Por muito tempo, mesmo no Brasil, estivemos acostumados a ver comentários e posicionamentos político-partidários sendo veiculados nos meios de comunicação de massa pelos políticos. Os candidatos ou militantes de um partido, ou aqueles que estivessem exercendo um mandato eletivo, expressavam suas posições e as dispunham para o debate — ou embate — público.
Nos últimos tempos, porém, os ministros do STF passaram a progressivamente assumir esses holofotes. Por algum motivo, nos últimos dias, eles nos obrigaram a tolerar uma saraivada de manifestações opinativas de sua lavra, totalmente desvinculadas dos autos e muito além das questões meramente jurídicas, em um esforço que parece até sincronizado para legitimar e propagandear o regime de autoritarismo juristocrático em vigência. De fato, é difícil me lembrar de um comentário de político gerando manchetes na última semana, mas nada mais fácil que ver um ministro do STF (ou, talvez seja melhor dizer, um político de toga) estampando uma notícia.
Começamos por Gilmar Mendes, que concedeu entrevista ao Estadão. Além de opinar sobre a impopularidade de Lula, afirmando que é mais uma “fotografia do que um filme” e requer ações do governo para ser revertida, como se a sociedade quisesse saber a sua opinião sobre isso ou como se lhe coubesse dar conselhos políticos ao presidente da República, ele basicamente antecipou voto sobre as acusações de trama de golpe de Estado feitas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e seu entorno.
De acordo com o ministro do STF atualmente há mais tempo no cargo, tudo, desde manifestações em frente a quartéis até o 8 de janeiro, faz parte de um mesmo grande plano, e “a cogitação e a preparação de atos no sentido de tumultuar a cena política, inverter a cena política, já são puníveis”. Manifestar, cogitar, duvidar, ter a ideia — isso já basta para sentenciar cidadãos à cadeia por quase 20 anos, que o digam os presos do dia 8. O que é “tumultuar a cena política”? Não se vê o imenso perigo nessa vagueza narrativa?
Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF, por sua vez, foi mais equilibrado, comentando que, apesar de sugerir uma “aparente articulação para um golpe de Estado”, a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Bolsonaro e outras 33 pessoas ainda precisa ser analisada à luz das provas. No entanto, o caçador de atenções, que já declarou, em verdadeiro comício para a União Nacional dos Estudantes, que integrava o grupo que “derrotou o bolsonarismo”, reafirmou a importância da punição adequada dos extremistas de 8 de janeiro para evitar que aconteça uma nova “tentativa de golpe de Estado” — portanto, ele insiste em corroborar que os atos de vandalismo daquela ocasião podem ser qualificados dessa forma. Esteve ainda em um painel para versar sobre a infiltração do crime organizado no Estado brasileiro, mas, paradoxalmente ou não, fez também propaganda em evento do BTG Pactual das “boas relações com todos os países no mundo” e da “estabilidade institucional” do Brasil como características que o manteriam como “o país mais atraente para investimentos”.

Alexandre de Moraes e Flávio Dino se encarregaram de panfletar em aulas magnas apresentadas a diferentes faculdades: o primeiro na USP e o segundo na PUC-SP. Em vez de apreciar questões do Direito, o ministro indicado por Michel Temer e que virou merecidamente alvo de atenções no Hemisfério Norte do planeta preferiu filosofar sobre como o cenário de hoje reflete uma revolta “pela universalização de direitos e pela excessiva concentração de renda” por parte de homens brancos e heterossexuais, instrumentalizados pelas big techs e pelo “populismo digital” contra as minorias oprimidas, constituindo “grupos econômicos e ideológicos fascistas, de extrema direita, para corroer a democracia por dentro”. Esse, para ele, é o desafio de quem defende a democracia hoje — à testa dos quais ele próprio estaria como grande baluarte.
O comício de Moraes encontrou coro em Flávio Dino, ex-governador do Maranhão pelo Partido Comunista do Brasil, que asseverou que, “se a política não consegue resolver os problemas, isso vai para algum lugar”, que seria o STF: “O Supremo, a meu ver, independentemente da coragem, da opção teórica de cada julgador, está ‘condenado’ a arbitrar temas políticos, econômicos e sociais, o que significa dizer que nós vamos continuar apanhando muito”.
Esquece-se convenientemente Dino de que, se os políticos, eleitos para tal, não resolveram politicamente um problema, significa que, ou os representantes escolhidos pela sociedade dentro de nosso pacto institucional para essa tarefa decidiram não o priorizar, ou as correntes de opinião não conseguiram encontrar uma solução média, ou a solução encontrada não agrada a Dino e a seus pares. Em qualquer um dos casos, a única opção que lhes deveria caber em um regime liberal-democrático seria respeitar a posição institucional do Executivo e do Legislativo. Impor seus entendimentos é algo que somente ditadores fazem. “Pimpões” e falantes, os togados não aceitam a discrição esperada de seu cargo e voam imparáveis para os holofotes como os cupins alados se dirigem desesperadamente para a luz. O que os motiva a estarem tão ativos neste momento? Deixo ao leitor o condão de buscar a resposta, talvez em causas internacionais. Certo é que isso é nada menos que sintoma do estado de metástase a que chegou o câncer da deterioração do Estado de Direito no Brasil. Os ministros do STF protegeriam efetivamente a democracia se silenciassem a si próprios e se recolhessem ao seu papel constitucional. Não existe nenhuma milícia ou organização armada ameaçando as instituições brasileiras neste momento, e, mesmo que houvesse, não caberia aos julgadores a tarefa de combatê-las.
Leia também: “A lei morreu”, artigo de J.R. Guzzo publicado na Edição 258 da Revista Oeste
Na latrina do supremo, FHC defecou GM
Na latrina do supremo, FHC defecou GM
Só nos resta cidadãos comum sentar no meio fio e chorar.
Só mudando o time todo.
Onze sinistros de uma corte ParTidária, paga com nosso dinheiro para defender um ParTido.
O Estado Brasileiro investiu muito para que o supremo tivesse poder. No entanto, as pessoas que ocupam as 11 cadeiras se mostram sem a devida estatura moral para ocupar esse cargos.