do Pretório Excelso, pedindo medidas do Congresso para corrigir as distorções da aplicação da lei suprema, que entendiam fragilizar a democracia.
A escassez do povo no evento dos que se autointitulam defensores da democracia, e a multidão de brasileiros na manifestação dos que são o povo e se sentem perseguidos pelos pretendidos protetores democráticos, que estão reescrevendo a Constituição promulgada pelos constituintes de 1988, constituem, pelo menos, matéria para reflexão. Principalmente agora, em que se vê o povo que deu vitória a Gonzalez em multidão nas ruas, e o sanguinário ditador do país se autoproclamando vencedor de uma eleição sem provas e sem gente nas ruas para mostrar-lhe simpatia.
À evidência, não há como comparar o Brasil com a Venezuela, pois ainda podemos expressar nossas opiniões, com poucos riscos de prisão, muito embora o interminável inquérito das “fake news” tenha feito suas vítimas, sendo o Brasil bem diferente da Venezuela.
O certo, todavia, é que esta tensão permanente entre o STF, o povo e o Congresso, com a primeira vez na história do país em que uma multidão vai às ruas para pedir impeachment de um ministro da Suprema Corte, é perniciosa para a nossa democracia.
Não seria o caso, pois, de os ministros do STF voltarem a ser o que eram os magistrados da época do ministro Moreira Alves, quando o Supremo Tribunal Federal era a instituição mais respeitada do país?
Se voltassem a ser, teríamos a harmonia e independência dos Poderes, e isso seria bom para o povo, para a democracia e para o país.
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
O equilíbrio do senhor Dr Ives Gandra, é confortante.
Apesar de todo o seu equilíbrio, há alguns que vociferam contra ele, chamando-o de isto, aquilo, e outros adjetivos….
Dr. Ives; Conversando com meus livros em voz alta percebi que é muito estranho que processos – civis e penais – não cumpram o roteiro das instâncias que começa com um juiz lotado numa cidadezinha do interior. A extensão do conceito de foro privilegiado já é confuso, pois o STF processa quem quiser, até vendedor de algodão doce ou uma missionária com Bíblia na mão. Com isto, resta apenas torcer o nariz e a consciência não é mais o meio de pensar em e filosofar. A interferência do judiciário poderoso maltrata até a intimidade das pessoas. Lembro de recursos que funcionavam em processos onde o martelo da justiça batia em prego sem ponta: embargos de terceiro, embargos de execução… Lógico que no STF não é possível isto, mas recuerdos são recuerdos. Não tem nada a ver o que escrevo, mas X e Starlink me fez lembrar até mesmo de condução coercitiva que hoje tem outra denominação.