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Edição 105

A receita para um cérebro turbinado

Alguns métodos procuram elevar nossa capacidade de trabalho. Mas muita gente prefere a cervejinha na praia

Dagomir Marquezi
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Ser mais produtivo quer dizer poder trabalhar mais com menos esforço. E conseguir mais resultados em menos tempo. Com o tempo que sobra, você pode descansar. Ou mesmo trabalhar em outros projetos.

O doutor Dean Burnett (neurocientista britânico e professor da Universidade Cardiff, no País de Gales) fez uma lista para a revista BBC Science Focus de algumas verdades e alguns mitos sobre a produtividade do cérebro humano. Não há milagres. Existem mudanças de hábitos, disciplina e racionalidade. 

Acordar às 4 da madrugada deixa as pessoas mais produtivas?

Não, segundo o doutor Burnett. Alguns acordam naturalmente mais cedo. Para essas pessoas, despertar antes de o sol nascer pode incrementar sua produtividade. Para o resto, um horário desses é uma violência contra as regras mais básicas do relógio biológico. Muito mais importante do que acordar cedo é dormir bem, de sete a nove horas por noite. Privação de sono é uma das mais antigas, conhecidas e discretas formas de tortura. Quem dorme mal costuma produzir pouco. Nosso cérebro se reorganiza com boas horas de sono, como um computador depois de ser reiniciado.

Música de fundo é benéfica ao trabalho?

Sim. Segundo a reportagem da Science Focus, nós temos dois sistemas de atenção. Um é o da atenção consciente, aquela que controlamos quando, por exemplo, escrevemos um texto ou dirigimos um carro. E temos um segundo sistema de atenção, o inconsciente. Ele serve como alerta. Fica ligado aos sinais externos — como sons, imagens e movimentos. Em silêncio, ficamos suscetíveis demais a sons externos — o ronco de um avião, uma brecada na rua, o miado de um gato, o celular de um vizinho. A música filtra uma parte desses sons, ajudando no foco no trabalho. Além disso, a escolha da música certa pode também servir como instrumento de produtividade. O doutor Dean Burnett cita um gênero em alta para os que precisam de foco: trilhas sonoras de videogames. Músicas instrumentais são melhores para nossa concentração ao trabalho do que as que nos distraem com letras.

Ficar ocupado o tempo todo quer dizer que você é mais produtivo?

Não. Trabalhar sem descanso em ritmo de multitarefas cansa mas não ajuda na produtividade. Esse clima ainda é fruto do ambiente do trabalho em escritório, quando pega mal mostrar para o chefe que estamos sem fazer nada. Em tempos mais normais, esse tarefismo só atrapalha a racionalidade e a eficiência. O ideal mesmo é ter uma caminha no local de trabalho para rápidos cochilos reparadores, mas ainda existe muito preconceito para essa possibilidade.

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Você deve ser feliz enquanto trabalha?

Depende. Gostar do que você faz, do seu local de trabalho e dos seus colegas ajuda muito. Um ambiente infeliz não vai gerar um bom produto. O erro é forçar esse clima de felicidade. Algumas empresas obrigam funcionários a sorrir o dia inteiro para clientes e para colegas. É a chamada “positividade tóxica”, que esgota emocionalmente quem trabalha. Em certas condições específicas, sentimentos considerados negativos — medo, raiva, stress e inveja — podem gerar (e já geraram) grandes obras.

Boa alimentação e exercícios físicos melhoram a produtividade?

Sim, segundo o doutor Burnett.

Trabalhar duro sempre traz recompensa?

Não. Dean Burnett diz que esta é uma crença baseada na “hipótese do mundo justo”, no qual todos os bons são recompensados e os todos os maus são punidos. O trabalho duro às vezes nos recompensa o espírito e a conta bancária. Às vezes, é só um trabalho duro, frustrante e mal pago.

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Os revolucionários do ócio

Enquanto alguns querem trabalhar mais e melhor, outros decidiram não produzir mais nada. E essa parcela, embora não contabilizada, parece ser bem significativa no Brasil. A ideia parece ter se espalhado durante os anos da covid. A adoção do homeworking não fez muito bem para certas pessoas. Elas começaram a confundir “trabalhar em casa” com não trabalhar de vez. Provavelmente você conhece alguém que entrou nessa onda.

O objetivo dessa parcela é conseguir juntar o máximo de dinheiro o mais cedo possível e parar de trabalhar assim que der. Pretendem dedicar o resto de seu tempo a criar netos, se dedicar aos prazeres da mesa, assistir à TV, qualquer coisa, menos produzir.

Para a maior parte das pessoas não existe essa opção pela improdutividade

Muitos usam uma justificativa ideológica para sua opção. A produtividade seria mais um veneno criado pelo capitalismo para manter todo mundo produzindo e consumindo cada vez mais, o tempo todo. Não fazer nada já foi motivo de vergonha. Agora, não trabalhar para alguns é um ato de rebeldia política, já que o certo é que o Estado seja o provedor de cada brasileiro, arrancando dinheiro dos ricos maus através do mítico Imposto Sobre Grandes Fortunas. 

