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Foto: Divulgação
Edição 142

‘O agronegócio pode unir os brasileiros’

Ex-CEO da John Deere no Brasil, Paulo Herrmann conversou com Oeste sobre os desafios para tornar a agropecuária do país ainda mais produtiva

artur piva
Artur Piva
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Paulo Herrmann nasceu imerso na agropecuária. Filho de pequenos agricultores, cresceu numa fazenda no interior do Rio Grande do Sul e construiu uma carreira que o levou ao topo do agronegócio mundial. Formado em engenharia agrícola pela Universidade Federal de Pelotas, chegou a CEO da John Deere no Brasil — onde trabalhou por praticamente uma década. A empresa é uma das maiores e mais tradicionais fabricantes globais de tratores e colheitadeiras.

Aos 68 anos de idade, Herrmann dedica-se atualmente à consultoria e atua como conselheiro de empresas públicas e privadas. Em sua opinião, a produção do agronegócio brasileiro, apesar de expressiva, ainda pode crescer muito mesmo sem a abertura de novas áreas de cultivo.

Entre as medidas que o Brasil precisa adotar para gerar um novo boom produtivo, estão a otimização de parte das terras dedicadas à pecuária extensiva (que pode ceder “30 milhões de hectares à agricultura sem comprometer a produção de carne”), ampliação da conectividade no campo (sem a qual os equipamentos se tornam “enfeites de máquinas”) e melhor aproveitamento da água. De acordo com o executivo, o manejo adequado dos recursos hídricos com técnicas como a irrigação pode dar ao Brasil uma nova safra extra por ano.

Paulo Herrmann | Foto: Divulgação/Linkedin

Além disso, Herrmann afirma que as produções urbanas e rurais se complementam e são irmãs siamesas: “As fábricas dos tratores e as companhias farmacêuticas que fazem as fórmulas veterinárias para o uso no campo estão nas cidades. Está faltando elegância no Brasil, perdemos a característica calorosa típica de um povo amigável. Precisamos reconquistar isso, e o agronegócio pode ser um agente nesse processo de nos unir novamente”. Oeste conversou com Herrmann sobre os desafios que o agronegócio brasileiro precisa superar para se tornar ainda mais eficiente.

Confira os principais trechos da entrevista.

Quais os fatores-chave que impulsionam a agricultura brasileira?

Temos cinco fatores para a produção agrícola brasileira. O sol, fundamental para que a planta consiga se alimentar. Muita terra para expansão, que pode ser cedida pela agropecuária extensiva. Água: além de chuva em boa quantidade, estamos em cima dos dois maiores aquíferos do mundo, o Guarani e o da Amazônia. Temos tecnologia tropical, desenvolvida graças à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) — e não por um golpe de sorte. E contamos com gente corajosa, capaz de enfrentar adversidades como a falta de infraestrutura e se embrenhar pelo Brasil adentro.

Desses fatores, qual é aproveitado com menos eficiência?

Existe uma assimetria no sistema produtivo. Estamos sobre os maiores aquíferos do mundo, temos de aproveitá-los melhor nas lavouras. A agricultura brasileira usa adubos, defensivos e máquinas de última geração. Tudo o que a Alemanha e os Estados Unidos têm nesses setores, o Brasil também tem. Mas, quando falamos de água, dependemos de São Pedro, da chuva. Precisamos tratar a água com o mesmo rigor tecnológico com que tratamos os outros recursos. O país tem chuva em boa quantidade: em torno de 1,7 mil litros por metro quadrado por ano. Ocorre que esse recurso acaba concentrado em certos períodos. No Centro-Oeste, por exemplo, a chuva se torna muito rara a partir de maio ou junho, retornando apenas por volta de outubro ou novembro. Isso gera um período ocioso em que não produzimos apenas por dependermos da água. Deixamos de produzir uma safra extra por essa razão. Poderemos colher mais feijão, por exemplo, e ainda diminuir a pressão pela abertura de novas áreas se colocarmos a água de modo artificial na planta, com tecnologias de irrigação.

