Na década de 1950, o cientista político Hélio Jaguaribe usou a expressão “cultura cartorial” para se referir à burocracia que atrasa o crescimento econômico do Brasil. Aos poucos, essa tradição burocrática está ruindo. Segundo levantamento do Instituto Millenium, as cidades que adotaram a Lei de Liberdade Econômica, sancionada em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), registraram um aumento de 40% nas contratações. O estudo, conduzido pelo presidente do Instituto Liberal de São Paulo (ILISP), Marcelo Faria, e pelo advogado Lucas Sampaio, assessor jurídico do ILISP, considerou as informações divulgadas pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Eles analisaram a oferta de empregos de 380 cidades, antes e depois das aprovações das leis e dos decretos sobre liberdade econômica. A alta taxa de empregabilidade sugere que as medidas liberais trouxeram segurança jurídica para os empreendedores e facilitaram o acesso dos brasileiros ao mercado de trabalho.
A Lei de Liberdade Econômica (13.874/2019) tem como objetivo dar autonomia aos pequenos e médios empresários. Um dos principais pontos dessa legislação, por exemplo, é a dispensa de alvará para as atividades de baixo risco. A lista inclui salões de beleza, sapateiros e bares. “Essa facilidade pode encorajar o empreendedorismo, porque os empresários têm medo de abrir uma empresa”, observou Faria, ao lembrar que muitos empreendedores trabalhavam na informalidade. “Agora, as empresas têm mais facilidade para manter seus negócios e contratar funcionários.”
A legislação federal prevê a dispensa de alvará para 300 atividades de baixo risco, mas são as prefeituras que as definem nos municípios. A maioria das cidades segue a lei nacional, enquanto a minoria determina as próprias regras. Em Minas Gerais, há 700 atividades de baixo risco. E o Rio Grande do Sul dispensa o alvará para mais de mil atividades.
Segundo Paulo Uebel, ex-secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, a Lei de Liberdade Econômica agilizou o processo de abertura de empresas no país. “De um lado, os empreendedores podem trabalhar imediatamente após tirar seu CNPJ”, explicou. “Eles conseguirão gerar empregos e renda antes do que se tivessem de aguardar um alvará por dois a seis meses. O governo, por outro lado, pode concentrar sua estrutura nas atividades de médio e, principalmente, de alto risco.”
O deputado federal Alexis Fonteyne (Novo-RS) argumenta que a necessidade de obtenção do alvará gerava uma série de custos para os empreendedores. “Esse montante somava-se aos custos fixos dos empresários, como o pagamento de aluguel, a contratação de funcionários e a aquisição de equipamentos”, disse o parlamentar. “Com essa legislação, é possível dar início ao negócio sem a necessidade de alvará.”
Muito caminho pela frente
Apesar dos benefícios, apenas 15 Estados aderiram à Lei de Liberdade Econômica. Mas não para aí. Segundo o levantamento do ILISP, que mapeou todas as cidades brasileiras com mais de 10 mil habitantes, somente 517 municípios aprovaram normas liberais. Isso equivale a 16% das regiões analisadas.
De acordo com o projeto Liberdade para Trabalhar, 12 Estados não possuem sequer uma norma similar à Lei 13.874/2019. São eles: Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Sergipe e Tocantins. Nenhum desses Estados está entre as dez regiões com as maiores rendas per capita do país.
O levantamento do Instituto Millenium mostra que, quando há interesse do governo estadual na aplicação das medidas liberais, mais reflexos ocorrem nos municípios. “Acreditamos que os brasileiros das 5,5 mil cidades do país merecem ter mais liberdade para trabalhar, com menos burocracia e mais segurança jurídica”, ressaltaram Faria e Sampaio. “O melhor programa social é o trabalho, e a liberdade para trabalhar é fundamental para que cada vez mais pessoas empreendam ou sejam empregadas.”
Dentre os Estados que aprovaram a Lei de Liberdade Econômica, o maior destaque é o Rio Grande do Sul. Trata-se da região com o maior número de municípios que aprovaram a legislação, com 94 das 166 cidades mapeadas. Isso totaliza aproximadamente 55% de aprovação. Minas Gerais também apresenta resultados positivos, com 160 dos 377 municípios mapeados (43%).
