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Eduardo Cunha, Deputado Federal por 4 mandatos e ex Presidente da Camara | Foto: Reprodução/Redes sociais
Edição 146

‘O programa de governo de Lula não ganhou a eleição’

Em entrevista à Revista Oeste, o ex-deputado Eduardo Cunha comenta a vitória do petista e a relação dele com o novo Congresso

Rute Moraes
Rute Moraes
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Até sofrer um processo de cassação, o ex-deputado federal Eduardo Cunha (PTB-SP) sempre foi um dos principais articuladores dentro do Congresso Nacional. Pouco depois de comandar o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, tornou-se inelegível, pela acusação de envolvimento num esquema de propinas e ocultação de patrimônio no exterior.

Mesmo tendo sido condenado em 2017 e 2020 pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, pôde concorrer na eleição de 2022, por decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Cunha, contudo, não se elegeu. 

Ex-presidente da Câmara dos Deputados, Cunha afirma sem rodeios que sabe “de tudo do que o PT é capaz”. Agora, 20 anos depois da primeira eleição de Lula e com a volta do petista ao poder, Cunha conta o que espera do novo governo. Em entrevista a Oeste, diz que Lula não é mais “a mesma raposa política” e que corre o risco de não ter maioria no Congresso. 

Deputado Eduardo Cunha, em 2015 | Foto: Wikimedia Commons/PMDB Nacional

Cunha também acredita que a quinta gestão petista pode acabar da mesma forma como terminou o segundo mandato de Dilma. “A vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro foi a mais acirrada desde as Diretas Já”, observa. “Lula pegou um país dividido para governar, e, com o PL tendo a maioria na Câmara, é certeza: o projeto de poder do PT não ganhou.” 

Confira os principais trechos da entrevista. 

Recentemente, o senhor publicou um artigo no portal Poder360 em que afirma que o presidente Lula já não é mais a mesma raposa política. Por quê?

Às vezes, todos nós vamos perdendo o contato com a realidade. A idade chega e a falta de distanciamento do poder também. Tudo isso nos leva a perder o foco. Lula não é o mesmo. Quais as razões, não sei, mas ele comete alguns erros políticos que, talvez, não cometesse antes. Por exemplo, o fato de ter interferido para que o Supremo Tribunal Federal decidisse terminar com as emendas de relator é uma prova. Ele fez isso achando que estava retomando o poder para si, quando, na verdade, o produto disso foi entregar mais poder. Há um grande engano nas emendas de relator, porque as pessoas acham que o governo não tem nada a ver com isso, quando o governo tem. As emendas não eram impositivas (ou seja, o governo não era obrigado a executá-las). Desse modo, Lula poderia contingenciar sem executar. Agora, do jeito que ficou, metade daquele volume foi para as emendas impositivas e individuais, distribuídas igualitariamente entre os parlamentares, o que significa que quem vota com ele ou faz oposição terá o mesmo dinheiro.

No primeiro mandato de Lula, o PT não quis dividir o poder, e a relação com o Congresso terminou com o Mensalão. Isso pode se repetir? 

Não. Para acontecer aquela forma de ocupação precisaria ter os dois lados: quem compra e quem se vende. Atualmente, nenhum dos dois pode ocorrer, porque não existe quem quer se vender, e o PT também não pode comprar. O processo que o PT tenta fazer é tentar distribuir uma parte, mas sem distribuir o que é necessário para obter uma maioria. Ao mesmo tempo, distribuir não resolve mais, porque a execução do Orçamento público é muito rígida. Então, mesmo cedendo ministério, não dá para atender às bancadas na totalidade. Do que adianta dar o Ministério da Pesca para uma bancada do PSD, de 42 deputados? Não tem peixe nem para distribuir para todos eles. O erro está em não se comprometer durante a campanha de modo que quem saia vitorioso tenha maioria no Congresso pelas suas ideias e seus programas. Lula ganhou a eleição, não o programa de governo dele. O programa dele teve 140 deputados como resultado, e não 257, que representam a maioria. O que precisamos mudar é a forma. Deveríamos fazer a eleição no Congresso no segundo turno da corrida eleitoral e obrigar os partidos a terem posicionamentos. Assim, o vitorioso no segundo turno teria a maioria no Parlamento. Se não, essa computação fisiológica, seja pelo Mensalão, seja pela distribuição de cargos, vai continuar. 

Ministro da Pesca e Aquicultura, André de Paula | Foto: Guilherme Martimon/MAPA

O senhor também fala que o PT pensa que possui a maioria e que, desse modo, o partido teria grandes chances de repetir a segunda gestão da ex-presidente Dilma Rousseff. Isso significa terminar em impeachment?

