Embora se trate de algo reconhecidamente impossível, prever o futuro sempre foi um bom negócio. Em seu auge, entre os séculos 6 e 4 antes de Cristo, o Oráculo de Delfos, santuário situado na ilha grega de mesmo nome, fez fortuna atraindo multidões para ouvir os vaticínios do deus Apolo, transmitidos a sacerdotisas por meio de fumaça expelida por um buraco no chão. De lá para cá, nossa dificuldade de conviver com a incerteza garantiu mercado para todo tipo de adivinhos: druidas medievais, leitores de vísceras de animais, astrólogos estudiosos de mapas celestes. E ela ajuda a explicar o sucesso da versão contemporânea da futurologia, a que recorre à ciência da computação para nos oferecer a última novidade no gênero: modelos matemáticos.
Utilizados há décadas para projetar cenários e nortear estratégias militares, decisões econômicas ou políticas públicas, eles ganharam popularidade durante a pandemia graças à capacidade de gerar predições detalhadas sobre qualquer dúvida que se coloque. De estatísticas sobre número de infectados e mortos à disponibilidade de leitos e equipamentos hospitalares, bastaria interpretar nuvens de dados para encontrar as respostas. Porém, embora tratados com reverência, esses oráculos high-tech não têm conseguido escapar à sina comum aos esforços históricos para decifrar o futuro. A covid-19 evidenciou suas limitações e pôs em questão a confiabilidade de que gozaram até agora.
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O exemplo mais evidente é o do polêmico estudo do Imperial College London, divulgado em março, que prognosticou nada menos do que até meio milhão de mortes no Reino Unido, caso o governo do primeiro-ministro Boris Johnson não abandonasse sua estratégia flexível de combate à pandemia. O alarme foi tão grande que levou à adoção imediata do lockdown e fortaleceu os defensores dessa abordagem em vários países — entre os quais os Estados Unidos, para onde se previam 2,2 milhões de mortes.
Programadores de softwares apontaram erros grosseiros de códigos, que invalidariam resultados de projeções matemáticas
Nunca se saberá, é claro, se tamanha mortandade teria mesmo se confirmado, e isso se aplica à infinidade de outras projeções sobre a pandemia que se disseminaram tão rapidamente quanto o vírus. Mas o fato é que, pouco depois, o principal responsável pela previsão, o epidemiologista Neil Ferguson, admitiu a uma comissão do Parlamento britânico que novos dados o teriam induzido a modificar os números originais do estudo — que ele acabou finalmente baixando para menos de 20 mil mortes no Reino Unido.
A essa altura, seu trabalho já se tornara alvo de críticas de cientistas de outras instituições, que puseram em xeque tanto os parâmetros empregados quanto a falta de revisão por pares, além do longo histórico de previsões equivocadas de Ferguson em epidemias anteriores. Para o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Stanford e ganhador do Prêmio Nobel de Química de 2013, Michael Levitt, por exemplo, o estudo faz parte de um “vírus do pânico desnecessário que se espalhou entre os líderes políticos globais”.
Programadores de softwares apontaram também erros grosseiros de códigos, que invalidariam os resultados. Para completar, a credibilidade de Ferguson acabou comprometida de vez, como se recorda, quando ele foi flagrado desrespeitando o confinamento para se encontrar sigilosamente com a amante.
Nesse quadro, outros estudos sobre a pandemia começaram a passar por um crivo mais rigoroso entre os especialistas. Pois, embora não se discuta a contribuição dos modelos matemáticos para a produção de cenários prováveis, sua interpretação com uma ótica determinista vem sendo crescentemente disputada. Ainda mais quando eles são empregados para justificar decisões que afetam bilhões de vidas.
O alerta do estatístico americano George Box: “Todos os modelos estão errados, mas alguns podem ser úteis”
O que incomoda principalmente os críticos é a forma sensacionalista e simplória com que as projeções são lançadas ao público, quando deveriam ser tratadas como o que de fato são: exercícios de futurologia, ainda que com base científica. Seu valor para a tomada de decisões, segundo alertam, seria sempre relativo, já que a validade dos resultados depende de uma série de fatores: as premissas assumidas, as metodologias e programas de computação adotados, além de parâmetros e variáveis definidos pelos pesquisadores. Valeria ter em mente, nesse sentido, o alerta feito a esse respeito por um respeitado estatístico americano, George Box, segundo o qual “todos os modelos estão errados, mas alguns podem ser úteis”.
Outro problema da futurologia baseada em modelos computacionais é que ela ignora o acaso, o fato de estarmos permanentemente sujeitos ao inesperado, como ensina outro estatístico, o também financista Nassim Taleb, no livro A Lógica do Cisne Negro, cujo título remete ao fato de que cisnes dessa cor eram considerados uma impossibilidade absoluta até a descoberta dos primeiros exemplares na Austrália.