Os perigos do retrocesso
Para o advogado Bernardo Santoro, mestre em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, os avanços no índice de empregabilidade podem desacelerar nos próximos anos. “O PT, enquanto partido de matriz sindical e socialista, possui uma cosmovisão interventora e avessa à livre iniciativa; portanto, contrária à Lei de Liberdade Econômica”, afirmou. “Mesmo assim, algumas políticas públicas a favor do empreendedorismo foram criadas por aliados liberais do PT, dentro de governos petistas. É o caso do MEI, pelo ex-ministro Guilherme Afif Domingos.”
Santoro acrescenta que a equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, deverá concentrar seus esforços em outros setores da economia. “Em um primeiro momento, o PT não deve se preocupar tanto com a Lei de Liberdade Econômica, especialmente se os empreendedores estiverem gerando tributos para o governo federal”, salientou. “No entanto, certamente estaria mais confortável com a permanência dessa legislação se estivéssemos em um governo com uma cosmovisão liberal.”
“A volta do PT ao Planalto pode estimular as prefeituras a seguirem as diretrizes esquerdistas, visto que o ambiente político dos próximos anos deve favorecer a burocracia, e não a liberdade”
O cientista político Márcio Coimbra, presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica, também considera que os petistas terão dificuldade de reverter os avanços registrados nos últimos quatro anos. “Sabemos que o PT trabalha com a intervenção do Estado na economia”, observou. “Mas não acredito que haverá a revogação da Lei de Liberdade Econômica. O que pode haver é uma diminuição no ritmo dos avanços observados recentemente.”
Uebel é mais pessimista. Ele avalia que a equipe de transição ainda não deu nenhuma sinalização para o setor produtivo, “muito menos para os micros e pequenos empreendedores”. “Existem riscos de retrocessos nas pautas de simplificação e desburocratização”, ressaltou. “Infelizmente, muitos grupos de trabalho do governo de transição priorizaram pessoas com perfil sindical, político ou acadêmico, e deixaram de fora gente com perfil empreendedor. Isso mostra que os empreendedores não estão sendo escutados.”
De acordo com Faria e Sampaio, autores do estudo realizado pelo Instituto Millenium, é possível que o PT altere a legislação federal. “A ameaça principal é na própria resolução, porque é um ato administrativo do Poder Executivo”, explicaram. “Isso não depende do Congresso. Se o PT definir que o número adequado de atividades de baixo risco é inferior aos 300 da atual legislação, passará a valer a quantidade estabelecida pelos petistas. As cidades passariam a seguir as novas normas. A volta do PT ao Planalto pode estimular as prefeituras a seguirem as diretrizes esquerdistas, visto que o ambiente político dos próximos anos deve favorecer a burocracia, e não a liberdade.”
Há razões para sorrir
Aprovada em setembro de 2019, a Lei de Liberdade Econômica removeu obstáculos burocráticos para as empresas, fortaleceu os direitos de propriedade e restringiu a interferência estatal na economia. Confira os principais avanços da legislação:
1) Fim dos alvarás para estabelecimentos de baixo risco
A medida também permite o registro de empresas desde casa e proíbe que o governo exija cadastro ou registro além do CNJP.
2) Digitalização de documentos
Antes da aprovação da Lei de Liberdade Econômica, as empresas eram obrigadas a armazenar, por até cinco anos, documentos físicos. Apenas para cumprir os requisitos da atual legislação tributária, as empresas gastam aproximadamente de 2 mil horas e R$ 60 bilhões por ano, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Reportagem publicada na Edição 82 da Revista Oeste mostra a necessidade de uma ampla reforma tributária no país.
Depois da aprovação da lei, a digitalização de documentos foi permitida. Documentos públicos podem ser armazenados de forma digital e terão a mesma validade jurídica e probatória do documento original impresso.
3) Horários flexíveis
Só algumas categorias tinham a possibilidade de trabalhar aos domingos e folgar em outro dia da semana. Apesar de o Senado ter retirado o trecho que previa novas regras para o trabalho aos domingos e feriados, 78 setores tiveram a liberação para realizar atividades nessas datas.
Atualmente, as empresas podem exercer atividade econômica em qualquer horário e dia da semana, desde que se respeitem as demais normas trabalhistas, ambientais e de vizinhança.
4) Desobrigação do registro de ponto e hora extra para pequenas empresas
Antes, o registro do ponto era obrigatório. Com a Lei de Liberdade Econômica, é necessário apenas para empresas com mais de 20 funcionários.
O registro de ponto por exceção, quando o trabalhador registra jornadas excepcionais, também é permitido. Esse sistema registra e paga horas extras, faltas, atrasos e folgas. A modalidade tem de ser acordada entre patrão e trabalhadores.
