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Gado Nelore, no Brasil | Foto: Erich Sacco/Shutterstock
Edição 115

Reciclagem e agropecuária lixo zero

A economia circular cresce no agro brasileiro. É raro caminhões de lixo coletarem algo em fazendas, unidades de produção de papel e celulose ou usinas de cana. A meta é o lixo zero

Evaristo de Miranda
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Muitos produtos industriais derivam ou têm em sua composição cascos e chifres bovinos: colágenos, adesivos, xampus, condicionadores, plásticos, laminados, papel de parede, madeira compensada, adubos, rações animais etc. Aqui, os bois têm quatro patas e o país produz mais de 120 milhões de cascos por ano. São cerca de 30 milhões de bovinos abatidos. É muito casco! Chifres e cascos são apenas extremidades dos bovinos. Ainda há o resto.

Gado da raça nelore | Foto: Shutterstock

A gordura e o sebo bovino, por exemplo, entram na fabricação industrial de chicletes, velas, detergentes, amaciantes de roupas, desodorantes, espumas de barbear, giz de cera, perfumes e cosméticos, cremes e loções, pinturas, vernizes, impermeabilizantes, cimentos, cerâmicas, plásticos, explosivos, fogos de artifício, fósforos, fertilizantes, anticongelantes, isolantes, linóleos, borrachas, têxteis, medicamentos, óleos, lubrificantes e biodiesel.

Do biodiesel presente nas bombas dos postos, abastecendo carros, ônibus, utilitários e tratores, cerca de 20% são produzidos a partir de sebo bovino. O resto vem essencialmente do óleo de soja. Boa parte dos frigoríficos brasileiros possui unidades produtoras de biodiesel. É um combustível renovável, sem compostos sulfurados (não contribui para chuva ácida) ou aromáticos (tóxicos e cancerígenos), menos poluente e mais sustentável.

Foto: Shutterstock

A pecuária brasileira segue a lei da conservação de massa de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Do boi nada se perde ou é descartado como lixo. São dezenas de destinos industriais. Tudo é recuperado: cascos, pelos, vísceras, ossos, sangue, chifres, couro, sebo e gorduras. Além da carne, é claro.

Fonte: Agri Beef Co., traduzida pela Equipe BeefPoint.
Fonte: ABRA

E nem só de subprodutos de origem bovina vive a indústria da reciclagem animal. O Brasil abate por ano mais de 6 bilhões de frangos. Quase um frango para cada habitante do planeta. Em média, de cada frango abatido, 28% não são utilizados no consumo humano. Penas, vísceras, cabeças, unhas e outros resíduos são matéria-prima para a indústria de reciclagem animal e transformados em farinhas, ração e óleos de origem animal. O mesmo ocorre com os resíduos de 53 milhões de suínos abatidos por ano e com cerca de 850.000 toneladas de peixes (vísceras e escamas).

Criação de frango caipira | Foto: Shutterstock

A indústria de reciclagem animal brasileira processa 100% dos resíduos de abate coletados de frigoríficos e açougues. São mais de 13 milhões de toneladas anuais. Eles dão origem a 5,6 milhões de toneladas de farinhas e gorduras, além de hemoderivados (hemoglobina e plasma em pó), aromatizantes e proteínas hidrolisadas, segundo a Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra).

Esses produtos de alto valor nutricional são ingredientes em rações para suínos, aves, peixes, cães e gatos, aqui e no exterior. E, em parte, retornam ao sistema produtivo. A hemoglobina em pó, por exemplo, tem alta digestibilidade (95%), elevados níveis proteicos (87%) e excelentes teores de aminoácidos essenciais, como lisina, histidina, leucina e isoleucina. Envolvidos em diversos processos metabólicos, eles previnem a catarata em salmões na aquicultura. Com elevados níveis de ferro, a hemoglobina é totalmente misturável em água e atua como um potente palatabilizante em rações para suínos, cães, gatos, peixes e camarões.

Ração animal | Foto: Shutterstock

Dezenas e dezenas de produtos utilizados no cotidiano dos brasileiros têm origem na reciclagem industrial de resíduos de origem animal. Em inglês, essa reciclagem criativa da agropecuária não é chamada de recycling, e sim upcycling: gera novos empregos, mais riqueza e melhores serviços.

