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Gripe aviária aparece em várias Províncias da Argentina | Foto: Shutterstock
Gripe aviária aparece em várias Províncias da Argentina | Foto: Shutterstock
Edição 154

O vírus da gripe aviária ronda o país

Maior exportador de carne de frango do mundo, o Brasil procura reduzir impactos de uma doença que provavelmente chegará a seu território

Artur Piva
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Um vírus transmitido pelo ar e por fluidos corporais saiu da China para o restante do mundo. Entre as medidas para conter a disseminação, a principal, indicada por órgãos internacionais, é o confinamento. Apesar das semelhanças, não é a covid-19. Trata-se, sim, da gripe aviária. A doença ameaça principalmente as aves, mas pode infectar, também, mamíferos, como os seres humanos. O maior risco aos homens, entretanto, é a redução da oferta de alimentos, como a carne de frango e ovos. 

O confinamento é recomendado para as aves porque a doença tem um grande poder de disseminação e não respeita a diferença entre as espécies. Frangos, por exemplo, podem desenvolver a influenza aviária depois de entrar em contato com patos selvagens contaminados com o vírus H5N1. Os pássaros silvestres, com seus voos de longa distância, são os principais responsáveis por espalhar a doença pelo mundo.  

Desse modo, a contenção do vírus depende principalmente de manter as aves domésticas sem contato com as silvestres.  

Luizinho Caron, pesquisador da Embrapa, explica que o confinamento necessário não se resume apenas a guardar os animais. Também é importante impedir o acesso dos espécimes silvestres aos reservatórios de ração e de água das granjas. Além disso, é necessário fazer com que os animais selvagens não construam ninhos nas proximidades. 

Por não ter cura, existe um destino certo tanto para as aves contaminadas quanto para todas as que tiveram contato com elas: a morte. Numa granja, por exemplo, o extermínio é completo. A medida é necessária, uma vez que um espécime eventualmente recuperado da doença pode continuar eliminando o vírus por longos períodos. 

A contenção do vírus depende principalmente de manter as aves domésticas sem contato com as silvestres | Foto: Shutterstock

O abate preventivo pode se espalhar também por granjas próximas — o raio de segurança é definido pelas autoridades sanitárias. Ou seja: um frango contaminado pode gerar a morte de milhares de outros animais, mesmo que como medida prévia de contenção.  

A retomada da produção de uma granja, depois da descoberta da contaminação, inclui vários outros procedimentos, conforme comentou Caron. Entre eles, a estrutura passa por um período de quarentena. Durante esse intervalo, novas aves são usadas para avaliar se o vírus continua agindo no local. 

“Em sequência aos abates sanitários e ao processo de limpeza e desinfecção do local, algumas aves novas são inseridas nas granjas, para verificar se o vírus continua ativo”, informou. A legislação nacional permite a volta da produção depois de 21 dias da conclusão da desinfecção. Nos Estados Unidos, o processo todo, da descoberta da contaminação até o retorno da produção, tem demorado de 90 a 120 dias.  

Nesse intervalo, é feito um período de teste com animais sentinelas (cobaias), para verificar se as condições estão seguras novamente. Se o novo animal não ficar doente, o local é reaberto. Se pegar a doença, a ave morre e a granja permanece em quarentena. Antes, segundo o pesquisador, os produtores norte-americanos levavam de quatro a nove meses para conseguir retomar a produção. 

A ameaça se aproxima do Brasil 

Originada em 1996, na China, a gripe aviária passou pelos cinco continentes habitados. Até o momento, contudo, o Brasil não confirmou sequer um caso de infecção com H5N1. É, portanto, considerado zona livre da doença. Esse status faz do país um importante fornecedor de proteínas de aves para a alimentação humana, além de material genético, como ovos fecundados, para a criação e a engorda no exterior. 

Porém, o alto poder de transmissão do H5N1 e as contaminações em países vizinhos preocupam os produtores locais — atualmente os maiores fornecedores de proteína de frango para o mercado mundial.  

Fazendo fronteira com o Sul do Brasil, maior região produtora de frangos do país, Argentina e Uruguai já confirmaram casos da gripe aviária neste ano. Na Argentina, dezenas de aves doentes foram confirmadas. Até a terça-feira 28 de fevereiro, nenhuma delas tinha afetado diretamente a avicultura industrial.  

Naquele dia, entretanto, um frango contaminado foi encontrado numa criação comercial em Manique, na Província de Río Negro, no centro do país. O caso fez o governo se impor um embargo, suspendendo as exportações de carne de aves e de ovos. 

A contaminação de humanos é rara. Ainda assim, ela preocupa, porque metade dos doentes morre 

O faturamento do setor em 2022 dá uma noção do desastre iminente. No ano passado, os produtores argentinos faturaram US$ 420 milhões com os embarques de carne de frango. 