Não necessariamente em impeachment. Um processo como esse é gerado a partir do crime de responsabilidade. Na realidade, me refiro ao Lula terminar esse governo com uma gestão em frangalhos, justamente por não ter maioria no Parlamento.

O senhor fala que, nessas eleições, nem Lula nem seus aliados ganharam, mas que o ex-presidente Jair Bolsonaro perdeu. Por quê? 

Em 2022, Lula teve uma maioria muito precária e conseguiu ter a eleição com a menor vantagem desde as eleições diretas. Ele ganhou mais pelos erros que Bolsonaro cometeu, muitos deles alardeados pela equipe de Lula, que disseminou mentiras, como a que Bolsonaro iria acabar com o 13° salário e com a aposentadoria. Até mesmo o episódio do ex-deputado Roberto Jefferson e o da deputada Carla Zambelli contribuíram para tirar votos dele. Desse modo, podemos dizer que foi Bolsonaro quem perdeu a eleição, e não que Lula ganhou. Por isso, Lula não pode começar esse governo como se tivesse sido apoiado pela maior unanimidade nacional, porque é mentira. Ocorre que a grande mídia apoia Lula quase fechando os olhos, só porque conseguiram tirar Bolsonaro. Eles estão em uma lua de mel que, depois, vai se exaurir. Quando a mídia perceber que Bolsonaro é uma carta fora do baralho — porque o processo dele não vai acabar agora, eles vão tentar torná-lo inelegível e tirá-lo da vida pública —, certamente vão combater o Lula com a mesma ferocidade que combateram antes.

O que Lula poderia ter feito de diferente na formação de seu governo?

Nas condições políticas com que pretendia sair da eleição, Lula deveria fazer um governo para todos, buscando os melhores ministros para a sociedade brasileira. Lula deveria ter um governo apartidário, para tentar restaurar o que ele disse na campanha eleitoral. Se foi o Bolsonaro quem perdeu, podemos considerar que nem todos que votaram no Lula são petistas. Quando ele começa sendo sectário, colocando a pluralidade restrita ao próprio grupo político e apenas deixando as migalhas para os outros e sem conversar com a sociedade, ele perdeu uma oportunidade de pacificar o país. Basta ver a ministra da Saúde, Nísia Trindade, falando que vai revogar os atos da gestão Bolsonaro que dificultavam a prática do aborto no Brasil. Na prática, Lula está indo contra uma grande parte da sociedade. 

Qual o grau de influência do Arthur Lira na Câmara?

O poder do presidente é muito grande. Em circunstâncias normais, Lira continua sendo o favorito para a reeleição. Claro que o grau de influência dele hoje ainda é maior do que ele possa ter na nova formação do Parlamento, pois uma parte da Câmara foi renovada. Então, ele deve tentar ter influência nessa parte que se elegeu.

Câmara PEC Gastança
Arthur Lira | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Qual a diferença entre a Câmara da sua época e a atual composição? 

Existem algumas factuais. O fato de permitirem votações remotas acelerou algumas sessões. Há outras facilidades tecnológicas que foram colocadas, e de modernização do processo de votação. Fora isso, a Casa é política. 

É possível o novo governo formar uma maioria confortável para conseguir aprovar grandes projetos? 

O PT vai ter muita dificuldade. Só vão conseguir aprovar uma PEC por consenso. Talvez tenham uma maioria ou minoria muito apertadas. Para fazer essa conta, não se podem usar somente os números, é preciso usar uma média de perda, pois, caso as votações voltem a ser presenciais, a manutenção de parlamentares em plenário para votar sessões longas não terá o mesmo impacto. Geralmente, trabalha-se com uma margem maior de parlamentares favoráveis, contando com faltas ou viagens dos deputados. Sempre vai haver uns 15 ou 20 votos perdidos. Então, se existe uma maioria muito apertada, qualquer defecção pode ser mortal. 

No Senado, o Rogério Marinho pode oferecer alguma resistência ao Rodrigo Pacheco?

Não vivo muito o ambiente do Senado, se comparado ao da Câmara, mas será mais fácil enfrentar o Pacheco com outro nome. Não tenho nada contra o Marinho, mas ele vai ficar muito carimbado como sendo um nome de confronto, devido ao próprio partido. Isso vai dificultar os apoios. Se o candidato for o Marinho, ele não deverá vencer, mas se houver outros nomes com outros partidos que possuam o aval do PL, isso pode fazer barulho. 

Rogério Marinho
Rogério Marinho | Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Depois de ter perdido a eleição, o senhor pretende continuar no PTB?

