No lugar em que um dia Pelé e Rivelino brilharam, a vez agora é de Gal Costa e padre Fábio de Melo. O Pacaembu reabre suas portas ao público neste sábado, 30 de abril, depois de dois anos, com um show da veterana da MPB. Quem for ver a cantora baiana certamente vai reparar nas arquibancadas parcialmente destruídas do velho Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho.
As obras ainda estão em andamento, mas o visual já mudou bastante. O setor conhecido como Tobogã, por exemplo, já não está mais atrás de um dos gols, no local onde vai nascer um prédio multiuso. Assim, aos poucos, o Pacaembu começa a voltar aos paulistanos.
A última vez que a bola rolou no estádio foi em 29 de fevereiro de 2020, no zero a zero entre Santos e Palmeiras. Agora, com o antigo gramado asfaltado provisoriamente para abrigar o Pavilhão Pacaembu, começa uma agenda de shows até o segundo semestre de 2023, com direito a almoço de Dia das Mães com Fábio de Melo. A intenção é aproveitar o espaço até que as obras do complexo sejam totalmente concluídas.
Cedido à concessionária Allegra Pacaembu por 35 anos, o ícone arquitetônico em art déco se prepara para retornar com uma proposta “mais democrática”, na palavra dos atuais administradores. A vocação futebolística vai dividir espaço com outras ações para movimentar a identidade do complexo, em iniciativas que incluem negócios, cultura e até videogames.
“Estamos numa expectativa muito grande e confiantes de que será um retorno marcante para a cidade”, diz Eduardo Barella, CEO da Allegra Pacaembu. “Queremos que os paulistanos entendam o nosso propósito, que é resgatar os pilares de cultura e lazer, originários do Pacaembu, de quando ele foi idealizado, ainda na década de 1940”.
Agora o Pacaembu, que completou 82 anos em 27 de abril, promete se inserir de volta na vida dos paulistanos como espaço de experiências múltiplas. Os fãs de futebol mais tradicionais ainda esperam para ver como tudo vai ficar.
“É claro que sabemos da importância do futebol para o complexo e isso jamais vai se perder, mas queremos que o Pacaembu esteja ainda mais aberto a novas possibilidades”, afirma o gestor do estádio. “Será um grande marco poder realizar um show após 16 anos no Pacaembu”.
A concessão
A ideia de cessão do Pacaembu à iniciativa privada por um período fechado nasceu na administração do ex-prefeito João Doria. Desde o início, o projeto contava com restrições. Como o veto a shows de grande porte, em razão do ativismo da associação de moradores do bairro. A manutenção de um espaço para esportes amadores, incluindo uma piscina pública, também foi garantida.
Formado pela empresa de engenharia Progen e pelo fundo de investimentos Savona, o Allegra Pacaembu venceu o processo de concessão e responde pela gestão do complexo desde 25 de janeiro de 2020. A concessionária prevê investir mais de R$ 400 milhões em toda a estrutura, mas teve o cronograma de ações afetado pela crise de covid-19. O estádio, inclusive, abrigou um hospital de campanha no auge da pandemia em São Paulo.
Quando concluído, o novo Pacaembu terá a capacidade reduzida, de 40 mil para 25 mil espectadores. No subsolo, o complexo vai contar com um centro de eventos de 8 mil metros quadrados. Embaixo de um dos setores de arquibancada, vai existir uma arena de esportes eletrônicos, no qual cem pessoas poderão jogar de forma simultânea.
As obras de reforma começaram em 29 de junho de 2021, atrasadas em mais de um ano por causa da crise do coronavírus. A concessionária não pode mexer na estrutura externa do estádio, tombada pelo patrimônio histórico. A Praça Charles Miller, em frente da entrada principal, está excluída da concessão, assim como o Museu do Futebol, cuja gestão pertence ao Estado de São Paulo.
Hotel no lugar do Tobogã
O Pacaembu de 1940 nasceu com a Concha Acústica atrás de um dos gols, área destinada a apresentações. O espaço deu lugar à imensa estrutura de arquibancada batizada de Tobogã, em 1969. Hoje, no lugar, o estádio em sua versão moderna vai ganhar uma nova atração.