“O Brasil, desde a década de 1970, investe em agricultura tropical e conseguiu transformar o solo pobre do cerrado na nova fronteira agrícola do planeta”

Que caminho seguir para aproveitar o potencial hídrico do país?

Defendo a flexibilização da burocracia que existe atualmente acerca das outorgas para o uso da água. Tirar a ideologia que foi colocada nessa questão. Há um entendimento errado de que a agricultura retira água do consumo humano. O processo não é esse. A planta transforma parte da água em alimento e a devolve para nós. O que sobra volta por meio do lençol freático ou, na forma de vapor, pela transpiração da planta. Não existe perda. Esse processo precisa ser mais bem explicado para a sociedade. A comunicação é um ponto importante que tem de começar na escola, para que a criança entenda esse ciclo. É um recurso escasso. Porém, o uso racional dele é um direito. O Rio Grande do Sul perdeu duas safras em um espaço de três anos por falta de chuva. O prejuízo foi de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões em termos de receita não gerada. Qual setor econômico pode se dar ao luxo de perder tudo isso por não aproveitar um recurso que está disponível?

De 2012 a 2021, o senhor foi CEO da John Deere no Brasil. A empresa tem diversos projetos de integração digital na agricultura. O país está preparado para esse tipo de inovação?

O problema para o uso de tecnologias mais avançadas no Brasil não está na questão da mão de obra. É impressionante como o brasileiro aprende rápido, mesmo no caso dos analfabetos. Além disso, essas ferramentas são bastante intuitivas. A grande carência é por conectividade. Essa falta se equipara a ter uma casa cheia de eletrodomésticos — como geladeira, televisão e refrigerador de ar —, mas sem eletricidade. Nada funciona. Numa máquina agrícola nova, você tem todos os sensores e a inteligência artificial embarcada para que o equipamento aprenda sozinho. Todo o acervo de dados gerados, entretanto, não pode ser transferido em tempo real para ser processado por falta de conectividade. Nessas condições, essas ferramentas acabam virando enfeite de máquina. Ou seja: o grande desafio é acelerar a cobertura digital no campo para podermos utilizar adequadamente a tecnologia que está disponível.

Alta tecnologia no campo | Foto: Divulgação

A mão de obra menos qualificada necessita de algum incentivo?

Para esse tipo de mão de obra existe outro grande desafio: mantê-la. Nas regiões de fronteira, os empregadores importam trabalhadores para suprir a demanda interna. O campo precisa de mais estruturas de retenção e desenvolvimento dos funcionários. Fazer com que eles se engajem mais na propriedade, em vez de pular de uma fazenda para outra por pequenas diferenças salariais. O sistema de extensão rural no Brasil, criado para promover a qualificação, está praticamente inoperante.

Os profissionais formados pelas universidades brasileiras estão em linha com as necessidades do mercado?

As empresas transferiram rapidamente muita tecnologia para o Brasil. Estamos no mesmo nível dos europeus e dos norte-americanos nesse quesito, mas nossa academia não avançou na mesma velocidade. O profissional chega ao mercado depois de passar por uma grade curricular criada nas décadas de 1980 e 1990. Assim, existe um descompasso entre as ferramentas disponíveis e a qualificação. Por isso que as empresas e os proprietários precisam, muitas vezes, investir um ou dois anos para adequar o recém-formado depois de contratá-lo para uma atividade.

A que o senhor atribui essa falta de sintonia entre a iniciativa privada e as universidades?

A academia e a iniciativa privada ainda precisam aprender a trabalhar com sinergia no Brasil. Um lado não entende direito o que o outro está fazendo. É diferente do que acontece em países como os Estados Unidos. Por lá, existe quase uma simbiose entre os dois setores. Há ganho mútuo entre as duas partes. As universidades se beneficiam do avanço tecnológico que as empresas conduzem, somando forças. Em minha carreira, sempre trabalhei com a visão de formar profissionais, colocar tecnologia no mercado e auxiliar as universidades, que muitas vezes carecem de recursos, com atualizações.

