Pular para o conteúdo
publicidade
zona franca de manaus
Alexandre de Moraes, ministro do STF | Foto: STF/SCO
Edição 114

A justiça no fundo do poço

Pelo preço que paga, o brasileiro deveria estar tendo uma das melhores, mais eficazes e mais confiáveis justiças do mundo. É o exato contrário

J. R. Guzzo

-

Imagine, por alguns instantes, um absurdo bem absurdo, multiplique por dois e eleve o resultado ao cubo. Muito bem — não importa o que você tenha imaginado, pode ter certeza de que no judiciário brasileiro já aconteceu coisa pior. Não se trata de uma questão de ponto de vista. É o que a realidade dos fatos prova, sem parar, à luz do sol e à vista de todos. Acaba de acontecer, mais uma vez. Os deputados de Alagoas, atendendo a pedidos feitos por gente que você já sabe muito bem quem é, aprovaram o seguinte desatino: a partir de agora, os juízes e desembargadores alagoanos receberão do erário estadual dois meses de “licença-remunerada”, ou seja, terão pagamento em dinheiro vivo, a cada três anos em que ficarem no serviço público. Dá R$ 60.000, a cada vez, para um juiz em começo de carreira; se ele está há mais tempo na magistratura e ganha R$ 50.000 por mês, por exemplo, já serão R$ 100.000 — e assim por diante. Nem é preciso dizer que essas boladas são um plus a mais: os tais “três anos de trabalho” incluem as férias (que já são de dois meses por ano) e os dias relativos aos recessos judiciais de julho, dezembro e janeiro. O magistrado também poderá optar pela licença, em vez do dinheiro; nesse caso, de três em três anos, ficará quatro meses sem trabalhar e ganhando salário integral. E agora vem a cereja no bolo (no bolo deles, claro) ou a notícia realmente ruim da história toda: essa distribuição maciça de dinheiro público pode ser retroativa. Já se calcula que haverá gente botando 1 milhãozinho no bolso.

Por meio do “quinquênio”, o cidadão será roubado, a cada cinco anos, para pagar um aumento salarial automático de 5% para todos os juízes
É um mergulho desesperado no subdesenvolvimento mais agressivo — uma ditadura africana de segunda categoria provavelmente teria vergonha de fazer esse tipo de mamata com os amigos do gângster que estiver ocupando a cadeira de ditador. A desculpa que arrumaram para dar algum tipo de explicação a essa tramoia é uma coisa triste: a “licença-biênio” serviria para “premiar” a dedicação dos magistrados que permanecem nos seus cargos — como se o problema da justiça de Alagoas fosse evitar uma possível demissão em massa de juízes, desmotivados pelo miserável salário inicial de R$ 30.000 por mês que ganham, fora os benefícios. O pior é que a decisão não diz respeito só a Alagoas. Como acontece com outras unidades da federação, Alagoas é um Estado-parasita: não gera receita suficiente para honrar suas próprias despesas, e tem de ser sustentado pelo desvio de impostos pagos por cidadãos de outros Estados brasileiros. Quem estará pagando pela farra, portanto, não é “o governo”, e nem o erário alagoano — é você mesmo, a cada vez que liga o celular, acende a luz de casa ou põe 1 litro de combustível na bomba do posto. Alagoas não ajuda ninguém. É apenas, do ponto de vista da política, um exportador líquido de gigantes como Fernando Collor, Renan Calheiros ou Arthur Lira, para ficar no resumo da opera — ou de decisões como a do “biênio” para os juízes.

publicidade

Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.