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Edição 12

A Caixa quer ser o banco dos programas sociais

O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, diz que o foco central da instituição é a população de baixa renda

Wilson Lima
Rodolfo Costa
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O presidente da Caixa Econômica, Pedro Duarte Guimarães, carioca de 49 anos, é visto tanto por colegas quanto por membros do primeiro escalão do governo federal como um homem apaixonado pelo trabalho e pela estatal. Em entrevista à Revista Oeste, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, deu uma ideia da paixão de Guimarães pelo banco: “Ele fala da Caixa como se fosse o maior banco da humanidade”.

Em pouco mais de um ano e meio à frente da Caixa Econômica, Pedro Guimarães, conhecido no mercado como especialista em privatizações, adotou, curiosamente, um sentido totalmente contrário do que se imaginava. Após a elaboração de um novo código de compliance, um choque de gestão e definição de foco em clientes de baixíssima renda — mercado ignorado por bancos privados —, foi reduzida a praticamente zero a chance de desestatização da instituição.

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Guimarães acredita que a pandemia do coronavírus trouxe uma oportunidade única para a Caixa firmar-se como o banco 100% voltado aos brasileiros de baixa renda. “Fizemos o maior programa de inserção social digital”, destaca. “Nada comparável a isso aconteceu no mundo.”

Nesta entrevista à Revista Oeste, o presidente da Caixa se diz orgulhoso de ter conseguido efetuar o pagamento de milhões de auxílios emergenciais. Ele acredita que a crise terá como maiores legados a universalização do sistema de pagamento de benefícios sociais do governo federal e a inclusão bancária de aproximadamente 60 milhões de brasileiros. Isso pode resultar em um tratamento mais eficiente por parte do poder público para cidadãos até então alijados do sistema financeiro. “É uma questão de dignidade.”

A seguir, os trechos mais relevantes da entrevista.

O auxílio emergencial foi alvo de críticas pelo fato de ter demorado a ser liberado. Houve até filas nas agências da Caixa. Os problemas foram solucionados?

Nunca houve no mundo o pagamento de 50 milhões de pessoas em vinte dias. Existiu uma crítica política [sobre a demora no pagamento dos benefícios]. Não acho que tenha sido meritória. Não tínhamos aplicativo nem nada. E, mesmo assim, em vinte dias [entre o anúncio, a concepção do aplicativo e demais processos], a instituição pagou a 50 milhões de pessoas. E esse aplicativo, no primeiro dia, recebeu o cadastro de 42 milhões de pessoas. Isso é recorde mundial! E, dois dias depois que a lei foi promulgada, já estávamos pagando os benefícios. Isso nunca foi feito no mundo.

É realmente possível classificar como um caso inédito no mundo?

Repito: isso nunca foi feito no mundo. Nem nos Estados Unidos. Lá, mesmo com uma economia mais avançada, eles não conseguiram. Até hoje, por lá, não houve o pagamento do benefício. Eles estão mandando o cheque pelo correio. Muitos cheques estão voltando, eles não estão achando as pessoas.

Mas aqui houve muitos problemas no cadastramento.

Tivemos que formar uma base de dados de uma só vez. Fora do cadastro único, 106 milhões de adultos se cadastraram — ou seja, dois em cada três adultos. Imagine o trabalho da DataPrev [empresa pública de tecnologia]. Dos 106 milhões, 59 milhões foram aceitos, 42 milhões foram rejeitados e 5 milhões ainda estão em análise.

As aglomerações nas agências foram muito criticadas por criar ambientes em que o coronavírus poderia disseminar-se.

Não tínhamos feito uma organização [dos pagamentos dos beneficiários] pela falta de tempo disponível. Assim, iam às agências não só as pessoas que poderiam receber, mas quem também achava que ia receber. Acabamos recebendo 20 milhões de pessoas. Tecnicamente, o correto seria ter esperado um mês para pagar, não sete dias. No FGTS, no saque imediato, esperamos dois meses. E pagamos a 60 milhões de pessoas em seis meses, 10 milhões por mês. Agora [durante a pandemia], em quinze dias pagamos também a 60 milhões. De todo modo, corrigimos o processo. Tanto que não houve aglomerações no pagamento da segunda parcela.

Outra crítica importante diz respeito às falhas frequentes no aplicativo.

