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Edição 142

Muitos agricultores, uma só agricultura

Novas tecnologias e incorporação constante de inovações na gestão e no monitoramento da agropecuária brasileira ampliam sua capacidade virtuosa de gerar e distribuir renda

Evaristo de Miranda
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“Todos sejam um.”
João 17,21

Para 2023, o cenário da agropecuária brasileira é muito bom, se divisões artificiais não tentarem contrapor agricultores a agricultores, campo e cidades, ministério contra ministério. Em 6 de dezembro, comemorou-se o Dia Nacional do Extensionista e da extensão rural. O poder público busca levar aos produtores, através da extensão rural, novos conhecimentos sobre agricultura, pecuária e até economia doméstica. É diferente realizar essa missão entre produtores tecnificados do Sul, com agricultores pobres no semiárido ou para meio milhão de famílias assentadas em mais de 2,3 mil projetos de reforma agrária na Amazônia.

A extensão rural surgiu no início do século passado em alguns Estados, como Minas Gerais e São Paulo. Organizados em escala nacional nos anos 1950, os serviços de assistência técnica e extensão rural (ATER) passaram por transformações institucionais e operacionais nas últimas décadas. E elas seguirão, com mudanças na agropecuária e nos governos. É natural.

O objetivo da extensão rural sempre foi o mesmo: ampliar a produção agropecuária, pela melhoria da produtividade, elevando a renda e o nível de vida do homem do campo. Em todos os contextos agrícolas, agrários e rurais, a extensão busca aumentar a independência dos produtores e reduzir sua suscetibilidade a fatores externos climáticos, sanitários, mercadológicos etc.

Inovações tecnológicas na agricultura | Foto: Shutterstock

Esse serviço público sempre foi diversificado em função das cadeias produtivas, de seus dinamismos e das realidades agrárias do Brasil. São mais de 8 milhões de estabelecimentos agropecuários e imóveis rurais. Só no bioma Amazônia são mais de 1 milhão. Todos compõem, como num mosaico, um só rosto, o retrato orgânico do mundo rural brasileiro.

Quem coordena esse processo é a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, a Anater. Em sua missão, a Anater, além dos quadros estaduais e federais, também contrata vários serviços de assistência técnica com empresas privadas. Extensão rural e assistência técnica são inseparáveis e inconfundíveis.

A extensão rural se dirige a um grande público de agricultores e trata de uma ampla temática produtiva, social e econômica. Ela capacita o produtor a otimizar o uso de seus recursos e progredir. O associativismo e o cooperativismo são promovidos para dar escala às compras dos pequenos e médios produtores e às vendas. Há muito por fazer no pós-porteira, no apoio aos pequenos agricultores na comercialização da produção. E distribuição, com novas rotas para inserir melhor seus alimentos em mercados (e supermercados) urbanos, aproximando campo e cidade.

Já a assistência técnica é mais individualizada, específica e menos coletiva, em cada cadeia produtiva. Ela trabalha com inovações tecnológicas e ajuda o produtor a resolver problemas imediatos ou pontuais. Ações coletivas de assistência técnica ocorrem em situações como: luta contra erosão, gestão de bacias, diversificação da produção ou combate coordenado a pragas e vetores. Cada vez mais empresas privadas, fornecedores de insumos e serviços de comercialização, prestam assistência técnica, como a Associação Nacional de Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav).

Fazendeiro manuseia dispositivo com sensor de solo para gerenciar a água, a qualidade do solo e monitorar o tempo | Foto: Shutterstock

A Anater apoia produtores em temas como: crédito, cadastro de terras e regularização fundiária; capacita extensionistas, monitora prestadores de serviços de Ater; conduz ações para diversificar culturas em regiões de tabaco; promove agricultura orgânica, pequenas agroindústrias e compras de alimentos de pequenos agricultores, além de coordenar programas como Produzir Brasil, Agronordeste, Brasil Mais Cooperativa e outros.

A agropecuária evoluiu, e o país é um produtor competitivo de alimentos. E cresce como grande fornecedor de alimentos seguros e de qualidade ao mundo. O crescimento da produção de grãos prosseguirá. Em 2023, a previsão para a safra de soja é de 150 milhões de toneladas, um aumento de até 20%, com mais produtividade e maior área plantada.

Ao contrário do imaginado por alguns, várias tecnologias na soja começaram praticadas por pequenos agricultores e só depois foram adotadas por grandes, como no caso do plantio direto na palha

Para o milho, a previsão é de 126 milhões de toneladas, um crescimento de 10%. O Brasil é 2,5% da população mundial e produz 10% do milho no planeta. Com o restante dos grãos (arroz, feijão, trigo…), o país ultrapassará 300 milhões de toneladas. Recorde histórico. Ainda muito abaixo da produção anual de meio bilhão de toneladas de grãos dos EUA: 380 milhões de milho (32% do milho do planeta) e 125 milhões de soja, em uma única safra.