Porém, a suspensão não impede as vendas do produto no mercado interno. Junto com a permissão da comercialização dentro do país, o Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar da Argentina deixa claro: a ingestão de carnes e ovos não transmite a doença para humanos. 

O homem adquire a gripe aviária através do contato com aves infectadas, ou com os excrementos dela. Por esse motivo, o contágio dos humanos geralmente ocorre com aqueles que lidam com as criações sem os devidos cuidados — e a contaminação é rara. Ainda assim, ela preocupa, porque metade dos doentes morre. 

Por enquanto, não foram registradas mortes de seres humanos em Manique por causa da gripe aviária. Mas, em razão do caso, aumenta o alerta no Sul do Brasil. Aqui, os protocolos nacionais, por serem mais focados, não impedem a venda a outros países na hipótese de uma contaminação local. 

No Brasil, o plano é outro 

Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal, não existe um acordo que obriga o Brasil a interromper suas exportações, depois da descoberta de casos da gripe aviária. Portanto, o manejo seria diferente do adotado pelos argentinos. 

Aproveitando a experiência de outros fornecedores globais que passaram pelo problema, na hipótese de uma eventual contaminação numa granja, a estratégia seria a setorização das exportações.  

Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e professor emérito da Fundação Getulio Vargas, explicou que o órgão internacional responsável por monitorar a saúde animal pode reconhecer três níveis para o manejo de segurança. São eles: a regionalização, o zoneamento e a compartimentação. O uso desse formato não é uma regra, e o estudo é feito caso a caso.

Com a regionalização, as autorizações para exportar são feitas por região. Imagine que o Sul do Brasil continue com as vendas no mercado externo, mesmo que exista uma contaminação numa granja localizada no Norte do país. 

No zoneamento, as liberações se aplicam a porções dentro da região. Por serem considerados seguros, alguns municípios podem manter o fluxo para o mercado externo, mesmo que um município vizinho não possa. 

Já a compartimentação é o nível menos abrangente. Ocorre quando uma empresa ou instituição faz um trabalho tão bem-feito que a produção está totalmente garantida contra a gripe aviária, permitindo que a empresa siga exportando. 

Ariel Mendes, presidente da Fundação de Apoio a Ciência e Tecnologia Avícolas, comentou que esse sistema de gestão de risco foi testado em outros grandes players mundiais do setor, como os Estados Unidos. Ele destaca que o Brasil tem estrutura para enfrentar o problema e afirma que o país é observado pelo restante do mundo, em razão da sua importância global. 

Ele lembra que os norte-americanos, segundos colocados no ranking mundial de exportações do setor, têm enfrentado a gripe aviária sem interromper as vendas para outros países. Ao mesmo tempo, existem notificações da doença em diversas partes do território norte-americano. 

Por fim, Mendes faz um alerta. “Na condição de grande exportador, o Brasil não deve pensar em conviver com a gripe aviária”, disse. Caso o vírus chegue ao país, Mendes defende o caminho da erradicação. Já existe estrutura para que isso ocorra sem a interrupção completa das exportações e o desabastecimento interno. 

A produção nacional conta com planos de contingenciamento por Estado que envolvem todos os procedimentos necessários. As medidas incluem visitas, isolamento e extermínio preventivo de criações a partir de perímetros de contenção e análises laboratoriais de ponta realizadas em centros locais de referência.   

O maior exportador do mundo não para 

Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul respondem por 65% de toda a produção brasileira. O peso dos três Estados da Região Sul fica ainda maior quando a pauta é a exportação. Juntos, o trio fez frente a 80% de toda a receita com os embarques brasileiros de carnes de aves em 2022 — US$ 10 bilhões. 

Sozinho, o mercado externo conquistado pela trinca sulista corresponde a quase 20 vezes o faturamento argentino com as exportações de frango. E o Brasil todo ainda inclui a receita externa das vendas do setor de mais cinco “argentinas”. 

A criação avícola brasileira integrada com a indústria é a maior fonte de proteína de aves para a comunidade internacional. Em 2023, 1 de cada 3 quilos de proteína de frango comercializada no mercado externo virá das granjas brasileiras.  

Neste ano, serão enviados 4,5 milhões de toneladas para o mercado internacional. É como se cada cidadão do mundo pudesse comprar meio quilo de frango do Brasil, mesmo depois de a população do país ter sido alimentada com cerca de 50 quilos por habitante. 

Esse volume é gerado respeitando rígidas normas sanitárias e padrões internacionais. Na lista de requisitos, além do cuidado com os animais, também aparecem a mitigação dos riscos de trabalho e sistemas de rastreabilidade, desde a origem até o destino final dos produtos. 

