Pular para o conteúdo
publicidade
Adrilles Jorge, escritor e jornalista | Foto: Reprodução
Edição 143

‘O progressismo é uma nova religião mundana’

Adrilles Jorge analisou a volta de Lula à Presidência, criticou a cobertura da imprensa nas eleições deste ano e contou suas experiências com o cancelamento

Edilson Salgueiro
-

“Nasci sob a égide da derrota”, disse, aos risos, o poeta e jornalista Adrilles Jorge. Sua mãe, Izilda Alves, estava grávida de nove meses quando o pai dela, Antônio Reis, deu-lhe a seguinte ordem: “Venha para cá, preciso do seu voto”. Há 48 anos, o patriarca da família disputava a prefeitura da cidade de Campo do Meio, localizada no sul de Minas Gerais. E a mãe de Adrilles, em São Paulo, lutava para dar à luz. “Ela foi”, revelou o jornalista. “Obrigada, mas foi.”

Depois de viajar 365 quilômetros, Izilda chegou a Campo do Meio. Conforme o combinado, votou no pai. “No dia seguinte, meu avô perdeu a eleição”, contou Adrilles. “Nasci assim, perdendo. Mas o verdadeiro poeta vence na derrota.”

A familiaridade com o fracasso, como diz o próprio Adrilles, o tornou mais resistente aos cancelamentos que sofreu nos últimos anos. Primeiro, foi tachado de nazista, depois de dar “tchau” ao fim de um programa da Jovem Pan. Entrou na mira do Judiciário logo depois, por denunciar a existência de um Estado persecutório no Brasil. “É a inversão total da realidade”, afirmou o poeta. “Os integrantes do establishment sabem que sou inocente, mas agem por razões ideológicas. Eles acreditam que estão fazendo isso em nome de uma utopia. Exercem o mal, mas pensam fazer o bem.”

Em entrevista à Revista Oeste, Adrilles analisou a volta de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, criticou a cobertura da imprensa nas eleições deste ano, avaliou a literatura brasileira moderna e contou suas experiências com o cancelamento. A seguir, os principais trechos.

Como o senhor vê a volta de Lula à Presidência?

Isso representa a corrupção da política e das instituições. Lula foi condenado em três instâncias, por dezenas de juízes. Ele é responsável pelo maior esquema de corrupção da história da humanidade. A volta dele mostra o cinismo do establishment, moral e financeiramente corrupto. Também há o cinismo do público, que foi cooptado por ideologias socialistas. Essas ideias admitem que tudo pode ser feito em nome de uma revolução social. É aquela velha história da utopia comunista: você pode roubar, mentir, enganar e matar em nome de um suposto futuro melhor. Infelizmente, muitas pessoas são arregimentadas por discursos fáceis, que prometem auxílios e benesses aos mais pobres. A esquerda é assim: sufoca o empreendedorismo e a classe média, mas dá bolsões aos miseráveis.

Quais fatores contribuíram para a ascensão do presidente Jair Bolsonaro [PL] no cenário político?

Bolsonaro foi um dos sintomas do cansaço manifestado pela população brasileira. O povo cansou dessa esquerda progressista, identitária, que prega a revolução cultural. Essa teoria alterou o eixo dos desfavorecidos: saiu dos proletários e migrou para os negros, para os gays, para as mulheres. A ideologia identitária, que praticamente criminaliza a classe média e a qualifica como fascista, sufocou a força produtiva do país. A censura permanente do conservadorismo teve sua personificação em Bolsonaro.

Bolsonaro e Adrilles Jorge | Foto: Reprodução/Redes Sociais

E por que motivo Bolsonaro não conseguiu ser reeleito?

O establishment corrupto indignou-se com a presença de alguém como Bolsonaro na política. O governo do PT aparelhou até o Judiciário, que está tentando tomar o lugar do Executivo e do Legislativo. Embora possa ter havido casos específicos de corrupção dentro do governo, Bolsonaro não usou a corrupção como política de Estado. Não há denúncias sobre o atual presidente que o criminalizem como governante. Isso provocou ojeriza da mídia, dos meios culturais, dos artistas, dos juízes.

Setores da imprensa contribuíram para a volta de Lula?

O PT não voltaria sem o apoio da imprensa militante. Ela dá salvaguarda ao discurso falacioso de Lula, segundo o qual suas condenações foram injustas. O governo Lula será a mais utópica das ditaduras, porque tem o apoio do Judiciário e deve cooptar o Legislativo. O Executivo está solto, de volta à cena do crime, como diz Geraldo Alckmin [PSB]. A imprensa, que deveria fiscalizar, tornou-se o braço ideológico de um governo corrupto. Teremos uma ditadura de escravos dóceis, e aqueles que se opuserem a esse regime serão presos.

Globo anuncia os veículos que fazem parte do chamado “consócio de imprensa” | Foto: Reprodução/YouTube

A hegemonia cultural de esquerda contribuiu para a volta do petismo?