Novas tecnologias e incorporação constante de inovações na gestão e no monitoramento da agropecuária brasileira ampliam sua capacidade virtuosa de gerar e distribuir renda: mais empregos, mais qualificados, melhores salários e por aí vai. A pujança do agronegócio se reflete em indicadores sociais e econômicos positivos de municípios e agrocidades no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O mesmo ocorre em regiões do Nordeste no oeste da Bahia, sul do Maranhão e Piauí. E com a agricultura irrigada no Vale do São Francisco. É necessário prosseguir e fortalecer a Ater pública e privada em bases tecnológicas e operacionais. E não apenas ideológicas.

Colheita de milho em fazenda no Brasil | Foto: Shutterstock

Em 2023, o céu talvez não será dos mais favoráveis aos produtores. Ameaças surgem no horizonte, vindas de visões anacrônicas, de fora do mundo rural. A agricultura é uma só. Inimigos da agropecuária eficiente, rentável e sustentável apresentam, por exemplo, produtores de soja como latifundiários a serem tributados e até eliminados. São narrativas distantes da verdade.

A realidade da soja é outra: o Censo Agropecuário do IBGE, em 2017, identificou mais de 232 mil produtores de soja. No Rio Grande do Sul são mais de 95 mil, e sua presença é representativa em 18 Estados. Mais de três quartos (75,9%) são pequenos agricultores. Seus sítios e fazendas têm menos de 100 hectares. Os médios, com menos de 500 hectares, reúnem 15,4% dos estabelecimentos agropecuários dedicados à soja. A maioria dos produtores de soja (91,3%) são pequenos e médios agricultores, boa parte organizados em associações e cooperativas e garantem quase 40% da produção nacional.

O mundo rural é cooperativo. Troca informações e recursos. Produtores aprendem e são ajudados por produtores. Os menos tecnificados com os mais avançados. A Embrapa Soja, há décadas, gera tecnologias para todos os produtores, indistintamente. Ao contrário do imaginado por alguns, várias tecnologias na soja começaram praticadas por pequenos agricultores e só depois foram adotadas por grandes, como no caso do plantio direto na palha.

Com essa técnica, a soja é plantada diretamente após a colheita do milho, por exemplo, sem arar a terra. Economiza tempo e combustível, protege a terra da erosão, favorece a matéria orgânica e a vida nos solos. Bom para o meio ambiente. Existe mais de uma dezena de formas de plantio direto e sistemas integrados. São quase 40 milhões de hectares cultivados sem arar a terra.

Trabalhador agrícola colhendo soja orgânica | Foto: Shutterstock

Os herbicidas utilizados pelos produtores de soja, pequenos ou grandes, são os mesmos. As sementes selecionadas e transgênicas também. Igual no uso da fixação simbiótica de nitrogênio. Com o tamanho das propriedades mudam, sobretudo, a gestão, o maquinário e seu nível de sofisticação computacional e de uso da agricultura de precisão.

Da soja colhida, 49 milhões de toneladas são industrializados no Brasil e dão origem a produtos alimentares, farmacêuticos e de uso industrial. Um dos principais é a ração animal. Grande parte é destinada a pequenos e médios produtores de ovos, leite, peixes, suínos e frangos. Eles dependem da soja produzida por grandes (mais de 60%) e pequenos.

Para a Conab, em 2023, os abates de frangos e suínos crescerão 3,2% e 6,7%, e a produção de carne bovina 2,9%. Como, se não há perspectiva de aumento no consumo da carne de frango com o mercado interno saturado? E mais, ainda haverá a maior oferta de carne bovina, por conta do ciclo da pecuária. Quem garantirá o crescimento do setor serão as exportações, dada a competitividade da avicultura nacional. Isso se nenhum problema sanitário, como a gripe aviária, chegar por aqui. A exportação de carne suína crescerá, sobretudo com demandas adicionais da China, se a covid e outros tumultos chineses não perturbarem o mercado em escala nunca vista.

Fazenda de aves no Brasil | Foto: Shutterstock

A organicidade e a integração são cada vez maiores na agricultura. O ganho está em somar, não em dividir. Em associar, não em opor pequenos e grandes produtores. Vários ministérios podem cuidar da agricultura, mas o diálogo e a cooperação entre eles são essenciais. Não se deveriam criar, nem sustentar, mais intermediários e sumidouros de recursos entre governo e produtor.