Internamente, o Brasil possui um sistema de Defesa Agropecuária que é referência. Ele pertence ao Ministério da Agricultura e está em constante comunicação com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Em 2023, a verba prevista para manutenção dessa estrutura é de R$ 208 milhões. Mas o grande fomento vem do setor privado para cumprir as exigências dos clientes.

Os clientes externos envolvem 170 destinos, contando países e regiões autônomas. No topo da lista, aparece a China, que respondeu por US$ 1,3 bilhão — ou 14% da receita total. Na sequência, estão Japão e Emirados Árabes Unidos, empatados com pouco menos de US$ 1 bilhão cada um, seguidos da Arábia Saudita (perto de US$ 850 milhões).  

Somente no mercado islâmico, comunidade da qual as duas últimas nações citadas fazem parte, existem em torno de 2 bilhões de consumidores, que, em razão da religião, têm na carne de frango uma das principais fontes de proteína animal. E o Brasil é seu maior fornecedor de alimentos. 

Para atingir esse grau de relevância, os produtores locais tiveram de atender a diferentes critérios internacionais, desde as legislações regionais até normas globais. Tudo indica que o país possui know-how para lidar com o problema quando (e se) ele acontecer.  

A criação avícola brasileira integrada com a indústria é a maior fonte de proteína de aves para a comunidade internacional | Foto: Shutterstock

Leia também “Natureza usurpada: nossa Amazônia patenteada” 

8 comentários
  1. David Peixoto Sampaio
    David Peixoto Sampaio

    A religião faz coisa do arco da velha. Interessante, deixam de comer boi e preferem frango, vai entender. Será que Xi vai dar chilique igual fez com o boi com “Alzheimer”, fechar tudo igual um imperador que nomeia cavalos para o senado?

    1. David Peixoto Sampaio
      David Peixoto Sampaio

      Nós aqui no Brasil, temos carne, se Xi não roubar.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Terceira guerra só esperando o botão vermelho ser acionado

  3. IMP
    IMP

    Que estranho tudo isso acontecendo depois que o balao chino foi detectado sobre o Uruguay, Argentina e Brasil. Tudo teoria da conspiraçao, nao fique preocupado, fique em casa que a econonia veremos depois.
    Esse é o protocolo que esta sendo aplicado pelos DONOS DO MUNDO:
    A mensagem das Pedras-Guia da Geórgia
    1. Manter a humanidade abaixo dos 500 milhões em equilíbrio perfeito com a natureza.
    2. Controlar sabiamente a reprodução – melhorando a aptidão e a diversidade.
    3. Unir a humanidade com uma nova língua actual.
    4. Controlar a paixão – a fé – a tradição e todas as coisas com uma razão moderada.
    5. Proteger as pessoas e as nações com leis justas e tribunais justos.
    6. Permitir que todas as nações governem internamente, resolvendo as disputas internacionais num único tribunal mundial.
    7. Evitar leis insignificantes e governantes desnecessários.
    8. Equilibrar os direitos pessoais com os deveres sociais.
    9. Valorizar a verdade – a beleza – o amor buscando a harmonia com o infinito.
    10. Não ser o cancro da Terra – Deixar espaço para a natureza .

  4. IMP
    IMP

    “Son 70 gallinas que murieron, no todas murieron, hay que sacrificar al resto para cuidar que no se siga dispersando. No era una producción comercial eran aves de traspatio (avicultura familiar) por suerte no ha ingresado hasta el día de hoy a ninguna granja”, afirmó Chiesa a Telenoche.

    Agregó que los casos se detectaron en un lugar “alejado de la Laguna Garzón, San Gregorio de Polanco en el centro del país, aves de traspatio, hasta ahora eran cisnes, ahora es la casa de un productor que tenía varias decenas de animales que se empezaron a morir, hace la denuncia al Ministerio, el Ministerio va, toma las muestras, confirmando que la mortandad es por gripe aviar, esto dispara una batería de medidas de la zona, mañana va a estar yendo el ministro, se va a estar reuniendo el Cecoed (Centro Coordinador de Emergencias Departamentales), se forma una zona donde se va controlar la situación de las aves que puedan existir en la zona”.

    Chiesa destacó que “por suerte” donde aparecieron los casos “es en un lugar alejado donde hay producción comercial avícola”.

  5. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Excelente artigo,só informação de qualidade e extremamente detalhada.Brasil continuará sendo,com tecnolologia e cuidados o maior exportador de carne de frango.Proteina que pelo seu custo estará disponível em muitos países do mundo.

  6. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Trabalho com logística no setor Agro e qualquer problema nesta cadeia não afeta apenas as granjas mas todo o complexo produtivo.
    Aqui no sul do país temos muitos municípios onde a avicultura é o motor da economia.

  7. RONALDO CARVALHO
    RONALDO CARVALHO

    Muito cuidado com os invasores que podem trazer esta gripe para o interior das granjas prejudicar as exportações brasileiras.

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