A economia circular está operacional e cresce no agronegócio brasileiro. É raro caminhões de lixo coletarem algo em fazendas, unidades de produção de papel e celulose, suco de laranja ou usinas de cana-de-açúcar. A meta da agropecuária é o lixo zero. Como em ecossistemas naturais, onde não há lixo. Tudo é reciclado. No setor canavieiro, o caldo da cana é transformado em açúcar e/ou etanol; o bagaço é utilizado na geração de energia e bioeletricidade em caldeiras; a vinhaça é distribuída como fertilizante nos campos, assim como a torta, os resíduos das filtragens e outros. Existe ainda a geração crescente, a partir da vinhaça, do biogás e do biometano.

Colheita de cana-de-açúcar | Foto: Shutterstock

O gás biometano pode atender a várias demandas industriais, como a da fabricação de fertilizantes. Ele pode substituir o gás de origem fóssil na fabricação de amônia e o óleo diesel em motores híbridos (diesel e gás). Esse gás da cana é um combustível renovável, alternativo ao gás encanado convencional, em grande parte importado da Bolívia. O município de Presidente Prudente é o pioneiro em distribuir biometano encanado para os moradores. O mercado do biometano renovável é muito promissor.

Além da busca do lixo zero no processo produtivo, a preocupação com o correto destino das embalagens plásticas de defensivos agrícolas usadas no campo mobilizou a cadeia produtiva, desde o fim da década de 1980. As experiências e os debates evoluíram até a aprovação da Lei Federal nº 9.974, em 2000, e a criação do Instituto Nacional de Embalagens Vazias (inpEV), em dezembro de 2001.

O inpEV, entidade sem fins lucrativos com sede em São Paulo, integra o Sistema Campo Limpo e é o grande responsável pela operacionalização da logística reversa das embalagens em todo o país. Integram o inpEV mais de cem empresas fabricantes de defensivos agrícolas e entidades do setor.

Foto: Shutterstock

O manejo e a destinação ambientalmente corretos das embalagens vazias de defensivos agrícolas têm como regra as responsabilidades compartilhadas entre todos os agentes da produção: agricultores, canais de distribuição e cooperativas, indústria e poder público.

Hoje, os usuários de defensivos agrícolas lavam, inutilizam (furam e cortam) e devolvem as embalagens vazias aos comerciantes. Estes indicam o local da devolução da embalagem pós-consumo, mantêm esses locais e comprovam o recebimento. Os fabricantes se responsabilizam pela logística e pela correta destinação, conforme o tipo de embalagem. E o poder público licencia as unidades de recebimento e fiscaliza todo o processo.

Na agropecuária brasileira, resíduo não é lixo. É matéria-prima industrial e oportunidade de criação de novos produtos

O Sistema Campo Limpo conta com 411 unidades de recebimento de embalagens vazias (99 centrais e 312 postos). Além disso, mais de 4,1 mil recebimentos itinerantes completam a capilaridade do sistema de coleta e facilitam a entrega para agricultores em áreas mais distantes das unidades fixas de recebimento.

Cerca de 1,7 mil profissionais participam direta ou indiretamente do Sistema Campo Limpo e 273 colaboradores integram o inpEV. A ecoeficiência do sistema é significativa. Entre 2002 e 2020, a energia economizada foi equivalente ao necessário para abastecer 5 milhões de casas durante um ano ou para um caminhão fazer 15 mil viagens em torno da Terra. Em termos de emissões evitadas, o período totalizou 823 mil toneladas de CO2.

A mobilização constante e o engajamento de cada um desses agentes ajudaram a tornar o Brasil uma referência mundial em logística reversa de embalagens vazias de defensivos agrícolas. Em 2021, 53,5 mil toneladas de embalagens vazias foram corretamente coletadas e destinadas. Ou 94% das embalagens plásticas primárias comercializadas no Brasil são destinadas corretamente pelo inpEV. Um recorde mundial.