5) Criação do abuso regulatório
Antes da Lei de Liberdade Econômica, não havia previsão legal específica para que empresas questionassem determinadas exigências regulatórias. Agora, a nova lei impede que o setor público altere regras que prejudiquem as atividades econômicas.
As restrições impostas ao Poder Público são: I) criar reservas de mercado para favorecer um grupo econômico; II) estabelecer barreiras à entrada de competidores nacionais ou estrangeiros em um mercado; III) exigir especificações técnicas desnecessárias para determinada atividade; IV) estimular a demanda artificial por produtos e serviços, inclusive “cartórios, registros ou cadastros”; e V) impedir a livre formação de sociedades empresariais ou de atividades não proibidas por lei federal.
6) Desconsideração da personalidade jurídica
Com a Lei de Liberdade Econômica, é proibida a cobrança de bens de outra empresa do mesmo grupo econômico para quitação de dívidas. O patrimônio de sócios, associados e administradores de uma empresa será separado em caso de falência ou execução de pendências financeiras.
Apenas em casos de intenção de fraude os sócios poderão ter o patrimônio pessoal usado para indenizações.
Curiosidades sobre a Lei de Liberdade Econômica
1) Vinte e duas novas cidades aderiram à medida
Anápolis (GO), Boa Vista (RR), Brazópolis (MG), Guarujá (SP), Iporã (PR), Itapuranga (GO), Ituiutaba (MG), Jacutinga (MG), Joinville (SC), Lauro Mueller (SC), Macapá (AP), Mantena (MG), Medina (MG), Nova Friburgo (RJ), Novo Cruzeiro (MG), Piranhas (AL), Pirapora (MG), Prata (MG), Rio Vermelho (MG), Santa Vitória (MG), São Domingos da Prata (MG) e Três Marias (MG).
2) Dezesseis cidades aprovaram legislações com a influência direta da Lei de Liberdade Econômica
Anápolis (GO), Boa Vista (RR), Brazópolis (MG), Ituiutaba (MG), Jacutinga (MG), Joinville (SC), Mantena (MG), Medina (MG), Nova Friburgo (RJ), Novo Cruzeiro (MG), Pirapora (MG), Prata (MG), Rio Vermelho (MG), Santa Vitória (MG), São Domingos da Prata (MG) e Três Marias (MG).
3) Aumento do número de capitais com a Lei de Liberdade Econômica
Mais de 80% das capitais, incluindo o Distrito Federal, já aprovaram a legislação. Faltam apenas Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS), Goiânia (GO), Rio Branco (AC) e São Luís (MA).
4) Mapeamento (quase) completo
Todas as cidades brasileiras com mais de 10 mil habitantes foram mapeadas, constituindo o maior levantamento do país sobre o tema.
5) Índice de aprovação: 17%
Cerca de 530 cidades mapeadas aprovaram a Lei de Liberdade Econômica.
6) Baixa aprovação no Nordeste
Com exceção de Rondônia (14%), todos os Estados do Norte e do Nordeste têm baixo índice de aprovação da Lei de Liberdade Econômica (10%).
7) Todos os Estados brasileiros têm ao menos uma cidade com a Lei de Liberdade Econômica aprovada
Os mais recentes foram Roraima (Boa Vista) e Amapá (Macapá).
8) São Paulo é um destaque negativo
Apesar de ser o Estado mais rico do país, somente 34 municípios paulistas aprovaram a Lei de Liberdade Econômica (9%). É o pior índice registrado nos Estados Sul e Sudeste.
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O comunismo é a morte de uma nação
O Brasil é um país muito atrasado, no que di respeito ao empreendedorismo. Essa lei foi o primeiro passo, que não foi entendido pela grande parte dos municípios e nem foi requisitada a sua adesão pela população.
Mas não poderíamos esperar que tudo mudaria somente com uma lei. O que precisávamos era de tempo para que cidades que adotaram as novas leis, despontassem nos seus crescimentos, como exemplos a serem seguidos.
O problema é que como PT, todo esse trabalho cai por terra, porque para ele o importante é o estado e não os empreendedores.
Quanta dificuldade para implantação dessa lei tão saudável para a economia do país, e quanta facilidade para passar por cima da liberdade de expressão, tão saudável para o povo. Alguém já disse que “NINGUÉM PRECISA TER MEDO DE O MUNDO ACABAR POR FOGO OU POR ÁGUA, A BUROCRACIA AINDA VAI ACABAR COM ELE”. Não duvido.