Em uma renovação que divide opiniões entre velhos frequentadores do estádio, no lugar do já demolido Tobogã será erguido um edifício multifuncional de nove andares, sendo quatro deles subterrâneos. Em três de seus pavimentos vai funcionar um hotel, em parceria com o grupo Universal Music e a empresa de investimentos Dakia U-Ventures.
O espaço vai contar ainda com um estacionamento no subsolo, além de um centro de medicina esportiva e de uma galeria de arte. O complexo também terá cafés, lojas e escritórios.
E o futebol?
Tombado pelo patrimônio histórico em 1998, o Pacaembu ainda tem seu aproveitamento esportivo em suspense. Por muito tempo, o estádio na zona oeste, bem próximo à Avenida Paulista, era uma opção para todos os times da cidade, além do Santos, que fez do local a sua segunda casa a partir dos tempos de Pelé.
Mas, hoje, com Corinthians e Palmeiras desfrutando de novas arenas, não se sabe se algum time e sua torcida vão frequentar o estádio. Mesmo que de vez em quando, quando a casa principal estiver incapacitada de receber jogos.
O São Paulo, com o Morumbi pronto desde 1970, tem sido o frequentador menos assíduo do Pacaembu nas últimas décadas. Já o Santos cogitou recentemente usar o estádio de novo como casa alternativa, contemplando sua torcida na capital. No entanto, o clube tem avançado no projeto por uma arena própria na Baixada Santista, a nova Vila Belmiro, orçada em R$ 400 milhões. Então, num primeiro momento, o Paulo Machado de Carvalho deve abrigar jogos esporádicos, apesar de a concessionária prometer valorizar a vocação futebolística do local.
“Queremos que a final da Copa São Paulo de Futebol seja realizada no Estádio do Pacaembu, no dia 25 de janeiro de 2024″, garante Eduardo Barella, da Allegra Pacaembu. “Este deve ser o nosso marco inaugural. Esse foi o principal público do Pacaembu durante muitos anos. Os torcedores são um público apaixonado e que se preocupa com o que está sendo feito no complexo como um todo. Queremos continuar recebendo o público do futebol, para que ele tenha uma nova experiência com muito mais conforto e segurança.”
Curiosidades históricas
O Pacaembu foi inaugurado em 27 de abril de 1940, com a presença de Getúlio Vargas, então presidente da República. Na época, com capacidade para 60 mil pessoas, era o maior estádio do país — este status durou dez anos, até a construção do Maracanã, no Rio de Janeiro.
Abaixo, algumas curiosidades sobre o antigo estádio paulistano:
- em tupi-guarani, Pacaembu significa ‘terras alagadas’. A região ganhou esse nome porque ficava junto a um ribeirão, cujas margens serviam de descanso para os índios;
- o Palestra Itália (antigo nome do Palmeiras) inaugurou o estádio em 28 de abril de 1940, com uma vitória de 6 a 2 sobre o Coritiba;
- o maior público do Pacaembu foi registrado em 24 de maio de 1942, quando 70.281 pessoas acompanharam a estreia do craque Leônidas da Silva, do São Paulo, no empate com o Corinthians;
- a maior goleada do estádio aconteceu em 1945, na vitória do São Paulo sobre o Jabaquara por 12 a 1;
- o estádio recebeu jogos da Copa do Mundo de 1950, como o empate entre Brasil e Suíça na primeira fase;
- o Pacaembu ganhou o nome de Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho em 1961, em homenagem ao dirigente esportivo que comandou a delegação brasileira na Copa de 1958;
- o estádio abrigou as despedidas de dois ídolos do futebol brasileiro, curiosamente ambos nascidos no Rio de Janeiro: Romário, em 2005, e Ronaldo, em 2011;
- o Pacaembu recebeu uma missa campal comandada pelo papa Bento 16, em 2007;
- alguns ídolos da música se apresentaram no estádio: Paul McCartney, Luciano Pavarotti, Tina Turner, The Rolling Stones, Iron Maiden, AC/DC, entre outros;
- o estádio abriga o Museu do Futebol desde 2008, com entrada pela Praça Charles Miller;
- um hospital de campanha de 6.300 metros quadrados funcionou dentro do Pacaembu por 84 dias em 2020, em meio ao combate ao coronavírus na cidade, recebendo cerca de 1,5 mil pacientes.
Uma aula de história sobre o Pacaembu.