Não tenha dúvida. A revolução gramsciana, que prega a ocupação de espaço nos meios culturais, está ocorrendo no Brasil desde a ditadura militar. As Forças Armadas entendiam que o poder estava centralizado na política, não nas universidades e nas artes. Embora Bolsonaro tenha sido presidente, ele jamais assumiu o comando. O poder, de fato, é todo o establishment em volta da Presidência da República — sejam os meios culturais, os ambientes artísticos, sejam as universidades, as escolas. Essas instituições são cooptadas pela cultura “progressista”, hegemonicamente de esquerda. Não é à toa que Bolsonaro caiu. Mesmo assim, a derrota para Lula não ultrapassou a margem de 2% dos votos. Bolsonaro tem apoio somente do povo brasileiro. Na posse do presidente eleito, não houve nenhum tipo de manifestação popular. Ninguém comemorou a diplomação de Lula. Paradoxalmente, o candidato derrotado à reeleição arregimenta milhares de pessoas. Lula e Bolsonaro são amplamente rejeitados. Mas o petista é rejeitado pelo que é de fato — corrupto, ladrão, líder do maior esquema de corrupção da História. Bolsonaro, por sua vez, é rejeitado por um tipo de ficção orquestrada: é “genocida”, “fascista”, “ditador”, “racista”, “misógino”. Nenhuma dessas acusações é palpável.

YouTube video

Como reverter esse quadro de dominação cultural esquerdista?

A partir do momento em que há um movimento popular de ojeriza à esquerda, é possível vislumbrar uma reversão desse cenário. Mas a inteligência que orquestra o pensamento “progressista” está inoculada nos centros de difusão cultural. A mudança desse cenário deve demorar décadas. Contudo, o movimento conservador brasileiro pode produzir intelectuais, artistas e poetas talentosos. Eles precisarão furar a bolha do establishment, assumir o lugar daqueles que comandam os meios de produção culturais. Olavo de Carvalho, Otto Lara Resende e Paulo Francis foram precursores nesse aspecto e conseguiram ocupar espaços no debate público.

Olavo de Carvalho | Foto: Reprodução/Twitter

O senhor se considera “de direita”?

Não sou contra a esquerda, sou contra ditaduras de opinião única. Se você me interpelar sobre elementos conservadores, discordarei de metade deles. Contesto, por exemplo, a questão da castidade, da sobrevalorização do casamento e de determinados conceitos religiosos. Contudo, a partir do momento em que percebo que uma ditadura de opinião única está sendo posta goela abaixo da população, naturalmente me revolto. Você passa a ser percebido como radical — algo que nunca fui. Mas a esquerda tem princípios totalitários, ditatoriais. Quer coletivizar opiniões únicas e arregimentar multidões a partir de dogmas. O que considero interessante na direita é seu liberalismo e seu conservadorismo, que, arraigados no princípio do ceticismo, permitem que as pessoas cheguem à verdade por si sós.

“Não sou contra a esquerda, sou contra ditaduras de opinião única. Se você me interpelar sobre elementos conservadores, discordarei de metade deles”

Como o senhor começou a se interessar por cultura?

Há duas respostas para isso: uma bonitinha, outra realista. A bonitinha é: descobrimos a literatura porque queremos compreender o sentido das coisas, entender o sentido das injustiças e das desigualdades. A mais realista é a seguinte: eu era um sujeito cabeçudo, pobre, feio e vesgo. Era rejeitado pelas meninas. Então, percebi desde cedo uma “injustiça” virada diretamente contra mim. Comecei a ler Dostoievski, Kafka, Flaubert, Machado de Assis e Graciliano Ramos, que me impressionaram muito. De maneira atabalhoada, vivia o drama dos personagens dos livros desses autores. A literatura tem esta capacidade: mostrar que você não está sozinho em seu sofrimento. Você desenvolve seu senso de misericórdia, passa a querer ajudar as pessoas que sofrem de alguma forma. Agora, por exemplo, estou ferrado. Fui abandonado por toda sorte de pessoas que olhavam para mim de modo carinhoso. Passaram a ter medo de se aproximar de mim. É uma infelicidade, uma miséria pessoal. Mas há sentido nisso. Posso ser esmigalhado, torturado, preso e censurado. No entanto, é por uma boa causa. A arte e a literatura fazem a gente entender isso. Se eu fosse lindo, de olhos azuis, talvez fosse um sujeito meio burro.

Como o senhor avalia a literatura brasileira moderna?

É péssima. Não há grandes autores. Isso tem a ver não apenas com a decadência sociocultural do Brasil, de uma hegemonia da esquerda, mas também com a famosa “indústria cultural”. A internet, a televisão e as emissoras de rádio entregam aquilo que eles acham que a população quer. O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe, como diz Gilberto Gil. Se você produzir uma grande literatura, uma grande música, as pessoas chegarão até lá. Se não chegar ao povo, chegará às elites. E essas elites podem reverberar a alta cultura para a população. A música brasileira também enfrenta uma crise de valores. Tínhamos Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil e João Gilberto. Hoje, não temos nada. Há apenas uma “elitezinha” vagabunda, que produz música pseudointelectual.

