Angelo Andrea Matarazzo assumiu a coordenação das Subprefeituras de São Paulo em 2005, na gestão de Gilberto Kassab. Na época, sua trajetória já incluía a Secretaria Estadual de Energia, no governo Mário Covas, e a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, no governo Fernando Henrique Cardoso. Essas e outras experiências — como a passagem pela Câmara de Vereadores e pela Subprefeitura da Sé — ajudaram esse paulistano de alma e sobrenome a reunir um vastíssimo acervo de conhecimentos e informações sobre a única megalópole brasileira.
“Um subprefeito tem de ter conhecimento do local, da máquina pública e, principalmente, trabalhar de porta aberta, com diálogo permanente com a sociedade”, afirmou Matarazzo. Durante uma hora e meia de conversa, ele detalhou sua relação com a cidade — dentro ou fora do poder — e lamentou a falta de experiência administrativa dos últimos prefeitos: “O pessoal da nova política chega e já quer ser candidato a prefeito, governador e presidente da República”, disse. “Gestão de cidade é uma coisa que requer técnica.”
Quando esteve à frente das 32 subprefeituras da capital, Matarazzo — nome que batiza o edifício-sede do Executivo municipal — foi o responsável pela operacionalização do Cidade Limpa (programa que abrandou a poluição visual, ao proibir outdoors e grandes letreiros) e pela reforma da Avenida Paulista.
Hoje, além da diminuição da população de rua — uma questão emergencial, “porque se trata de pessoas” —, ele enumera quais deveriam ser as prioridades do poder público municipal: regularização fundiária, urbanização de favelas e ações para desenvolver e levar emprego à periferia. “Se os gestores públicos pensassem mais na população do que na próxima eleição, trabalhariam em ações da periferia para o centro, e não o contrário.”
Em 2020, Matarazzo foi candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSD. Ficou em oitavo lugar, com pouco mais de 1,5% dos votos válidos. Na época, confidenciou a amigos o que considera uma das causas do baixo desempenho: “Tenho nome de mulher e sobrenome de grã-fino”, brinca. “Ninguém ganha eleição assim no Brasil.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como o senhor avalia a gestão dos últimos prefeitos de São Paulo?
Os últimos prefeitos, infelizmente, não tiveram trajetória na gestão. Política e gestão de cidades são incompatíveis. Aprendi a fazer política com Mário Covas, que foi prefeito e governador de São Paulo. Covas não fazia questão de ser simpático, fazia questão de entregar resultados. O morador da cidade quer que você resolva os problemas dele. Buraco na rua não é de direita nem de esquerda, nem tem de ser discutido, só tem de ser tampado. Gestão de cidade é uma coisa que requer técnica. O pessoal da nova política chega e já quer ser candidato a prefeito, governador e presidente da República. Para ser gerente de uma loja de supermercado, é exigido que o profissional faça carreira: comece pelas gôndolas, organização de estoque, chegue ao caixa, e aí quem sabe pode se tornar gerente um dia. Imagina ser prefeito de uma cidade com 12 milhões de habitantes?
A gestão de São Paulo é dividida em 32 subprefeituras e a indicação dos subprefeitos é feita pelo prefeito. O senhor concorda com essa forma de escolha?
Sim. Alguns defendem a eleição do subprefeito. E se o cara roubar durante a gestão? O prefeito será responsabilizado. O que acontece hoje é que, muitas vezes, quem indica o subprefeito é o vereador de determinado partido. Ou seja, o critério é partidário, e não técnico. O prefeito precisa escolher para o cargo pessoas experientes, que entendam de gestão pública e que conheçam o bairro. Durante o governo do José Serra, quando fui secretário de Subprefeituras, houve críticas, porque nomeamos subprefeitos de cidades do interior. Usamos o seguinte critério: nomear ex-prefeitos que já tivessem cumprido dois mandatos. Quando a pessoa se elege uma vez, mostra experiência política. Se ele consegue se reeleger é porque fez uma boa gestão. Um subprefeito tem de ter conhecimento do local, da máquina pública e, principalmente, trabalhar de porta aberta, com diálogo permanente com a sociedade local.
O modelo de divisão em subprefeituras é eficiente para uma cidade do tamanho de São Paulo?