No começo, ele realmente estava com problemas. Mas hoje já normalizou. O Caixa Tem apresentou problemas porque foi desenhado para ter 1 milhão de clientes. Só que bateu todos os recordes. São 103 milhões de brasileiros, CPFs únicos que baixaram o aplicativo. Tivemos que aumentar em 103 vezes a capacidade em duas semanas. Normal é você fazer isso em um ano. E nós ainda somos um banco estatal.

”Fizemos o maior programa de inserção social digital e econômica do mundo”

A Caixa identificou muitos invisíveisno processo, pessoas que não possuíam conta bancária. E o como será a estratégia do banco a partir de agora para inserir esses cidadãos no sistema bancário?

Aconteceu uma revolução, e as pessoas não estão percebendo. Fizemos o maior programa de inserção social digital e econômica do mundo. Temos hoje 50 milhões de cidadãos com uma conta bancária de graça. Destes, 30 milhões não tinham antes. Nosso plano é efetuar os pagamentos de todos os benefícios sociais por meio do aplicativo Caixa Tem. Imagine o potencial que temos para o microcrédito. Hoje, a pessoa carente, se for pegar dinheiro em situações normais, vai submeter-se a juros de 20% ao mês, já que não tem conta em banco. Agora, pelo aplicativo, poderá pegar dinheiro a 1,5%, 2%.

Por meio do aplicativo, a Caixa terá acesso ao fluxo de caixa dos usuários. Assim, pode transformar-se no banco digital da população de baixa renda. Há algum projeto nesse sentido?

Exatamente! Perfeito! É o que estamos fazendo neste momento. Nossa meta é que essa operação via aplicativo se torne o banco digital das pessoas carentes. Vamos disponibilizar microsseguros, cartões, seguro assistencial, auxílio-funeral.

Com longas filas, população respeita distanciamento para sacar auxílio emergencial<br>Foto: Matheus Simoni

A Caixa planeja focar sua estratégia nesse tipo de produto?

Sim. As pessoas de baixa renda não contam com plano de saúde e têm receio de falecer como indigente. Então, nesse auxílio-funeral, o tíquete é baixo. Viajei 57 fins de semana pelo Brasil. Visitava nas sextas-feiras agências no interior do Norte e do Nordeste. Conheci agências em cidades pequenas que atendem não só a população local mas também a de cinco municípios menores, vizinhos. Nesses lugares, só há casas lotéricas. Existem pessoas que têm que andar, às vezes, 30 quilômetros a pé. Ou 10 quilômetros a pé e mais 20 de barco. Só que agora, com celular, que quase todo mundo tem, o acesso aos serviços fica muito mais fácil. O Caixa Tem roda em aparelhos simples e consome quinze vezes menos memória do que os aplicativos que usamos normalmente. Pode até ser meio feinho, mas é utilizado com rapidez por quem tem celular pré-pago.

algum estudo para incluir os beneficiários do Bolsa Família no aplicativo?

Acho que o programa do auxílio emergencial forçou soluções que demorariam dois anos para ser implementadas ou talvez nunca fossem. O Bolsa Família tem 10 milhões de beneficiários, que ainda não estão no Caixa Tem. Não colocamos para não atrapalhar a cabeça das pessoas. O Bolsa Família funciona como está há quinze anos. Não vamos querer chegar e falar “você que está acostumado a receber de um jeito, toma uma conta digital”. Quando passar a pandemia, vamos incluir com calma o Bolsa Família. Assim, mais de 60 milhões de brasileiros que não tinham acesso a banco passarão a ter. Terão para cartão de crédito, seguros e os demais serviços que a Caixa oferecer.

“Mudamos a parte de governança, o balanço foi auditado e agora temos um banco sob um comando técnico”

Como os programas sociais envolvem vários ministérios, todo o governo está de acordo com essa estratégia?

Estamos conversando com cada um dos ministérios. O Ministério da Cidadania tem o maior número de programas, mas outras pastas também os têm. E, às vezes, algumas mudanças precisam de leis, como ocorreu no caso do saque do FGTS. O foco da Caixa está nos mais humildes. É na “padaria do seu Joaquim”, e isso é muito importante para nós. Queremos atender às menores empresas, às pessoas mais carentes e avançar no crédito imobiliário, no qual a Caixa sempre foi importante.