Foto: Shutterstock

A França, segundo melhor desempenho mundial, não passa de 77%. Segue o Canadá, com 73%. Estados Unidos ocupam o nono lugar no ranking, com 33%. Muitas indústrias brasileiras de defensivos operam em ciclo fechado: recebem anualmente a mesma quantidade de plástico reciclado para utilização na confecção de suas embalagens. Outra parte desse plástico reciclado é destinada à indústria de mangueiras, condutores etc. Das embalagens destinadas, 95% são reciclados e apenas 5% incinerados.

A reciclagem de embalagens na agropecuária proporciona benefícios ambientais diretos, reduz a geração de resíduos sólidos e a emissão de gases de efeito estufa e poupa energia na fabricação de novos produtos.

A qualidade de vida urbana melhorou com as medidas aprovadas pelo governo federal nos últimos três anos para impulsionar a reciclagem e a logística reversa. Quem se interessa pelo tema precisa conhecer os avanços recentes do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir+). E, em particular, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos e o novo Certificado de Crédito de Reciclagem (Recicla+!).

Lixão em Afuá, na Ilha de Marajó | Foto: Shutterstock

Na agropecuária brasileira, resíduo não é lixo. É matéria-prima industrial e oportunidade de criação de novos produtos, gerando mais empregos e renda. É preciso e possível melhorar e avançar neste tema ambiental. Como na preservação da água e da vegetação nativa, o campo já tem muito a ensinar.

Plantação de café em Minas Gerais | Foto: Shutterstock

Leia também “O Brasil não precisa importar trigo”

32 comentários
  1. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    Muito bom e ilustrativo. Aprendo sempre com Dr Evaristo e suas “obras de arte”.
    Essa é mais uma. Parabéns

  2. Cláudia A B Rodrigues
    Cláudia A B Rodrigues

    Parabéns pela matéria! Eu q faço parte do agro, não sabia desse aumento exponencial na reciclagem, transformação e reuso na pecuária.

  3. Arene Trevisan
    Arene Trevisan

    É impressionante como este setor se organizo no tempo e cumpre o seu papel no sentido de buscar sustentabilidade no sistema. Também é importante o papel dos comunicadores e da sociedade organizada no sentido de comunicar as boas práticas do setor. Parabéns Dr Evaristo por este importante trabalho!

    1. Artur Piva

      Caro, Arene, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Que prazer incomensurável ler os artigos do Prof. Evaristo de Miranda. Sempre nos brindando com excelentes notícias sobre o agronegócio brasileiro.

    1. Artur Piva

      Caro, Robson, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.

  5. Luiz Marins
    Luiz Marins

    Maravilha de artigo. Deveria ser leitura obrigatória nas escolas. Parabéns!

    1. Artur Piva

      Caro, Luiz, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Desse modo, alunos e professores das escolas de todo o país agora podem lê-la. Obrigado pela audiência.

  6. Pedro A L Gazolla
    Pedro A L Gazolla

    Vejo esse avanço espetacular no campo, ótima matéria explicando à população urbana, que joga lixo nos rios, ruas e avenidas e alguns dinossauros ambientalistas…..

  7. Ana Vaz
    Ana Vaz

    O agro brasileiro e todos os envolvidos na cadeia a cada dia estão mais engajados com a preservação do meio ambiente, reciclagem, boas práticas. Falta comunicar de maneira clara e objetiva à população, aos políticos e ao exterior, como pontuado em comentário anterior nesta matéria. Parabéns pela forma como abordou o assunto, indo de gado a cana!

    1. Artur Piva

      Cara, Ana, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.

  8. Anelise Marques
    Anelise Marques

    Excelente artigo. Demonstra o profissionalismo da pecuária brasileira. Pena que ainda tem gente preocupada com o pum do boi.

  9. Verbena Neves Reis
    Verbena Neves Reis

    Seus artigos são excelentes, mostrando a importância do Ago, e neste a reciclagem de subprodutos.
    Para comemorar o dia do meio Ambiente, neste seu artigo uma riqueza de informação.