Sim, as cidades precisam de gestão descentralizada e o subprefeito tem de ter autoridade e poder de decisão para resolver as coisas. Mas algumas são muito grandes. Existe subprefeitura com 500 mil habitantes. No entanto, criar novas envolve alto custo, porque são estruturas grandes. É preciso descentralizar algumas coisas. É o caso da assistência social, por exemplo. É muito importante existir um núcleo descentralizado em cada local, sob a coordenação do subprefeito, que responda ao secretário de Assistência. Com a cultura e o esporte, a mesma coisa. É possível criar gerências de bairros, mais setorizadas, sem criar novos cargos. Basta remanejar o pessoal que muitas vezes está em cargos ociosos.
Alguma sugestão de mudança no modelo atual?
Hoje faria o recall de subprefeitos. Depois de dois anos, haveria uma votação entre a população do bairro, para decidir se o subprefeito deve sair ou permanecer no cargo.
A pandemia agravou um problema que o paulistano conhece bem: o aumento no número de moradores em situação de rua. Essa população cresceu 30% em dois anos e hoje é composta de cerca de 32 mil pessoas. Como o senhor avalia a gestão desse problema na cidade?
A pessoa pode ficar na rua, mas não pode morar na rua. O Poder Público tem a obrigação de cuidar dessa população. O que vejo hoje na cidade é omissão de socorro, porque as pessoas estão largadas à própria sorte. Durante a pandemia, a prefeitura fechou tudo e não deixou de cobrar IPTU e nenhuma taxa, o que é um absurdo. O comércio demitiu muito, até mais do que poderia. A prefeitura poderia ter lançado um programa para manutenção de empregos, oferecendo aos comerciantes um desconto ou isenção do IPTU durante um período, desde que não houvesse demissão.
Quando foi subprefeito da Sé, na gestão de José Serra, o senhor foi criticado e chamado de “higienista” por ter instalado rampas apelidadas de “antimendigo” em uma passagem subterrânea numa das extremidades da Avenida Paulista. Por que tomou essa decisão?
Na região da cracolândia, onde havia atividade constante de tráfico de drogas, procuramos dificultar a vida do traficante. Atuávamos com o cansaço do traficante, interditando lugares, molhando os locais onde eles guardavam drogas, por isso que se lavava calçada todos os dias. Fui muito criticado quando proibi a distribuição de sopas à noite no centro. Havia a fila da sopa e, ao lado, o traficante entregando pedra de crack para os caras. Enfim, a sopa era uma forma de organizar a distribuição de drogas para o tráfico. Quando se começam a fazer essas iniciativas, o traficante muda de lugar. Alguns foram parar nessa região da Paulista. Recebemos muitas reclamações de assaltos no local quando o trânsito ficava lento. Alguns dependentes químicos jogavam pedras para quebrar o para-brisa do carro, as pessoas ficavam com medo e evitavam passar por ali. A polícia orientou a não deixar essa população se aglomerar e decidimos instalar rampas de concreto no local onde havia aglomeração. Fiz e faria novamente.
“Gastaram R$ 100 milhões para destruir o Anhangabaú. Tem cabimento? Ficou parecido com uma pista de pouso ridícula”
O que é possível fazer para resolver essa questão das pessoas em situação de rua em São Paulo?
Na minha época, fizemos uma campanha chamada “Não dê esmolas, dê futuro”, proibindo pessoas com criança no colo pedindo esmola no semáforo. Porque sabemos que, muitas vezes, não é o pai ou a mãe que está ali segurando a criança. Ampliamos vagas de albergues, mas também criamos o chamado hotel social. Alugamos milhares de quartos em pequenos hotéis e pensões em várias regiões, evitando a concentração no centro. Não deixávamos fazer acampamento. Uma equipe de assistentes sociais percorria a cidade dentro de 40 Kombis envelopadas e fazia permanentemente a abordagem do morador que estava na rua, explicando que eles não poderiam ficar ali. Os assistentes tinham um mapa dos albergues com vagas disponíveis para levar essas pessoas. Fomos acusados de que essa ação servia de táxi para moradores de rua. Minha resposta era: ‘Claro, e o ônibus pega morador de rua? Tem gratuidade?’ Não tem. É obrigação do Poder Público ajudar.
Como o senhor avalia o trabalho das igrejas no acolhimento dessas pessoas?
