Muitos produtos industriais derivam ou têm em sua composição cascos e chifres bovinos: colágenos, adesivos, xampus, condicionadores, plásticos, laminados, papel de parede, madeira compensada, adubos, rações animais etc. Aqui, os bois têm quatro patas e o país produz mais de 120 milhões de cascos por ano. São cerca de 30 milhões de bovinos abatidos. É muito casco! Chifres e cascos são apenas extremidades dos bovinos. Ainda há o resto.
A gordura e o sebo bovino, por exemplo, entram na fabricação industrial de chicletes, velas, detergentes, amaciantes de roupas, desodorantes, espumas de barbear, giz de cera, perfumes e cosméticos, cremes e loções, pinturas, vernizes, impermeabilizantes, cimentos, cerâmicas, plásticos, explosivos, fogos de artifício, fósforos, fertilizantes, anticongelantes, isolantes, linóleos, borrachas, têxteis, medicamentos, óleos, lubrificantes e biodiesel.
Do biodiesel presente nas bombas dos postos, abastecendo carros, ônibus, utilitários e tratores, cerca de 20% são produzidos a partir de sebo bovino. O resto vem essencialmente do óleo de soja. Boa parte dos frigoríficos brasileiros possui unidades produtoras de biodiesel. É um combustível renovável, sem compostos sulfurados (não contribui para chuva ácida) ou aromáticos (tóxicos e cancerígenos), menos poluente e mais sustentável.
A pecuária brasileira segue a lei da conservação de massa de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Do boi nada se perde ou é descartado como lixo. São dezenas de destinos industriais. Tudo é recuperado: cascos, pelos, vísceras, ossos, sangue, chifres, couro, sebo e gorduras. Além da carne, é claro.
E nem só de subprodutos de origem bovina vive a indústria da reciclagem animal. O Brasil abate por ano mais de 6 bilhões de frangos. Quase um frango para cada habitante do planeta. Em média, de cada frango abatido, 28% não são utilizados no consumo humano. Penas, vísceras, cabeças, unhas e outros resíduos são matéria-prima para a indústria de reciclagem animal e transformados em farinhas, ração e óleos de origem animal. O mesmo ocorre com os resíduos de 53 milhões de suínos abatidos por ano e com cerca de 850.000 toneladas de peixes (vísceras e escamas).
A indústria de reciclagem animal brasileira processa 100% dos resíduos de abate coletados de frigoríficos e açougues. São mais de 13 milhões de toneladas anuais. Eles dão origem a 5,6 milhões de toneladas de farinhas e gorduras, além de hemoderivados (hemoglobina e plasma em pó), aromatizantes e proteínas hidrolisadas, segundo a Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra).
Esses produtos de alto valor nutricional são ingredientes em rações para suínos, aves, peixes, cães e gatos, aqui e no exterior. E, em parte, retornam ao sistema produtivo. A hemoglobina em pó, por exemplo, tem alta digestibilidade (95%), elevados níveis proteicos (87%) e excelentes teores de aminoácidos essenciais, como lisina, histidina, leucina e isoleucina. Envolvidos em diversos processos metabólicos, eles previnem a catarata em salmões na aquicultura. Com elevados níveis de ferro, a hemoglobina é totalmente misturável em água e atua como um potente palatabilizante em rações para suínos, cães, gatos, peixes e camarões.
Dezenas e dezenas de produtos utilizados no cotidiano dos brasileiros têm origem na reciclagem industrial de resíduos de origem animal. Em inglês, essa reciclagem criativa da agropecuária não é chamada de recycling, e sim upcycling: gera novos empregos, mais riqueza e melhores serviços.
A economia circular está operacional e cresce no agronegócio brasileiro. É raro caminhões de lixo coletarem algo em fazendas, unidades de produção de papel e celulose, suco de laranja ou usinas de cana-de-açúcar. A meta da agropecuária é o lixo zero. Como em ecossistemas naturais, onde não há lixo. Tudo é reciclado. No setor canavieiro, o caldo da cana é transformado em açúcar e/ou etanol; o bagaço é utilizado na geração de energia e bioeletricidade em caldeiras; a vinhaça é distribuída como fertilizante nos campos, assim como a torta, os resíduos das filtragens e outros. Existe ainda a geração crescente, a partir da vinhaça, do biogás e do biometano.
O gás biometano pode atender a várias demandas industriais, como a da fabricação de fertilizantes. Ele pode substituir o gás de origem fóssil na fabricação de amônia e o óleo diesel em motores híbridos (diesel e gás). Esse gás da cana é um combustível renovável, alternativo ao gás encanado convencional, em grande parte importado da Bolívia. O município de Presidente Prudente é o pioneiro em distribuir biometano encanado para os moradores. O mercado do biometano renovável é muito promissor.