A credibilidade dos dados empregados em modelos matemáticos seria outro fator crítico, especialmente tratando-se de um vírus sobre o qual ainda se sabe tão pouco. Afinal, computadores podem até ser infalíveis, mas são programados por humanos. E, como prega um postulado popular entre profissionais da tecnologia de informação, vale a máxima do garbage in garbage out — isto é, “onde entra lixo, sai lixo”.
Esse tipo de ressalva permeia também o debate sobre mudanças climáticas. Um dos argumentos dos cientistas céticos em relação ao aquecimento global é que muitas das projeções catastróficas alardeadas nas últimas décadas são baseadas em modelos matemáticos falhos. As previsões do ex-candidato à Presidência dos Estados Unidos Al Gore, que lhe valeram um Prêmio Nobel em 2007, são um dos exemplos mais conhecidos. Segundo os cálculos dos estudos em que se baseou, o gelo do Ártico estaria fadado a desaparecer quase totalmente até 2014, mas ele continua, como se constata, onde sempre esteve.
A sorte dos adivinhos de todos tipos é que eles não correm o risco de pagar com a vida quando suas conjeturas dão errado, como acontecia com seus predecessores na Antiguidade e na Idade Média, pois temos a memória curta. Quem vai conferir todas as projeções feitas nos últimos meses sobre a pandemia com o que de fato ocorreu? Não nos lembramos sequer das previsões feitas em dezembro passado sobre o que devíamos esperar de 2020 — e que se mostraram tão completamente equivocadas. Continuamos consumindo prognósticos, recusando-nos a admitir que a incerteza é inerente à vida.
ATUALIZAÇÃO — 29/05/2020, 17h08
Quase simultaneamente à publicação deste artigo, outro estudo recente sobre a covid-19 tornou-se alvo de polêmica com a divulgação de uma carta aberta de cem cientistas de várias nacionalidades questionando a validade de seus resultados. Desta vez, trata-se do estudo da revista The Lancet sobre a hidroxicloroquina que concluiu sobre sua ineficácia e riscos e fundamentou a recomendação da Organização Mundial da Saúde contrária à utilização do medicamento. Os cientistas criticam tanto a metodologia empregada quanto a falta de transparência e de confiabilidade dos dados, fornecidos por uma empresa privada. A carta pode ser conferida em https://zenodo.org/record/3862789#.XtE0zjpKiyL
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Selma Santa Cruz foi editora e correspondente internacional do jornal O Estado de S. Paulo e da revista Veja, na França e nos Estados Unidos, antes de se dedicar à comunicação corporativa como sócia-diretora da TV1, grupo de agências especializadas em marketing digital, conteúdo, live marketing e relações públicas. É mestre em comunicação pela USP e estudante permanente da História.
se existe algo no qual não acredito são em previsões matemáticas e estatísticas, e isso me remete há um livro que eu lia para meus filhos: o personagem sempre estava diante de duas portas se entrasse pela da esquerda o futuro seria um, se entrasse pela da direita seria outro e assim sucessivamente, ou seja, só dá para prever o futuro imediato, nunca o de médio ou longo prazo pois,ambos, dependem de inúmeras variáveis e inúmeros fatos aleatórios.
Certas nuances ou sutilezas do Universo, mais especificamente do mundo em que vivemos, nos passam largamente despercebidas. Vamos imaginar uma situação para nós totalmente inconcebível: suponhamos que o Criador do Universo aparecesse de repente por aqui e fizesse aos nossos bilhões de humanos uma proposta: se concordássemos, o mundo iria passar 10 anos sem nenhum caso de doença, de espécie alguma, ninguém durante 10 anos seria acometido ou morreria por doença alguma. Aceitaríamos? A resposta seria tão clara como a luz sol, não é mesmo? Mas agora vamos às contas: da noite para o dia, todo o pessoal da saúde no mundo inteiro perderia seus empregos ou fecharia suas clínicas ou consultórios. Todos os hospitais, farmácias, laboratórios, faculdades de Medicina fechariam as portas, além dos institutos de pesquisa. Se nesse período ninguém mais morreria por doença, morreria de que então? Só restaria uma forma: acidentes, claro. E qual seria a principal consequência econômica disso? As agências de seguros tomariam conta do mundo. Iriam querer fazer seguros até de nossos pés, pois poderíamos tropeçar e quebrar o pé daqui pra ali. Além do mais, no final dos 10 anos as doenças voltariam sem dó nem piedade. E aí, faríamos o que? Não haveria nada mais para cuidar de quem que seja, pelo menos por um tempo. Conclusão: Morreria mais gente nos 10 anos seguintes do que nos 10 anos combinados. Para finalizar, no dia em que meu pai morreu, há 31 anos, de câncer no esófago, no dia do velório perguntei a um médico amigo da família, que estava presente, o seguinte: Doutor, será que daqui a 10 anos ainda vai ter gente morrendo com esta doença? E a resposta dele foi taxativa: “Não importa se tem ou se não tem, a Medicina jamais ficou sem três ou quatro doenças incuráveis”. Me calei.
