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Edição 117

Lista geral das coisas impossíveis

Jamais houve uma época com tanta informação à disposição. Ao mesmo tempo, nunca se fez tanto para impedir que as pessoas comuns tomem conhecimento dos fatos

J. R. Guzzo
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Eis aqui uma lista de coisas que não vão acontecer nunca; não perca o seu tempo tentando encontrar alguma delas, ou esperando que aconteçam, porque você não vai conseguir nada. É uma das maravilhas do nosso tempo. Em toda a história da humanidade, jamais houve uma época, como agora, com tanta informação e tanto conhecimento à disposição de tanta gente e de forma tão imediata. Ao mesmo tempo, nunca se fez tanto esforço para impedir que as pessoas comuns tomem conhecimento dos fatos: são eliminados, simplesmente, quando contrariam a visão de mundo da maior parte dos comunicadores, “formadores de opinião” e o resto das chamadas elites culturais que há na praça. Segue-se uma relação de alguns fatos que jamais são contados, e nem serão. Pode ser útil.

• É impossível que um jornalista europeu ou americano escreva ou diga que os índios são 0,4% da população brasileira, ou 900.000 sobre um total de 220 milhões de pessoas, e ocupam quase 14% do território do Brasil. Também não escrevem, nem dizem, que 50% da população indígena não vive em reservas — ou seja, estão no meio dos demais cidadãos deste país.

Índigenas brasileiros do Xingu | Foto: Shutterstock

• É impossível que um jornalista brasileiro, ou de qualquer nacionalidade, escreva ou diga que os homossexuais formam 1,3% da população do Brasil. Segundo dados do IBGE, divulgados agora em maio, um total de 2,9 milhões de brasileiros acima dos 18 anos de idade declarou ser gay, dentro do mesmo conjunto de 220 milhões de pessoas mencionado no item anterior. A ideia transmitida pela mídia é exatamente oposta a esses dados. Um jornal de São Paulo, por exemplo, já afirmou que houve “4 milhões de pessoas” numa parada gay na Avenida Paulista.

Parada gay na Avenida Paulista | Foto: Shutterstock

• Os cerca de 300 milhões de toneladas de grãos que o Brasil deve produzir na corrente safra ocupam pouco mais de 8% de toda a superfície territorial do país. Foram plantados, este ano, pouco acima de 70 milhões de hectares; o Brasil tem 850 milhões de hectares de extensão. Esses fatos são tratados como segredo de Estado pela mídia — e os números em que se baseiam são considerados “tendenciosos”, porque levam o cidadão a concluir que a agricultura brasileira não tem absolutamente nada a ver com a “destruição da Floresta Amazônica”. Como são “tendenciosos”, não podem ser publicados, pois vai parecer “fake news”, ou notícia “enganosa”, ou “desinformação” etc.

Plantação de soja em Mato Grosso do Sul | Foto: Shutterstock

• É mantido em sigilo, também, o fato de que o produtor rural brasileiro é obrigado a reservar 20% da área de sua propriedade para as matas — e, se na propriedade não houver mata, ele é obrigado a plantar. Na Amazônia, essa exigência é de 80% da área. Não se informa, igualmente, que os donos da terra não recebem nenhum tipo de compensação financeira por colaborar com a preservação da natureza, nem na forma de abatimento nos impostos que paga. O público não é informado que os proprietários rurais da Europa e dos Estados Unidos, onde o agronegócio brasileiro é condenado todos os dias por destruir o meio ambiente, “alterar o clima” e ameaçar a segurança do “planeta”, não têm nenhuma obrigação remotamente parecida com essa — nem com a preservação das “matas ciliares” na margem dos rios, nem com os satélites do “cadastro rural”, nem com os fiscais do Ibama, do Incra, das secretarias estaduais e municipais do Ambiente, e por aí afora.