Estou deixando o PTB. Só não me desfiliei ainda, pois esperava a aprovação das contas de campanha. Como não pretendo disputar nenhuma eleição agora, posso esperar um pouco para me filiar a algum partido, mas ainda não sei para qual vou. Só irei disputar a eleição em 2026. Em 2022, disputei uma eleição de uma forma muito diferente em São Paulo. Fiquei debaixo de uma discussão de elegibilidade que me prejudicou muito. O PTB, que deveria apoiar o governo Bolsonaro, lançou a própria candidatura à Presidência, e isso atrapalhou bastante. Então, na verdade, não fiz campanha. Acabei me dedicando à campanha da minha filha, Danielle Cunha, que se elegeu. Muita gente nem sequer soube que eu era candidato.

Leia também “Moraes não vai conseguir nos calar”

13 comentários
  1. Cícero Ruggiero
    Cícero Ruggiero

    Revista oeste entrevistar um corrupto condenado por lavagem de dinheiro,que roubou o Brasil, é sinal de decadência. O cara afirma que Bolsonaro perdeu a eleição. Ele não percebeu a fraude das urnas, nem o ativismo do judiciário? Como levar a sério essa entrevista? Por outro lado, como ele conseguiu que sua filha fosse eleita? Brasil perde mais uma vez.

  2. Antonio Carrijo Primo
    Antonio Carrijo Primo

    Graças ao Cunha, ficamos livres da ensacadora de vento!!

  3. Ricardo Schmidt Rehder
    Ricardo Schmidt Rehder

    O grande ponto negativo de Eduardo Cunha é o fato de ser um político fisiológico, mas quanto a sua análise política é perfeita, Cunha é o maior conhecedor de como funciona a câmara dos deputados, seu regimento interno, a representatividade junto aos deputados da casa, sua habilidade foi tão grande que foi o maior responsável por derrubar o PT do poder, enfrentando o STF e toda a infiltração que o PT tinha dente das instituições, e mesmo sofrendo todo o ódio do PT soube conduzir com muita inteligência sua situação penal e hoje está livre, cumpriu pena, não fez delação e não se comprometeu, seria muito bom se usasse toda sua capacidade de negociação política a favor do Brasil por exemplo comandando reformas importantes e bloqueando o lulopetismo.

  4. Giovani Santos Quintana
    Giovani Santos Quintana

    Entrevistar o Eduardo Cunha é a mesma coisa que perguntar a uma raposa sobre o novo esquema de segurança do galinheiro…

  5. João José Augusto Mendes
    João José Augusto Mendes

    Quem sobreviver verá. Não acredito em corrupto.

  6. Jose Carlos Rodrigues Da Silva
    Jose Carlos Rodrigues Da Silva

    Tem coisas que a gente não deveria nem comentar.

  7. VALDO DA SILVA MARQUES
    VALDO DA SILVA MARQUES

    Eduardo Cunha tem o mérito de ter conduzido com êxito o processo de impeachment da anta! Por isso eu o admiro.

  8. Eduardo
    Eduardo

    Porcaria de entrevista. A premissa básica está totalmente errada. Lula secelegeu na fraude, protegido pelo STF, e disseminando mentiras e calúnias em toda a campanha. Nunca vai ser legitimo e por isso ninguém que é decente vai embarcar nesse governo.

    1. João Carlos Redivo
      João Carlos Redivo

      Eduardo, concordo com você. o Cunha não teceu uma palavra sobre a lisura do pleito, essa eleição foi fraudulenta.

  9. Antonio C. Lameira
    Antonio C. Lameira

    Eduardo Cunha O Grande, quando ele foi defenestrado da Câmara, nas minhas rodas de conversas o defendia, por ele ser o individuo que cortou o projeto de poder do PT. Hoje vejo o Partido em frangalho, o motivo é que o efeito Eduardo Cunha ainda permanece latente. E satisfeito por eu ter certeza que ele sempre foi o mocinho e não o bandido, os comentários abaixo falam por si.

  10. Luciana Da Ré
    Luciana Da Ré

    Temos que agradecer á ele que aceitou o impeachment da Anta da Dilma

  11. José Luíz Ferreira Mairink
    José Luíz Ferreira Mairink

    Bela entrevista com o Eduardo Cunha. Como brasileiro, devo a ele a saída daquela DEMENTE da presidência da república. O tenho como uma das melhores cabeças da política brasileira. Pena que está fora.

    1. Antonio
      Antonio

      Concordo com José Luiz. Se não fosse pelo Eduardo Cunha, a arrogante e incompetente Dilma teria terminado o mandato. Devo a ele essa. Hábil, articulado e inteligente, torço pelo seu retorno.

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