Segundo essa crença, enquanto houver um rico para ser esfolado pela Receita Federal, o resto de nós não precisaria trabalhar. E o que aconteceria no dia em que não houvesse mais grandes fortunas a serem taxadas? Ah, aí você já quer saber demais.

A cadeia improdutiva

Essa onda não atinge apenas adultos em busca de férias eternas. Muitos jovens fazem o absolutamente necessário para garantir o pagamento de suas despesas. Mas, quando acaba o trampo, eles encontram o pessoal no bar, jogam um game, vão paquerar, assistem a um filme, postam nas redes. Trabalho é encarado como um incômodo na vida, tipo tomar injeção. Na hora que falta dinheiro, cortam-se despesas ou vende-se alguma coisa. Trabalhar mais, só em último caso.

Claro que quem segue esse caminho é uma minoria. A maior parte das pessoas quer e precisa trabalhar, e trabalhar muito para poder pagar as contas e juntar alguma coisa para uma emergência. Não existe essa opção pela improdutividade.

O filósofo alemão Max Weber (1864-1920) lançou, em 1905, sua obra mais famosa: A Ética Protestante e o Espírito Capitalista. Weber dizia que os protestantes haviam desenvolvido o conceito de que a humanidade vivia em pecado e não havia como saber quem seria agraciado com a salvação divina. Por via das dúvidas, cada crente deveria levar uma vida de muito trabalho, sem pecados ou grandes prazeres.

O resultado é que, em países com base protestante — Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, por exemplo —, essa ética gerou naturalmente muito dinheiro. Esse dinheiro era acumulado e criou grandes fortunas, que por sua vez geravam mais atividade econômica. Essa ética protestante produziu o que é considerada uma bênção para a economia de qualquer país: poupança interna.

Peixinho na praia

As sociedades se desenvolvem porque as pessoas produzem. Alguém faz a melhor pizza do bairro, alguém pesquisa a história dos aeroportos do Brasil, alguém recupera violões quebrados, alguém desenha aplicativos para celular, alguém transporta pessoas no ônibus, alguém dá banho em pets, alguém aprende os detalhes de funcionamento de uma usina nuclear. É a soma desses esforços que faz uma sociedade evoluir.

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Numa situação ideal, todas essas pessoas gostam do que fazem. Trabalham por prazer. Algumas estão insatisfeitas e pretendem aprender outro ofício. A ideia é trabalhar de alguma forma até onde a idade e a saúde permitirem. Mas nunca parar totalmente. Até porque, no momento em que deixamos de ser produtivos, nossa situação física e mental costuma se degradar de vez. Mesmo que você ganhe na Mega-Sena ou seja filho de um oligarca russo, o normal deveria ser preservar um instinto ancestral de produtividade.

Mas… se aposentar aos 40 anos? Numa época em que se chega fácil aos 90 ou 100? Nascer, crescer e morrer sem deixar nenhuma marca para as futuras gerações? Ser um coadjuvante preguiçoso no espetáculo da vida? Acordar cada dia para mais um peixinho com cervejinha à beira da praia? Para alguns pode ser um paraíso. Para outros, é uma triste perspectiva para um ser humano.

O conceito do cérebro humano | Foto: Shutterstock

 

Leia também Jovem Guarda e um copo de Choco Milk” 

6 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Belo artigo! Excelente reflexão! Obrigada!

  2. Andreia Rodrigues Gomes
    Andreia Rodrigues Gomes

    Artigo simplesmente perfeito. Obrigada.

  3. OLDEMIRO HARDOIM JUNIOR
    OLDEMIRO HARDOIM JUNIOR

    O ócio contemplativo tem uma base no socialismo. Auém ser feliz com o $$ de outro alguém que produziu.

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo texto. Parabéns Dagomir.

  5. EDUARDO HERCULANO DA SILVA
    EDUARDO HERCULANO DA SILVA

    Meu método é tomar a cerveja às 04:00, estudando, com o ambiente em silêncio.

    1. Marcelo DANTON Silva
      Marcelo DANTON Silva

      Conceito lindo quando TUDO funciona a contendo ….mas basta uma promoção à pessoa errada e …pimba!
      Desanda tudo.as engrenagens da linda teoria acima engripam . ambiente tóxico se instala!
      Quando fiz 18 anis comei-a a trabalhar no banco Itaú … microfilmagem.
      Hiper produtivo assiduidade e qualidade excelentes… sempre perguntava se estavam contentes com meu serviço ..
      Qual não foi minha surpresa que uma outra pessoa foi para um serviçodepartamento melhor e eu não !
      Fui perguntar o que houve e a resposta foi essa:
      Não podemos ficar sem a pessoa que carrega o piano .
      Detalhe!
      Meu chefe era de meia idade!!! Iria vagar nunca!

      Aqui é BRAZZziL
      O arquétipo latino é só sacanagem e apadrinhamento…
      Quem chora ganha!

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