O Brasil desenvolve tecnologia de ponta quando o assunto é a criação de plantas mais adequadas. Ao mesmo tempo, isso não acontece com relação ao maquinário empregado. Qual o motivo?

Na mecanização, o agronegócio brasileiro se beneficia da agricultura norte-americana. Os processos são muito parecidos. Os dois países plantam soja, milho e algodão. A diferença está nas condições de uso das máquinas. Um trator trabalha no inverno nos EUA a menos 30 graus Celsius de temperatura ambiente. No Brasil, em contrapartida, ele trabalha sob o calor de 40 graus Celsius. De modo geral, é feita a tropicalização da tecnologia. Não precisamos reinventar a roda, temos apenas de adaptá-la às nossas necessidades. Por exemplo, um pulverizador é usado 800 horas por ano nos EUA, quando muito. No Brasil, a média para esse mesmo equipamento é de até 4 mil horas ano. Assim, faz-se o redimensionamento de alguns componentes para torná-lo mais resistente para o uso intensivo, respeitando as condições ambientes locais.

O que faz as máquinas serem usadas por mais horas no Brasil?

Por causa da neve e do frio, um agricultor do Hemisfério Norte consegue ter somente uma safra por ano no mesmo terreno. Eles plantam soja, trigo e algodão. Mas é um ou outro no mesmo ano, na mesma área. Na maior parte do Brasil central, é possível fazer dois plantios por ano no mesmo terreno. Essa vantagem gera algumas distorções. Por exemplo, é possível que o Brasil seja um dos maiores aplicadores de defensivos agrícolas do mundo, quando a comparação é feita com relação ao volume total aplicado por nação. Temos dimensão continental e produzimos duas safras por ano no mesmo terreno. Então precisamos defender a planta duas vezes. Porém, quando a relação é do volume utilizado pela quantidade de toneladas de alimento produzida, a história é outra. Temos um rendimento melhor que o de outros países.

A demanda do mundo por alimentos do Brasil vai seguir aumentando e elevando a importância do país nos próximos anos?

O mundo tem por volta de 8 bilhões de habitantes e deve chegar próximo a 10 bilhões até 2050. É preciso alimentar essa população, e o aumento da produção virá dos trópicos. Austrália e Oceania estão nessa faixa do globo e possuem tecnologia para a produção, mas estão secando. A África tem áreas parecidas com o Centro-Oeste brasileiro, porém, ainda possui desafios para produzir. O Brasil, desde a década de 1970, investe em agricultura tropical e conseguiu transformar o solo pobre do cerrado na nova fronteira agrícola do planeta. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos espera que a produção brasileira de alimentos cresça 50% nos próximos dez anos. E o país consegue atender a essa demanda sem ampliar a quantidade de terra disponível para agricultura e sem mexer na produtividade média — hoje calculada em cerca de 4 toneladas por hectare. Um dos impulsos virá com o melhor aproveitamento de parte das terras que hoje são destinadas à pecuária extensiva. Sem diminuir o volume produzido, esse setor pode ceder para a agricultura 30 milhões dos cerca de 150 milhões de hectares que ocupa. Com essa extensão extra, conseguiríamos saltar dos cerca de 270 milhões de toneladas de grãos produzidas em 2022 para algo em torno de 400 milhões de toneladas de grãos por ano, sem diminuir a produção de carne bovina.

Leia também “Allan dos Santos: ‘A imprensa brasileira se tornou cúmplice da tirania'”

3 comentários
  1. PAULO JOSE FERNANDES CAIRRAO
    PAULO JOSE FERNANDES CAIRRAO

    O AGRO pode salvar o Brasil deste momento nefasto , caso contrario, se forem cumplices, serão devorados como em todas as gestões de esquerda. A escolha é fácil, mas requer coragem. Enfim, triste fim!

  2. MARIO PEDRO FONTANELLA
    MARIO PEDRO FONTANELLA

    Perfeita análise, não é à toa, que querem criminalizar o setor, pois é uma potência mundial.

  3. Edson miers
    Edson miers

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