Quando se fala em crédito imobiliário, é natural tratar do programa Minha Casa Minha Vida. Existe algum plano para mudar o atual modelo?

Aí tem que ver com o ministro Paulo [Guedes]. Funciona assim: um formula e outro libera o dinheiro. É uma discussão entre um ministério e o outro [Economia e Desenvolvimento Regional]. O que posso dizer é que vamos continuar apoiando porque é um dos focos estratégicos da Caixa.

No final do ano passado, o ex-ministro do Desenvolvimento Regional Gustavo Canuto chegou a defender a concessão de vouchers em um novo modelo do Minha Casa Minha vida. É um modelo que o senhor aprova?

Não participei dessas conversas [sobre as mudanças]. De todo modo, não achamos eficiente entregar voucher, que, na prática, é dar dinheiro na mão da pessoa. Não haverá condições de controlar como o beneficiário usará o voucher. É mais eficiente investir em construções menores, dentro das cidades, porque aproveitamos toda a infraestrutura existente — polícia, escola, rua —, e não tiramos a pessoa do ambiente dela. Quando se constrói algo muito grande, a 10 quilômetros da cidade, é necessário prover uma infraestrutura. Isso acaba gerando um grande custo adicional. Se analisarmos os problemas que existem hoje em obras paradas, a maioria dos gargalos está em construções maiores, longe dos centros urbanos. Complexos habitacionais que não estavam nem no planejamento de prefeituras para fazer, por exemplo, a pavimentação.

A Caixa não tem interesse em disputar o mercado corporativo ou de alta renda?

Manter o foco é determinante. E não querer fazer coisas em que a Caixa não é expert. Foi assim que, há dez anos, a Caixa perdeu dinheiro. Quando quis, de uma hora para outra, financiar grandes empresas, diretamente ou por meio de fundos.

A Caixa chegou a ser citada em anos anteriores como alvo de esquemas de desvios. Isso acabou?

Sim. O banco tinha um balanço que não estava auditado. O auditor não fechava desde 2016. Nós entramos e em seis meses pudemos dizer “agora está ok”. Mudamos a parte de governança, trocamos algumas peças e temos um banco sob um comando claro, técnico. E quando esse comando técnico vem e diz o seguinte, “não é expertise da Caixa investir, deixa para o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], para os bancos privados”, nós seguimos essa recomendação. Tanto que o banco tinha R$ 8,5 bilhões em ações da Petrobras, o que não fazia sentido. Vendemos. Por que o maior banco do Brasil em número de clientes tem que ter 10% do seu patrimônio líquido em ações na Petrobras? Se não tivéssemos vendido, teríamos perdido R$ 5 bilhões. Além disso, reduzimos a carteira de crédito para grandes empresas, vendemos títulos de longo prazo. Sem essa providência, também perderíamos dinheiro. Então, essa correção, junto com a mudança na gestão, adotando-se o critério técnico, fez o auditor declarar: “Agora eu assino”. Não é correto que uma empresa do tamanho da Caixa fique três ou quatro anos com balanço sem auditoria. Isso é muito grave.

O ministro Paulo Guedes já defendeu a privatização do Banco do Brasil e, num governo que se diz liberal, é pertinente considerar a privatização da Caixa. O senhor acha que faz sentido?

Essa é uma questão que não está em discussão. O presidente [da República, Jair Bolsonaro] já falou. E o ministro [Paulo Guedes] percebe, e já falou também, que precisamos ter no Estado uma instituição que gerencie esse apoio social. E não tem nenhuma instituição mais capacitada para fazer isso do que a Caixa. O banco deu demonstrações disso na gestão do auxílio emergencial. Essa é uma discussão que não existe.

2 comentários
  1. Eric Kuhne
    Eric Kuhne

    Ótima entrevista. Sem marketing, mostrando serviço por ações e atitudes, a CEF e seus gestores estão de parabéns. Só não empurre aos pobres serviços que não precisam, como cartão de crédito e seguros, pois são caros e induzem a gastarem o que não têm

  2. Teresa Lampoglia
    Teresa Lampoglia

    Parabéns, Pedro Guimarães. Já era tempo de um governo cuidar de verdade dos menos favorecidos.

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