Além da busca do lixo zero no processo produtivo, a preocupação com o correto destino das embalagens plásticas de defensivos agrícolas usadas no campo mobilizou a cadeia produtiva, desde o fim da década de 1980. As experiências e os debates evoluíram até a aprovação da Lei Federal nº 9.974, em 2000, e a criação do Instituto Nacional de Embalagens Vazias (inpEV), em dezembro de 2001.
O inpEV, entidade sem fins lucrativos com sede em São Paulo, integra o Sistema Campo Limpo e é o grande responsável pela operacionalização da logística reversa das embalagens em todo o país. Integram o inpEV mais de cem empresas fabricantes de defensivos agrícolas e entidades do setor.
O manejo e a destinação ambientalmente corretos das embalagens vazias de defensivos agrícolas têm como regra as responsabilidades compartilhadas entre todos os agentes da produção: agricultores, canais de distribuição e cooperativas, indústria e poder público.
Hoje, os usuários de defensivos agrícolas lavam, inutilizam (furam e cortam) e devolvem as embalagens vazias aos comerciantes. Estes indicam o local da devolução da embalagem pós-consumo, mantêm esses locais e comprovam o recebimento. Os fabricantes se responsabilizam pela logística e pela correta destinação, conforme o tipo de embalagem. E o poder público licencia as unidades de recebimento e fiscaliza todo o processo.
Na agropecuária brasileira, resíduo não é lixo. É matéria-prima industrial e oportunidade de criação de novos produtos
O Sistema Campo Limpo conta com 411 unidades de recebimento de embalagens vazias (99 centrais e 312 postos). Além disso, mais de 4,1 mil recebimentos itinerantes completam a capilaridade do sistema de coleta e facilitam a entrega para agricultores em áreas mais distantes das unidades fixas de recebimento.
Cerca de 1,7 mil profissionais participam direta ou indiretamente do Sistema Campo Limpo e 273 colaboradores integram o inpEV. A ecoeficiência do sistema é significativa. Entre 2002 e 2020, a energia economizada foi equivalente ao necessário para abastecer 5 milhões de casas durante um ano ou para um caminhão fazer 15 mil viagens em torno da Terra. Em termos de emissões evitadas, o período totalizou 823 mil toneladas de CO2.
A mobilização constante e o engajamento de cada um desses agentes ajudaram a tornar o Brasil uma referência mundial em logística reversa de embalagens vazias de defensivos agrícolas. Em 2021, 53,5 mil toneladas de embalagens vazias foram corretamente coletadas e destinadas. Ou 94% das embalagens plásticas primárias comercializadas no Brasil são destinadas corretamente pelo inpEV. Um recorde mundial.
A França, segundo melhor desempenho mundial, não passa de 77%. Segue o Canadá, com 73%. Estados Unidos ocupam o nono lugar no ranking, com 33%. Muitas indústrias brasileiras de defensivos operam em ciclo fechado: recebem anualmente a mesma quantidade de plástico reciclado para utilização na confecção de suas embalagens. Outra parte desse plástico reciclado é destinada à indústria de mangueiras, condutores etc. Das embalagens destinadas, 95% são reciclados e apenas 5% incinerados.
A reciclagem de embalagens na agropecuária proporciona benefícios ambientais diretos, reduz a geração de resíduos sólidos e a emissão de gases de efeito estufa e poupa energia na fabricação de novos produtos.
A qualidade de vida urbana melhorou com as medidas aprovadas pelo governo federal nos últimos três anos para impulsionar a reciclagem e a logística reversa. Quem se interessa pelo tema precisa conhecer os avanços recentes do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir+). E, em particular, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos e o novo Certificado de Crédito de Reciclagem (Recicla+!).
Na agropecuária brasileira, resíduo não é lixo. É matéria-prima industrial e oportunidade de criação de novos produtos, gerando mais empregos e renda. É preciso e possível melhorar e avançar neste tema ambiental. Como na preservação da água e da vegetação nativa, o campo já tem muito a ensinar.
Leia também “O Brasil não precisa importar trigo”
Muito bom e ilustrativo. Aprendo sempre com Dr Evaristo e suas “obras de arte”.
Essa é mais uma. Parabéns
Parabéns pela matéria! Eu q faço parte do agro, não sabia desse aumento exponencial na reciclagem, transformação e reuso na pecuária.
É impressionante como este setor se organizo no tempo e cumpre o seu papel no sentido de buscar sustentabilidade no sistema. Também é importante o papel dos comunicadores e da sociedade organizada no sentido de comunicar as boas práticas do setor. Parabéns Dr Evaristo por este importante trabalho!
