As duas principais funções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são fiscalizar as eleições e declarar o vencedor. Certo? Errado. Durante o primeiro turno da disputa deste ano, a Corte decidiu ampliar os próprios poderes e passou a determinar também o que era verdade ou não na internet. Mesmo depois do segundo turno — quando, teoricamente, o trabalho do TSE seria ainda menos necessário — Alexandre de Moraes, presidente do tribunal, censurou parlamentares ligados a Bolsonaro, entre eles os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG), Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF) e ameaça prender quem se opuser às medidas do Poder Judiciário.
Agora, o TSE decidiu regular até o que as pessoas falam no dia a dia: lançou uma “cartilha antirracista”, que recomenda “banir do vocabulário brasileiro” 40 palavras ou expressões consideradas preconceituosas pelos integrantes da Corte Eleitoral. No documento, entre outros termos, aparecem “esclarecer”, “escravo”, “meia-tigela” e “nega maluca”. O texto sugere, ainda, excluir o termo “feito nas coxas”. Divulgado durante o encontro Democracia e Consciência, o manual apresenta mais hipóteses que fatos para justificar a censura aos termos escolhidos. Produzido pela “Comissão de Igualdade Racial” do TSE, criada em abril deste ano, o conteúdo é dúbio e bastante impreciso.
Para o TSE, a palavra “esclarecer é racista, a partir do instante em que transmite a ideia de que a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude, mantendo no campo da dúvida e do desconhecimento as coisas negras”. O significado original de esclarecer é a oposição à ausência de luz, que gera dificuldade para enxergar. Ao defender a exclusão da palavra “mulata”, por exemplo, o TSE afirmou que, “ainda que a expressão não possua uma origem notadamente racista, como defendem alguns, os usos e os sentidos que lhe foram empregados acabam por impregná-la desse significado. Desse modo, merece ser abandonada”. A definição tradicional da palavra mulata é “mulher mestiça das etnias branca e negra”.
No caso de “meia-tigela”, o TSE apresentou três possíveis explicações contraditórias para a origem da palavra. Mesmo assim, determinou: “Embora não haja consenso acerca das origens, a possibilidade de serem compreendidas como memória da escravidão é justificativa suficiente para que as expressões sejam substituídas por outras”. Também a expressão “mercado negro” foi censurada. “O emprego do adjetivo ‘negro’ na expressão tem o objetivo de sublinhar o caráter ilícito daquela realidade”, observou o TSE. “O negro, nessa construção, é associado ao tráfico de crianças, drogas e armas, ao comércio de produtos contrabandeados.”
No Instagram, a professora de língua portuguesa Cíntia Chagas criticou o caso. “Querem denegrir a língua portuguesa”, provocou. “Imbuídos de etimologias falsas, de etimologias de meia-tigela, os inquisidores da linguagem infringem, em branca nuvem, conceitos de dicionários, usos consagrados e tradições, criando um mercado negro vocabular”. Adiante, ela interpela: “O que mais terá de ser feito para que esclareçamos a verdade aos incautos, aos ingênuos, aos desavisados?”. “O medo de virar ovelha negra faz com que estes aceitem explicações vexaminosas, sem um pestanejo sequer”, observou Cíntia.
Novilíngua
O absurdo descrito anteriormente é só a ponta do iceberg. A contaminação da língua pelo identitarismo ocorre silenciosamente há décadas, porém, ficou mais evidente agora. Há pouco tempo, quem procurasse pela palavra “feminino” no Dicionário Merriam-Webster, o mais antigo dos Estados Unidos, leria a seguinte definição: “De, relacionado a ou sendo o sexo que dá à luz ou produz ovos”. Agora, o significado mudou para: “De, relacionado ou sendo o sexo que normalmente tem a capacidade de gerar filhos ou produzir ovos”.
Masculino também ganhou um novo sentido bem parecido ao de feminino: “De, relacionado a ou sendo o sexo que normalmente tem a capacidade de produzir gametas relativamente pequenos, geralmente móveis, que fertilizam os ovos de uma fêmea”. As duas palavras ganharam ainda verbetes adicionais. Masculino pode ser aquele que “tem uma identidade de gênero oposta à feminina”, enquanto feminino pode ser alguém cuja identidade de gênero se opõe à masculina.
As mudanças começaram em 2020, quando o movimento LGBT+ acusou o Webster de preconceito. Meses antes, o dicionário sofrera uma pressão do movimento Black Lives Matter. Na esteira da morte do ex-segurança George Floyd, uma revolta “contra tudo e todos” deu o tom das manifestações ao redor do país. Os extremistas não pouparam o Webster. O dicionário foi acusado de ser racista em razão do “significado errado e insuficiente” dessa palavra no verbete: “Uma crença de que a raça é o principal determinante das características e das capacidades humanas e que as diferenças raciais produzem uma superioridade inerente a uma determinada raça”.
