Mariana Scardua prestou depoimento na Alerj e afirmou que soube da construção de hospitais de campanha em reportagens na televisão, já que não estavam planejados
A ex-subsecretária de gestão da Atenção à Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Mariana Scardua, afirmou que o Plano de Ação para o Enfrentamento da covid-19 não foi cumprido integralmente após a saída dela do cargo.
A médica foi ouvida nesta quinta-feira em audiência pública das Comissões de Saúde e Especial de Fiscalização dos Gastos na Saúde Pública durante o Combate do Coronavírus da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Segundo Mariana, atendendo a um pedido do Ministério da Saúde, o planejamento começou a ser feito pela sua equipe técnica e definia etapas o avanço das ações conforme aumentasse o nível de contaminação da população.
Primeiro, deveriam ser ativados todos os leitos possíveis na rede de saúde já existente e serem feitas ampliações das unidades que fossem necessárias. Depois, se houvesse avanço da contaminação, deveriam ser contratados leitos na rede privada.
A construção de hospitais de campanha só deveria ocorrer em situação de emergência, diante de uma calamidade pública, assim mesmo, com o apoio do Exército e da Aeronáutica.
Não estava prevista a contratação de Organizações Sociais.
A médica contou que ficou sabendo por reportagem na televisão sobre a decisão de construir hospitais de campanha antes do previsto.
“A partir daí a gente seguiu com as ações”, lamentou.
Sobrepreço
Segundo a médica o valor dos leitos também a surpreendeu porque eram três vezes mais do que havia sido calculado.
“Já estava prevista a contratação de leitos privados se fosse necessário. A gente fez um TR [Termo de Referência], mas o usado não foi o feito pela minha equipe”, declarou.
Mariana cuidava da fiscalização de contratos e da gestão de recursos até a chegada do ex-subsecretário executivo, Gabriell Neves, em fevereiro deste ano.
De acordo com a médica a partir desse mês começou a ficar muito difícil para desempenhar o trabalho na secretaria, porque algumas ações que estavam ocorrendo na pasta fugiam de seu controle.
Diante disso, no dia 4 de março resolveu pedir ao ex-secretário Edmar Santos para deixar o cargo, porque não tinha mais segurança de conversar com os diretores de hospital, por exemplo, sobre garantias de pagamento de profissionais de saúde e de que não ia mais faltar remédios na RioFarma.
“Pode faltar remédio porque o pregão deu vazio, mas não pode faltar remédio porque o pregão não foi publicado”, disse, para explicar os contratos que não estavam sendo renovados.
Depois de atender a um pedido do ex-secretário de Saúde, Edmar Santos, para dar um prazo de 30 dias até que escolhesse um substituto ou para acertar a atuação de Gabriell Neves, que tinha acabado de assumir o cargo e precisava se inteirar da organização da pasta, no dia 2 de abril foi comunicada pelo subsecretário-geral Roberto Pozzan de que perderia a função e poderia escolher como ser exonerada: se a pedido ou pelo próprio governo. A escolha foi pela segunda opção.
A ex-subsecretária de gestão revelou que até a sua saída algumas orientações para o andamento de ações da secretaria além de contratos para o funcionamento de hospitais não foram levadas adiante por Gabriell Neves.
Empresa contratada
Mariana não confirmou que o pedido de exoneração teve vínculo com a contratação da empresa OZZ Saúde para administrar o funcionamento do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).
Ela disse que ficou surpresa ao ver por jornais que a empresa tinha sido contratada, porque havia um processo de seleção de uma Organização Social para administrar o serviço em andamento, como havia sido sugerido um parecer jurídico da equipe técnica.
Esse tipo de administradora só pode ser escolhida por meio de processo seletivo, diferente de uma empresa cuja contratação é feita por licitação. Mariana revelou que quando Gabriell Neves assumiu o cargo, o edital para a seleção já estava pronto, mas não foi seguido.
“[Para a contratação da empresa] foi feita uma dispensa de licitação por conta da pandemia e a OZZ assumiu com um termo de referência que não foi feito pela área técnica”, contou, reforçando que a OZZ não é uma OS e sim uma empresa.
UPAs
O relator da Comissão, deputado Renan Ferreirinha (PSB) quis saber sobre a situação das Unidades de Pronto Atendimento (UPA), que têm o serviço contestado por pacientes diante do mau atendimento.
Mariana Scardua disse que no ano passado começou uma avaliação das UPAs que são administradas por Organizações Sociais e que houve conclusões de que no caso de algumas delas os contratos deveriam ser interrompidos, mas isso não foi feito.
A presidente das Comissões, deputada Martha Rocha (PDT), frisou que as informações apresentadas pela médica foram muito úteis para os trabalhos parlamentares. “A ex-subsecretária, doutora Mariana, a todo momento foi bem precisa e didática e contribuiu muito para a formação da nossa convicção naquilo que está sendo apurado nesse momento”.
Gabriell Neves foi preso no dia 7 de maio suspeito de integrar um grupo que teria fraudado a compra de respiradores e suprimentos para o combate ao coronavírus no Estado do Rio de Janeiro.
Antes disso, em abril ele foi exonerado pelo governador Wilson Witzel por suspeitas de irregularidades em contratos que somavam quase R$1 bilhão.
Na segunda-feira passada, a Justiça determinou a quebra de sigilo bancário e bloqueio de bens do ex-secretário de Estado de Saúde, Edmar Santos.
Também chamado a participar de audiência nas Comissões da Alerj, ele preferiu ficar sem dar explicações.
Edmar Santos foi exonerado em maio da Secretaria de Saúde, diante das denúncias de irregularidades na pasta, mas logo em seguida assumiu o cargo de secretário extraordinário de acompanhamento das ações integradas governamentais da covid-19, criado após a sua exoneração.
Ele também não ficou nesta função. Uma decisão da Justiça determinou o afastamento, mas o próprio Edmar Santos resolver pedir a exoneração.