Caro, Arene, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.
Que prazer incomensurável ler os artigos do Prof. Evaristo de Miranda. Sempre nos brindando com excelentes notícias sobre o agronegócio brasileiro.
Caro, Robson, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.
Maravilha de artigo. Deveria ser leitura obrigatória nas escolas. Parabéns!
Caro, Luiz, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Desse modo, alunos e professores das escolas de todo o país agora podem lê-la. Obrigado pela audiência.
Vejo esse avanço espetacular no campo, ótima matéria explicando à população urbana, que joga lixo nos rios, ruas e avenidas e alguns dinossauros ambientalistas…..
O agro brasileiro e todos os envolvidos na cadeia a cada dia estão mais engajados com a preservação do meio ambiente, reciclagem, boas práticas. Falta comunicar de maneira clara e objetiva à população, aos políticos e ao exterior, como pontuado em comentário anterior nesta matéria. Parabéns pela forma como abordou o assunto, indo de gado a cana!
Cara, Ana, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.
Excelente artigo. Demonstra o profissionalismo da pecuária brasileira. Pena que ainda tem gente preocupada com o pum do boi.
Seus artigos são excelentes, mostrando a importância do Ago, e neste a reciclagem de subprodutos.
Para comemorar o dia do meio Ambiente, neste seu artigo uma riqueza de informação.
Mais uma valiosa contribuição do Prof. Evaristo, mostrando aos leitores um lado pouco conhecido- a contribuição da nossa agropecuária na reciclagem de produtos animais-Pena essas informações não serem divulgadas, como o faz a revista Oeste, visando a melhoria de nossa imagem, na preservação do meio ambiente, no Brasil e exterior.
Caro, Francisco, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Desse modo, essas informações podem alcançar um público ainda maior. Obrigado pela audiência.
Parabéns pela reportagem #RevistaOeste!…Um show de explicação!…👏👏👏👏👏
Só tenho uma dúvida. Como os veganos, vegetarianos e afins vivem, sem usar qualquer das utilidades de cada animal citado?…Sim porque pelo que pregam, não usam nada dos animais. Sera?…Dúvida cruel! 🤔🤭
Outra aula do MESTE Evaristo! Muito obrigado!
Excelente Matéria
Ah se esses comunistas fossem pro inferno e tivesse uns 200 Tarcísios espalhados pelo país
Que excelente matéria!
O agronegócio brasileiro é de extrema relevância para o crescimento do Brasil, aínda falta muita informação como esta, para o conhecimento de muitos que são manipulados pela mídia, de que o agronegócio destrói a fauna, meio ambiente, desmatando. De que não contribuí com nada.
Sou formado em Administração Rural, tenho especialização em Agro negócio brasileiro, mas não atuo porque no Acre é quase inexistente o agronegócio.
Caro, Marcos, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.
Nada mais apropriado que essa riqueza de informações quando se comemora o dia do meio ambiente. Parabéns Evaristo.
Excelente informação que os brasileiros precisam conhecer. A CNA precisa atuar na comunicação e defesa do produtor divulgando essas informações de forma inteligente, no Brasil e no exterior. O roteiro está dado com a contribuição primorosa do Dr. Evaristo Miranda.
Caro, Roberto, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.
Excelente !!! Gostaria de poder compartilhar com amigos e conhecidos. Porque não disponibilizar este artigo no watsup ou youtub depois de uma semana de publicado ? Acho que incentivaria as pessoas a assinar a revista. A Grande mídia não publica algo igual porque não querem ajudar o governo e o Brasil.
Caro, Benjamim, agora você pode compartilhar essas informações com quem desejar. Em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.
Como seria importante se tivéssemos metade do Congresso Nacional e do Judiciário de Evaristos de Miranda. Quanto conhecimento que faria bem para educar essa gente inútil.
PARABENS ,EVARISTO….MAIS UM EXCELENTE ARTIGO MOSTRANDO A PUJANÇA DO AGRO, DESSA VEZ NA RECICLAGEM DE SUBPRODUTOS…
ISSO PROVA QUE A POLUIÇÃO DA AGUA,TERRA E AR TEM NA SUA GRANDE RESPONSAVEL A CIDADE E NÃO O CAMPO
Parabéns!
Eu queria saber para onde vai o miolo do boi que sumiu dos açougues.
Artigo muito importante. Dados a serem replicados , compartilhados, e comentados. Upcycling é tudo!! Muito bom!
Cara, Edna, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Desse modo, agora é possível compartilhá-la com mais leitores. Obrigado pela audiência.