O crescimento da renda no campo resulta da adoção de inovações tecnológicas por todas as categorias de produtores! Há muito por avançar. Assistência técnica e extensão rural têm e terão um papel relevante no desenvolvimento sustentável. No mundo rural, a luta principal não é de classes, e sim contra pragas, doenças, pobreza, incertezas climáticas, tributárias e jurídicas. Já de bom tamanho.

Leia também “É tempo de caju e de persistir”

11 comentários
  1. Anelise Marques
    Anelise Marques

    Sensacional este artigo. É no cooperativismo e na tecnologia que podemos ver a reforma agrária que dá certo. O resto é só politicagem. Obrigada.

  2. Francisco Albuquerque
    Francisco Albuquerque

    Ao ler a aula de hoje do Prof Evaristo e levando em conta os comentário, emitidos, veio-me à mente a próxima mudança no Ministério da Agricultura. Toda criatura que se interessa pelo agronegócio, com certeza, vale-se do conhecimento, experiência e valiosas orientações por ele transmitidas em seus livros, artigos e palestras. Seria de bom alvitre que o indicado procurasse nosso mestre para trocas de ideias, visando a estruturação de um plano de governo que atenda o nosso punjante agronegócio.

  3. José Menezes
    José Menezes

    Mais um excelente artigo do Prof. Evaristo. Ressaltando a importância da Assistência Técnica e Extensão Rural no desenvolvimento da nossa agricultura e embasado em dados irrefutáveis, o Prof. Evaristo traça um quadro bem delineado e chega à clara conclusão da existência de uma só Agricultura e muitos agricultores. Porém mais importante ainda, dá um brado de alerta do risco que a troca de governo trará se tentar implementar o divisionismo.

  4. Gustavo Amaral
    Gustavo Amaral

    Aí da me surpreende a capacidade do Dr. Evaristo de transformar números em informações! Este artigo descortina diversos pontos anteriormente obscuros para ações futuras norteadoras de políticas públicas e privadas! Uma aula. Oremos para ser lido, relido e absorvido pelos tomadores de decisões.

  5. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    Tempos “bicudos”, muita incerteza e muito medo.
    Em tao pouco tempo houve uma melhora tão grande do agro brasileiro que é dolorido pensar que um novo governo possa retroceder e estragar tudo. Nao vamos abandonar o Brasil. Evaristo nos ajude dando munição com seus conhecimentos para que possamos discernir entre o certo e o errado e cada um no seu quadrado disseminar informações verdadeiras.

  6. Flavio Pascoa Teles De Menezes
    Flavio Pascoa Teles De Menezes

    No dia em que o governo brasileiro criar o Ministério do Bom Senso, tenho como certo que o Ministro será o Professor Evaristo de Miranda!
    Enquanto essa dádiva divina não nos alcança, contentemo-nos com sua pregação incansável da boa lógica, do conhecimento científico e da sabedoria política. Como ele define neste artigo, não há senão uma agricultura. Quem diz o contrário quer dividir os agricultores para reinar sobre eles.

  7. RONALD CHRISTIAN ALVES BICCA
    RONALD CHRISTIAN ALVES BICCA

    Excelente artigo do Dr Evaristo. Sempre com algo relevante para descortinar e trazer a público. Muito boa a distinção de extensão rural e reforma agrária.

  8. RONALD CHRISTIAN ALVES BICCA
    RONALD CHRISTIAN ALVES BICCA

    Excelente artigo. Dr Evaristo sempre com algo relevante para descortinar e trazer a público. Muito boa a distinção de extensão rural e reforma agrária.

  9. José Gilberto Jardine
    José Gilberto Jardine

    A extensão rural e assistência técnica leva aos agricultores a tecnologia desenvolvida nas instituições de pesquisas como a Embrapa. A união da pesquisa com a extensão faz com que o agricultor vença sempre sem necessidade de prorrogação. Parabéns Evaristo, excelente reportagem.

  10. Ana Vaz
    Ana Vaz

    Extensão rural no Brasil: atividade relevante, diferenciada e que traz muito resultado positivo aos agricultores. Por tantas vezes, pouco reconhecida pela sociedade. Parabéns, Evaristo, por abordar o tema!

  11. Letícia Mammana
    Letícia Mammana

    Mais uma aula do Dr. Evaristo sobre agricultura, extensão rural e assistência técnica. O artigo aponta as perspectivas de mais crescimento do agro brasileiro, graças a adoção de inovações e tecnologias em 2023. E demonstra como a agricultura é uma só e denuncia os erros daqueles que querem dividir produtor contra produtor, brasileiro contra brasileiro e até ministério contra ministério para ganhar recursos, cargos, poder e faturar com o dinheiro público e alheio, prejudicando quem trabalha. E diante dessas ameaças e preocupações natalinas, sobram vaquinhas de presépio.

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