  10. Francisco Albuquerque
    Francisco Albuquerque

    Mais uma valiosa contribuição do Prof. Evaristo, mostrando aos leitores um lado pouco conhecido- a contribuição da nossa agropecuária na reciclagem de produtos animais-Pena essas informações não serem divulgadas, como o faz a revista Oeste, visando a melhoria de nossa imagem, na preservação do meio ambiente, no Brasil e exterior.

    1. Artur Piva

      Caro, Francisco, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Desse modo, essas informações podem alcançar um público ainda maior. Obrigado pela audiência.

  11. Jô Sá
    Jô Sá

    Parabéns pela reportagem #RevistaOeste!…Um show de explicação!…👏👏👏👏👏
    Só tenho uma dúvida. Como os veganos, vegetarianos e afins vivem, sem usar qualquer das utilidades de cada animal citado?…Sim porque pelo que pregam, não usam nada dos animais. Sera?…Dúvida cruel! 🤔🤭

  12. Gustavo Amaral
    Gustavo Amaral

    Outra aula do MESTE Evaristo! Muito obrigado!

  13. Sidney Bittelbrun
    Sidney Bittelbrun

    Excelente Matéria

  14. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Ah se esses comunistas fossem pro inferno e tivesse uns 200 Tarcísios espalhados pelo país

  15. Marcos Antônio Silva Torres
    Marcos Antônio Silva Torres

    Que excelente matéria!
    O agronegócio brasileiro é de extrema relevância para o crescimento do Brasil, aínda falta muita informação como esta, para o conhecimento de muitos que são manipulados pela mídia, de que o agronegócio destrói a fauna, meio ambiente, desmatando. De que não contribuí com nada.
    Sou formado em Administração Rural, tenho especialização em Agro negócio brasileiro, mas não atuo porque no Acre é quase inexistente o agronegócio.

    1. Artur Piva

      Caro, Marcos, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.

  16. José Gilberto Jardine
    José Gilberto Jardine

    Nada mais apropriado que essa riqueza de informações quando se comemora o dia do meio ambiente. Parabéns Evaristo.

  17. Roberto Castelo Branco
    Roberto Castelo Branco

    Excelente informação que os brasileiros precisam conhecer. A CNA precisa atuar na comunicação e defesa do produtor divulgando essas informações de forma inteligente, no Brasil e no exterior. O roteiro está dado com a contribuição primorosa do Dr. Evaristo Miranda.

    1. Artur Piva

      Caro, Roberto, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.

  18. Benjamin Gonzalez Martin
    Benjamin Gonzalez Martin

    Excelente !!! Gostaria de poder compartilhar com amigos e conhecidos. Porque não disponibilizar este artigo no watsup ou youtub depois de uma semana de publicado ? Acho que incentivaria as pessoas a assinar a revista. A Grande mídia não publica algo igual porque não querem ajudar o governo e o Brasil.

    1. Artur Piva

      Caro, Benjamim, agora você pode compartilhar essas informações com quem desejar. Em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Obrigado pela audiência.

  19. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Como seria importante se tivéssemos metade do Congresso Nacional e do Judiciário de Evaristos de Miranda. Quanto conhecimento que faria bem para educar essa gente inútil.

  20. Claudio Haddad
    Claudio Haddad

    PARABENS ,EVARISTO….MAIS UM EXCELENTE ARTIGO MOSTRANDO A PUJANÇA DO AGRO, DESSA VEZ NA RECICLAGEM DE SUBPRODUTOS…
    ISSO PROVA QUE A POLUIÇÃO DA AGUA,TERRA E AR TEM NA SUA GRANDE RESPONSAVEL A CIDADE E NÃO O CAMPO

  21. Francisco de Assis Bonfati
    Francisco de Assis Bonfati

    Parabéns!

  22. Jota Dabliu
    Jota Dabliu

    Eu queria saber para onde vai o miolo do boi que sumiu dos açougues.

    1. Edna Garbelotti
      Edna Garbelotti

      Artigo muito importante. Dados a serem replicados , compartilhados, e comentados. Upcycling é tudo!! Muito bom!

      1. Artur Piva

        Cara, Edna, em virtude da importância da matéria, a Oeste decidiu torná-la disponível também para não assinantes. Desse modo, agora é possível compartilhá-la com mais leitores. Obrigado pela audiência.

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