Excelente comentário.
excelente artigo. Acho que alguns estudos devem ser analisados sob a ótica da sua motivação. O redemsivir custa várias vezes mais que a HCQ. A quem interessa desqualificar a HCQ? eu conheço duas pessoas que se curaram com o coquetel da HQC. Tenho certeza que os que estão lendo aqui conhecem outros exemplos. Por outro lado, de geologia eu entendo um pouco. É um absurdo o que se gasta em se propagar essa teoria ridícula de aquecimento global de origem humana. Se parte desse dinheiro fosse gasto em despoluir os oceanos, poderíamos eliminar o plástico ali existente. Mas, de novo, a quem interessa? O mar não sobe há 2,2 mil anos, depois de subir 120 m nos 20 mil anos anteriores. Quem tem dúvida, vai lá no porto de Ostia (porto principal de Roma na época da República) ou em Cartago (esse eu conheço) na Tunísia…eles estão lá no mesmo lugar e o nivel do mar está no mesmo lugar há 2200 anos. Não acredite cegamente nesses estudos…
O biólogo Átila Iamarino projetou, em março, um número de 1 MILHÃO de mortos até o fim de agosto. Isso só no Brasil. Recentemente, no dia 8 de maio, ele solta uma nota afirmando que foi otimista em prever 1 MILHÃO de mortes, considerando novos estudos do Imperial College. Para atingir esse número, o país teria de contar, em média, com mais de 300 mil mortes/mês. Caso isso não se concretize, e pelo visto não vai se concretizar, poderemos chamá-lo de biólogo de araque ou de vigarista mesmo?
O fato do Ferguson ter errado em vários estudos não implica em que esta carta que ele assinou, entre dezenas de outros, perca sua verdade, pois HCQ não tinha nada a ver com os estudos dele. Haja paciência…
Selma, acho melhor você dar uma olhada na lista dos assinantes da carta contra o estudo publicado na revista Lancet, objeto do artigo de sua colega de Revista Oeste, Paula Leal. Lá você encontrará, entre os assinantes, justamente o Neil Ferguson! E agora? Ou vale o seu artigo, o que desacreditaria o artigo da Paula, ou vale o dela, desacreditando ou ao menos relativizando o seu. O que é interessante é que você, inclusive, ao final cita a crítica dos cientistas do estudo publicado na Lancet. E, que ironia, entre os signatários está o Ferguson! Você não se seu ao trabalho de ler a lista dos assinantes da carta aberta dos cientistas? Você e a Paula deveriam ter ao menos conversado.
Abraço
Caro Valter, obrigada pela leitura e o comentário. Mas não vejo contradição, nem creio que a assinatura do Ferguson na carta seja relevante para o ponto central abordado: o fato de que estudos como o do Imperial College e o do The Lancet, que vem sendo destacados sem ressalvas na grande mídia e fundamentam decisões de impacto na vida de bilhões de pessoas, estejam sendo objeto de críticas por falhas tão graves. O que deveria nos levar a considerar seus resultados com um pouco mais de cautela, não como verdades absolutas.
Adorei, Selma! Além de todas as questões metodológicas inerentes à criação de modelos, o Imponderável, com “I” maiúsculo, está sempre presente. Abraço!
Vai ver que ele , o Ferguson se redimiu e fez auto correção.
Adoro ler seus textos!!!
Com o passar do tempo o que vemos é um trabalho conjunto da OMS, globalistas e indústria farmacêutica para disseminar o medo entre as pessoas do mundo. Com isto estão enfraquecendo as economias no planeta e preparando a fila das compradores de bilhões de doses de vacinas, com lucros inimagináveis.
Muito bem pensado muito bem escrito. Ciência e ocultismo. Agora vc poderia escrever sobre as vacinações de Bill Gates na África. Modelos matemáticos de controle de aplicação da vacina Sabin e contra varíola são bem vindos. E modelos de soluça matemática controle populacional e controle de comportamentos com implantação de chips?
O gelo do Ártico até pode ainda estar aí, Selma, mas não estará como sempre esteve ao lermos os dados passado do tamanho da calota polar. Ela vem diminuindo. Seu texto dá a entender que ela está aí “como sempre esteve”, ou seja, que nada vem acontecendo a ela. Deixe de ser irresponsável com seus textos e coloque mais…números!, neles.