Por que a hegemonia cultural esquerdista e a indústria cultural prejudicam a produção artística?

Essa hegemonia ideológica cerceia, anula a possibilidade de existência dos gênios. O gênio artístico é aquele que toca na ferida. Ele naturalmente traduzirá algum tipo de preconceito e injustiça que estão no imaginário do povo. Hoje, por exemplo, Nelson Rodrigues seria cancelado de todas as formas. Imagine alguém desta época ouvir falar de “submissão feminina”. Quem falar isso, hoje, provavelmente será preso. Se você anula as possibilidades de investigação humana através da arte, você anula a própria existência da arte. A alta cultura existe justamente para mostrar as coisas como as coisas são.

ameaça petista
Ilustração: Shutterstock

O senhor foi alvo de cancelamento. Como foi lidar com essa situação?

Sou bicampeão de cancelamento. A primeira vez ocorreu pelas mãos do establishment cultural, com a história do nazismo. Dei “tchau” no fim de um programa da Jovem Pan e me transformei em nazista. Naquela ocasião, estava justamente falando mal do nazismo. Ali, percebi como o establishment age de maneira sórdida. Fui cancelado por patrocinadores, pela Jovem Pan, pela Folha de S.Paulo, pelo Estado de S. Paulo, pelo O Globo e pela TV Cultura. Esses veículos não apenas não me deram voz, como também alimentaram uma narrativa altamente falaciosa. Por terem uma visão ideológica binária, jornalistas da grande mídia tentaram me massacrar. Fui abandonado por pessoas como Pedro Bial, por exemplo, que era um grande amigo. Ele não disse uma palavra em minha defesa. O silêncio, a omissão e o massacre partiram de todos os lugares. Fui salvo pela população, pelas pessoas. O segundo cancelamento não posso expor muito, porque está em segredo de Justiça. Basicamente, estou sendo perseguido por escrever quatro tuítes sobre o Estado persecutório que existe dentro do Judiciário. Fui indiciado por incitação ao crime. É a inversão total da realidade. Os integrantes do establishment sabem que sou inocente, mas agem por razões ideológicas. Eles acreditam que estão fazendo isso em nome de uma utopia. Exercem o mal, mas pensam fazer o bem. O “progressismo” é uma nova religião mundana.

Leia também “O agronegócio pode unir os brasileiros”

6 comentários
  1. Giovani Santos Quintana
    Giovani Santos Quintana

    Discordo de que o establishment “faz o mal pensando fazer o bem”…está muito claro que eles sabem que estão fazendo muito mal e estão bem a vontade com isso. Até que a multidão faça cessar tudo isso.

  2. MARIA CHRISTINA GARMS
    MARIA CHRISTINA GARMS

    Caro Adrilles,
    Continue firme e fiel aos seus valores e princípios. Nem sempre o reconhecimento vem de imediato, mas o tempo mostra a verdadeira face dos fatos.
    Boa jornada!

  3. Roger Ramjet
    Roger Ramjet

    Adriles só errou ao dizer: “Os integrantes do establishment sabem que sou inocente, mas agem por razões ideológicas. Eles acreditam que estão fazendo isso em nome de uma utopia. Exercem o mal, mas pensam fazer o bem. O “progressismo” é uma nova religião mundana”. Não acredito que esses integrantes que estão perseguindo-o, usando da máquina judiciária, acreditem estar fazendo o bem. Não, essa corja é cínica mesmo. Estão fazendo o mal e sabem o que estão fazendo, agem assim porque se sentem respaldados para cometer suas crueldades, seus crimes, endossados por um movimento que se autointitula virtuoso. Isso é o cúmulo da hipocrisia, do cinismo. Essa corja promove e participa de linchamentos morais, para assassinar seus desafetos, as pessoas que querem destruir. Essa é essência da esquerda, do PT e das ditas “instituições democráticas” de um país que está se tornando uma ditadura.

  4. Jose Carlos Monteiro
    Jose Carlos Monteiro

    Você foi abandonado pela Jovem Pan, que fez pior que isso, nos abandonou a todos no meio da jornada. A única tribuna remanescente é a que estamos

  5. FRANCISCO DA SILVA COSTA
    FRANCISCO DA SILVA COSTA

    Talvez, este seja um momento inspirador para um grande épico.
    Mão à pena, poeta.

    1. Paulo Cesar Silva da fonseca
      Paulo Cesar Silva da fonseca

      Por tudo o dinheiro responde já diz a bíblia compra até consciência.
      Você é mais um injustiçado no meio de milhões de brasileiros feitos de otários por poderosos.

Anterior:
Imagem da Semana: Dia da Unidade Alemã
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 237
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.