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• Nunca será encontrada na mesma sentença a informação de que a inflação do Brasil nos 12 meses encerrados em maio é de 11,7%, e que a inflação nos Estados Unidos, no mesmo período, é de 8,5% — ou que a da Alemanha é de 8%. A inflação, pelo que se publica, é um fenômeno que só ocorre no Brasil.

Foto: Shutterstock

• No atual debate sobre os preços dos combustíveis para o consumidor, e a “necessidade” de se adotar um “preço brasileiro” para o petróleo — já que a Petrobras explora com sucesso as reservas existentes no Brasil —, não há possibilidade de se mencionar que o preço das mercadorias jamais é determinado pelo seu custo de produção, e sim pelo seu valor de mercado a cada momento. Não há um “preço brasileiro” para a soja — nem para o café, o açúcar, o frango, a carne, o suco de laranja, o minério de ferro, a celulose e assim por diante. Compra-se e vende-se cada um desses produtos não por aquilo que custaram para o produtor, e sim por aquilo que o mercado internacional quer pagar por eles.

• Não se lê nunca na imprensa, e nem se diz nunca na televisão ou rádio, que dos 11 atuais ministros do Supremo Tribunal Federal sete foram nomeados nos governos Lula-Dilma, e dos quatro que sobram um é Alexandre de Moraes e o outro é Gilmar Mendes.

Da esquerda para a direita, os ministros do STF Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski | Foto: STF/SCO

• Não há registro, também, de que o inquérito do ministro Moraes para investigar “fake news” e “atos antidemocráticos” seja ilegal, pois a lei não permite que o STF conduza uma investigação criminal. Quem faz isso é a polícia e o Ministério Público, cabendo à justiça comum decidir sobre culpa ou inocência — e ao Supremo, única e eventualmente, manifestar-se sobre a legalidade constitucional do que foi decidido, caso surja alguma dúvida a respeito.

Sempre que você ler algo que lhe parece uma cretinice, fique tranquilo — é você quem está com a razão

• O público não encontra, não encontrou até agora e nem vai encontrar algum dia no futuro nenhuma menção ao fato de que as decisões derivadas deste inquérito ilegal também são ilegais: prisão de um deputado federal no exercício de seu mandato, sem que tenha cometido crime inafiançável ou sido preso em flagrante; a criação do “flagrante perpétuo”, pelo qual um delito, mesmo depois de concluído, não se conclui nunca; anulação do dispositivo constitucional que proíbe a punição de parlamentares por manifestarem “quaisquer opiniões”; bloqueio da conta salarial do mesmo deputado; bloqueio da conta de sua mulher, que não é investigada por delito nenhum; o não reconhecimento de um decreto presidencial concedendo graça ao deputado em questão, sempre o mesmo.

Daniel Silveira, deputado federal preso pelo STF acusado de “atos antidemocráticos” | Foto: Câmara dos Deputados

• O público não foi informado até agora, nem será, que o crime de “fake news”, exposto diariamente na mídia e atribuído apenas a criminosos de direita, não existe nos 361 artigos do Código Penal Brasileiro, e em nenhum outro lugar da legislação ora vigente no país. Nenhuma lei proíbe alguém de mentir, ou de dar notícia mentirosa, falsa ou simplesmente errada: são punidas, isto sim, as consequências da mentira, na forma dos delitos de calúnia, difamação e injúria, ou de falso testemunho, estelionato, sonegação fiscal, fraude, informação falsa em documento público, omissão da verdade e outros, conforme o caso específico e as circunstâncias.

Esse rol de informações impossíveis poderia continuar por horas e horas, e não se chegaria nunca ao fim. Algo a fazer a respeito? Não muito. Mas um fato é certo: sempre que você ler no jornal ou ouvir na televisão e rádio algo que não entende, ou que lhe parece uma cretinice, ou que tem cara de mentira, fique tranquilo — é você quem está com a razão, e não eles. Continue na sua, e obedeça à lógica comum; é o que se pode fazer. Já é alguma coisa.

Leia também “Constituição em frangalhos”

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