O Webster curvou-se à tirania e acrescentou um novo tópico para “racismo”, também agora “um sistema político ou social fundado no racismo e projetado para executar seus princípios”. Em exemplos usados no verbete, a palavra contém elementos que a associam a pessoas brancas e a um suposto racismo estrutural — a teoria sustenta que existem sociedades baseadas em uma discriminação enraizada que privilegia brancos em vez de negros. Não foi o bastante para agradar à esquerda raivosa.
O dicionário britânico Cambridge atualizou suas definições de “homem” e “mulher”, para incluir pessoas cuja identidade de gênero não corresponde ao seu sexo biológico
Rezando pela cartilha do politicamente correto, também o Dicionário Oxford surfou na onda da lacração e, em novembro daquele ano, fez alterações do verbete de “mulher”. “Ampliamos a cobertura no dicionário de ‘mulher’ com mais exemplos e frases que as retratam de maneira positiva e ativa”, informou a Universidade de Oxford. “Garantimos que sinônimos ou sentidos ofensivos sejam claramente rotulados como tal e incluídos apenas onde temos evidências de uso no mundo real.”
A Oxford comunicou que frases como “mulher do momento” foram adicionadas, para igualar-se ao velho ditado “homem do momento”. E uma das definições de “mulher” agora refere-se à “esposa, namorada ou amante de uma pessoa”, em vez de estar ligada apenas a um homem. Além disso, a definição de “homem” foi atualizada, para incluir termos de “gênero neutro” a preferências de “atratividade ou atividade sexual” para “todos os gêneros” que existem.
Até a versão brasileira do Michaelis solidarizou-se com as minorias. Desde 2015, o dicionário trata casamento como: “1) Ato solene de união entre duas pessoas; casório, matrimônio; 2) Cerimônia que celebra vínculo conjugal; matrimônio; 3) União de um casal, legitimada pela autoridade eclesiástica e/ou civil; matrimônio”. Anteriormente, o significado da palavra era: “União legítima entre homem e mulher, para constituir uma família”. Uma petição na internet de um casal gay, porém, ganhou visibilidade e fez com que o Michaelis alterasse o sentido original da palavra.
“Madrasta” pode ser a próxima vítima. No Google, uma campanha propõe mudar o sentido da palavra supostamente associada ao “mal”. Mariana Carmadelli, madrasta de dois adolescentes e líder de um grupo de “40 mil madrastas”, está pedindo à plataforma de buscas e à Melhoramentos (editora do Michaelis) que acabem com o “sentido figurado da palavra”, cujo som remeteria a uma “mulher má”. Pior: em julho deste ano, o Google e a Melhoramentos acenaram para isso. Internautas ironizaram as sugestões de “madrasta” para “boadrasta”.
Na semana passada, dicionário britânico Cambridge atualizou suas definições de “homem” e “mulher”, para incluir pessoas cuja identidade de gênero não corresponde ao seu sexo biológico. Tanto na definição de “homem” quanto na de “mulher”, o dicionário escreveu que se trata de “um adulto que vive e se identifica como homem ou mulher, embora se possa dizer que eles têm um sexo diferente no nascimento”. A publicação usa o pronome eles (they), um “pronome neutro” em inglês, para se referir a pessoas transexuais.
A professora de português Lara Brenner critica as mudanças. “Alterando-se artificialmente o significado palavras, como ‘feminino’ e ‘masculino’, impõe-se um novo debate, longe do imaginário das pessoas comuns: se a palavra ‘feminino’ não mais se relaciona à figura da mulher (outrora tão bem compreendida intuitivamente), então ela se relaciona a quê?”, interpelou a especialista. “É uma verdadeira tortura das palavras: torturam-nas com o desejo de que a narrativa de um determinado grupo se sobreponha à realidade.”
Para além dos verbetes
Considerado por muitos meios de comunicação dos EUA como “uma bíblia” para uso gramatical e em redações, o manual da agência de notícias Associated Press (AP) passou a agradar ao público LGBT, com termos da ideologia de gênero. Os jornalistas que trabalham na empresa têm de evitar termos como “sexo biológico”, “hormônios masculinos ou femininos” e “mudança de sexo”. Eles devem ser substituídos por “sexo atribuído no nascimento”, nomes específicos dos hormônios e “transição de gênero”. O guia também considera certas palavras como “insultos”, como usar o nome anterior de uma pessoa que “mudou de sexo”.
A agência dedicou ainda uma seção inteira aos esportes, orientando os repórteres para não cometerem “erros ou sugerirem dúvidas sobre mulheres trans” que competem na categoria feminina. O guia proíbe os escritores de usar a frase “ex-nadador masculino”. Também orienta a dizer que os jogadores transgêneros “estão proibidos de jogar em equipes de acordo com seu gênero”, e não que homens que se identificam como mulher foram proibidos de participar de competições femininas.