Gostem ou não, as igrejas hoje fazem um grande trabalho de assistência social. Em qualquer catástrofe, as igrejas são as primeiras a chegar e a oferecer suporte, cesta básica, cobertores. Hoje, eu faria um convênio com as igrejas para, de segunda-feira a sexta-feira, quando os templos estão vazios, oferecer, em parceria com sindicatos de trabalhadores e com o Sistema S [ conjunto de entidades voltado para o treinamento profissional, lazer e assistência social. Senac, Sebrae e Sesc, entre outros, integram o Sistema S ], cursos de ressocialização, programas contra álcool e drogas, qualificação e capacitação profissional. Porque parte enorme da população de rua hoje está desempregada. Outra vantagem é que existem templos em todos os bairros, não haveria concentração no centro da cidade. Cada igreja cuidaria da população de rua local.
Entre tantos problemas na cidade, o que o senhor considera mais urgente?
A situação dos moradores de rua é emergencial e prioritária, porque se trata de pessoas. A questão da zeladoria básica é fundamental, são os mesmos problemas de 20 anos atrás. Mas, além da zeladoria, as grandes prioridades da cidade são a regularização fundiária e a urbanização de favelas. Este é o único jeito de universalizar o saneamento e levar os empregos para perto das pessoas. É irracional essa situação em que 50% da população mora na periferia e 50% no centro expandido, sendo que a maior parte dos empregos está no centro expandido. A prioridade está na periferia. Não é razoável São Paulo ter 3,2 milhões de pessoas sem saneamento básico e 3 milhões morando em favelas. É preciso transformar as favelas em bairros, com investimento em saneamento, regularização de propriedades, construção de conjuntos habitacionais, retirada das pessoas que moram em áreas de risco, construção de creches, clubes, calçadas. Se os gestores públicos pensassem mais na população do que na próxima eleição, eles trabalhariam em ações da periferia para o centro, e não o contrário.
No final do ano passado, a Câmara de Vereadores aprovou um texto do prefeito Ricardo Nunes (MDB) para reajuste do IPTU pela inflação, limitado ao teto de 10%. O reajuste é justificável?
É uma vergonha. Cada vez mais a Câmara está aprovando isenções. Isenta para fazer política com o bolso dos outros. Por causa da pandemia, não deveria nem ter cobrado o IPTU. Deveria ter dado abatimento. A prefeitura está com dinheiro em caixa e poderia estar baixando impostos. Governo não é para dar lucro. Gastaram R$ 100 milhões para destruir o Anhangabaú. Tem cabimento? Ficou parecido com uma pista de pouso ridícula, com uma fonte luminosa que custou uma fortuna aos cofres públicos. Quanto tapa-buraco dava para fazer com esse dinheiro?
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Acredito que o Matarazzo seja uma pessoa de bem, assim como acreditava no Alckmin.
Concordo com a importância da experiência para a gestão, mas discordo veementemente sobre a importância da experiência na gestão pública, que só pensa em “quanto gastar”, ante do “resultado a ser obtido com o mínimo investimento econômico e humano (horas de trabalho)”.
Servidores públicos são doutrinados a querer sempre uma estrutura a mais, criar órgãos para “facilitar” os procedimentos.
Um trecho que me chamou a atenção na entrevista foi “tivemos que parar de oferecer as sopas porque os traficantes aproveitavam o momento para vender drogas”. Não era a oportunidade ideal de utilizar a inteligência da polícia para retirar esses traficantes de circulação? Sim, dá mais trabalho, resultado, mas cortar custos é mais fácil…
Retórica vazia, como sói acontecer com políticos profissionais. Certamente eles acham que funciona, ou não têm nada de mais original para falar.
O problema do morador de rua é que não se pode impedir alguém de estar ou ficar em um local público, assim como não se pode impedir alguém de arruinar sua própria vida e multiplicar sua miséria pelos descendentes, afinal, construir e manter uma vida requer muito esforço e tempo.
Historicamente alvo de compaixão, a mendicância tornou-se um modo de vida, e estas pessoas vão sobrevivendo e se multiplicando.
Tenho grande admiração por Andrea Matarazzo. Votei nele no primeiro turno para a prefeitura de São Paulo e acredito que era, de fato, o candidato mais preparado. Espero que ele não desista de ajudar a melhorar São Paulo.
Acho que o Andrea Matarazzo é um político honesto e preparado, que conhece bem a cidade de SP, que ama de verdade.
Independentemente do partido que está no poder, deveria ser chamado a colaborar e fazer parte do secretariado, pois conhece os problemas de Sampa como poucos.
Nossa amada São Paulo perde demais não tendo um homem como Andrea Matarazzo em seu comando ou, pelo menos, assessorando o prefeito bem de perto.
PSDB/PSD? Nessa entrevista, as palavras são sinceras? Será que esse posicionamento não é só por que está sem cargo público?