Recomendações bizarras vão além dos dicionários e dos manuais de redação. A Academia de Medicina de Aleitamento Materno dos EUA publicou um novo guia em 2021, para a “inclusão de pessoas trans”. Trata-se de um manual aconselhando hospitais e profissionais de saúde a mudarem termos técnicos tradicionais. Conforme o documento, profissionais da saúde têm de optar pelos termos “leite de pai” e “leite humano”, para se referirem ao “leite materno”. Entre outros termos sugeridos pela associação de aleitamento materno estão “pai gestacional”, em vez de “mãe”, e “pessoa lactante”, em vez de “mãe que amamenta”.
“Father’s milk.”https://t.co/mZ7EuMqo9a pic.twitter.com/rpxuu3UX6k
— Colin Wright (@SwipeWright) July 26, 2022
Até os tradicionais seminários mudaram de nome para agradar à militância politicamente incorreta. Um evento feminista em Jacobina, na Bahia, foi batizado pelas organizadoras de “ovulário”. A explicação, segundo as feministas, é que a palavra seminário vem de “sêmen”. Portanto, mudar para “ovulário” seria uma forma de “lutar contra o preconceito e a discriminação proveniente da sociedade machista e patriarcal”.
“Ovulário” ✊
Pq seminário vem de “sêmen”…Parabéns aes envolvides. pic.twitter.com/jT2RY4WgIk
— Prof. Jessique (@JessicaoLacra) August 5, 2020
1984
Flavio Morgenstern, analista político e escritor, afirma que essas alterações promovidas por movimentos de esquerda, com o apoio da comunidade acadêmica, vão empobrecer a linguagem das pessoas a longo prazo. “As palavras têm muitos significados, e algumas pesam mais que as outras”, constatou o especialista. “Com a exclusão de sentidos, as gerações mais jovens vão acabar glorificando coisas cada vez mais artificiais e distantes da realidade.”
“É tudo bem parecido com o livro 1984: mudam-se os sentidos das palavras, porque, assim, as pessoas as associam a referências de quem está buscando o poder”, explicou Caio Perozzo, especialista em linguagem e professor de literatura do Instituto Borborema, associação cultural com sede em Campina Grande (PB). Segundo o especialista, dessa forma, as pessoas passam a raciocinar, inconscientemente, em um contexto totalmente ideológico.
Na obra 1984, o escritor George Orwell chama de “novilíngua” o vocabulário usado pelas personagens de seu romance distópico. Trata-se de um dialeto que vai se transformando ao longo do tempo, composto de termos que podem ou não ser ditos. Tudo é feito por agentes do partido do Grande Irmão, o antagonista do enredo, cujo objetivo é reescrever a história, influenciar as futuras gerações e perpetuar-se no poder. Na história, é possível identificar uma das estratégias da ditadura: a mudança na linguagem mediante a manipulação do significado das palavras: guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força. Orwell fez uma descrição profética sobre a cartilha do politicamente correto. Qualquer semelhança com a atualidade não pode ser interpretada como mera coincidência.
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E chega a ser inútil mostrarmos essas evidências pra muita gente. Já que concordam/aceitam sem questionar qualquer dado apresentado no Jornal Nacional ou qualquer atitude exibida numa novelas das 9h. Podem começar a normalizar hoje o que a pouco tempo não concordavam. Tendo a bênção do jornalismo e dos autores de novelas, tá tudo consumado. Se essa gente reservasse um tempo do dia pra ler mais, seja noticiário ou ficção notariam muitas coisas. Mas querem tudo mastigado em 1 hora, seja novela ou jornal. Não tem mais tempo de ler noticiário, apenas os textões de Instagram.
1984 mais atual do que nunca.
MISERICÓRDIA SENHOR….ONDE VAMOS PARAR COM TUDO ISSO…….JESUS.
Dicionários deveriam esclarecer e não confundir, que é o que vai acontecer.
Tribunal superior ELEITORAL deveria cuidar de eleições, mas parece que estão confusos, provavelmente por causa dessa novilíngua e decidiram anexar a academia brasileira de letras. Sugiro oferecerem a cadeira número 1 ao Nero brasileiro para que possa reinar absoluto e quem sabe parar de espancar diuturnamente a língua portuguesa.
As estruturas da alienação, são mais complexas do que possamos imaginar.
Podres de mimados.
O TSE que deveria ser “superior eleitoral”, lança uma cartilha de palavras que não devem ser usadas. Independente de analisar o mérito dessa idiotice digna do Guiness, o que o “eleitoral” tem a ver com “comissão de igualdade racial”? Isto virou uma “casa de mãe Joana” (espero que mãe Joana seja branca), cada um faz absolutamente o que lhe der na telha e ninguém se opõe a nada.
Quanta bobagem! Tanta coisa importante pra fazer e ofertar e vem essas insignificantes questões. Qual a diferença entre tijela e meia tijela. A segunda está pela metade só isso. Então não posso mais dar meia tijela de leite pro meu gato? Fala sério! Vá catar coquinho
Já não bastassem as 4,5 milhões de leis existentes no Brasil, ainda estas!