Na semana passada, Samantha Power, chefe da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), chegou a Budapeste. Aparentemente, a missão dela é salvar a Hungria de si mesma.
Depois de explicar aos húngaros sobre a importância da democracia e de uma imprensa livre, ela tuítou:
“Uma imprensa livre e diversa é uma pedra basilar da democracia, e na Hungria jornalistas independentes estão enfrentando desafios reais. Tive a oportunidade de conversar com alguns desses jornalistas e líderes de organizações de mídia em Budapeste sobre as barreiras da verdadeira liberdade de imprensa”.
A premissa da mensagem de Power para a Hungria é que a democracia na Europa Central está com problemas e precisa do apoio da USAID. Ela também está comprometida em promover e apoiar uma imprensa que seja realmente “independente”, o que quer dizer que está comprometida com a mentalidade do governo Biden. Um release de imprensa publicado pela USAID afirmou que o objetivo de Power era “apoiar a democracia na Europa Central”, além de ajudar a “mídia independente a se desenvolver e criar novos públicos”.
Ler as entrelinhas das missivas emitidas pelo Departamento de Estado dos EUA supõe que o governo Biden tem o direito inalienável de influenciar, se não dominar a vida política e cultural da Hungria
No que diz respeito à administração Biden, a condição sine qua non da sua versão de democracia é a prioridade atribuída aos interesses LGBTQI+. É por isso que o release da USAID relembrou aos húngaros que os Estados Unidos vão continuar sendo aliados da comunidade LGBTQI+ e de todos os grupos marginalizados em sua luta por igualdade. O esforço de Power de impor a obsessão da Casa Branca com a cultura LGBTQI+ na Hungria não é surpreendente. Vale notar que as primeiras iniciativas de política internacional de Biden foram enviar um memorando para o Departamento de Estado “para garantir que a diplomacia e a ajuda estrangeira dos Estados Unidos promovam e protejam os direitos humanos das pessoas LGBTQI+”. Biden descreveu isso como um de “seus valores mais caros”.
A declaração da USAID sobre a missão civilizatória de Power em Budapeste reproduz os pronunciamentos dos poderes coloniais do século 19. Em dezembro, quando a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional anunciou seu Programa para a Europa Central, pressenti que seu verdadeiro alvo fossem a soberania e o processo decisório democrático da Bulgária, da República Tcheca, da Hungria, da Polônia, da Romênia, da Eslováquia e da Eslovênia. A declaração revelava que a USAID estava apoiando “novas iniciativas locais na Europa Central, com o objetivo de fortalecer instituições democráticas, a sociedade civil e a mídia independente, que são pilares das sociedades democráticas resilientes”. E prometia que essas “iniciativas locais” seriam “implementadas por uma coalizão de parceiros”.
Para a USAID, iniciativas locais são campanhas e iniciativas organizadas em parceria com colaboradores locais. Ela é explícita em relação a esse objetivo e deseja que o que são descritos eufemisticamente como parceiros locais ajudem no esforço de influenciar a política interna e a vida pública na Hungria e em outras sociedades da Europa Central. É por isso que ela quer “desenvolver as habilidades de cão de guarda para a defesa da sociedade civil e da mídia, para aumentar a obediência às leis, combater a corrupção e aumentar o acesso à Justiça”.
Por que Washington iria querer “desenvolver as habilidades de cão de guarda” das ONGs locais? Porque isso implica parceiros locais por meio dos quais seja possível reciclar decisões e propagandas políticas. Instituições locais parceiras são fundamentais para a projeção da diplomacia norte-americana. Elas podem traduzir a narrativa cultural e as prioridades políticas de Washington para uma linguagem local e criar a impressão de que o que “é feito nos Estados Unidos” pareça ter emergido de fontes locais.
Vale a pena perguntar se é da conta de Washington intervir nas questões de uma nação independente? À guisa de “apoiar” ou criar “uma sociedade mais democrática e resiliente”, a USAID assume o papel de guardiã moral da vida democrática da Europa Central. Dada a frequência com que ambos os partidos políticos dos Estados Unidos questionam o resultado das eleições, seria de imaginar que Washington dedicaria sua energia para recuperar a confiança em suas próprias instituições democráticas. É provável que um espectador objetivo e imparcial fique mais preocupado com a resiliência da democracia nos Estados Unidos do que na Europa Central.
A USAID faz mau uso do termo “independente” o tempo todo. Ela fala de uma mídia independente ou de ONGs independentes. Mas o que confere a elas a qualidade da independência? E independente do quê? No instante em que essa pergunta é feita, fica claro que a independência está associada ao que a USAID chama de “habilidades de um cão de guarda”. Como é bem sabido, um cão de guarda tem dono. Não é preciso ter um ph.D. em ciência política para adivinhar que o dono do cão de guarda não está a quilômetros de distância do endereço 2201 C Street Northwest, Washington, D.C., sede do Departamento de Estado.
Ler as entrelinhas das missivas emitidas pelo Departamento de Estado dos EUA supõe que o governo Biden tem o direito inalienável de influenciar, se não dominar a vida política e cultural da Hungria. O Departamento de Estado não tem dúvida de que Budapeste é um alvo legítimo para sua propaganda política. Em 2019, The New York Times, seu porta-voz, noticiou que a “Radio Free Europe Is Poised to Return to a Less Free Hungary” [A organização Radio Free Europe deve voltar a uma Hungria um pouco menos livre, em tradução livre]. Assumir a postura de suposto libertador corajoso de “uma Hungria um pouco menos livre” não é apenas um insulto ao povo húngaro, mas, em seu comportamento grosseiro e condescendente, isso atribui aos cidadãos da nação o papel de selvagens pouco escolarizados, que precisam ser civilizados.
Se você forçar os ouvidos, é possível ouvir Power e seus colegas na Radio Free Europe murmurando numa voz doce que uma mudança de regime seria desejável.
Sem dúvida, as nações da Europa Central precisam ter boas relações geopolíticas com os Estados Unidos. Mas, se quiserem preservar sua soberania e seu modo de vida, é preciso resistir aos esforços da Casa Branca descolada de Joe Biden de impor sua ideologia nessas sociedades.
Frank Füredi é diretor-executivo do MCC Brussels
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Esses esquerdistas devem saber que igualdade é um caminhão cheio de japonês
O progressismo é como a metástase do cancer e está se espalhando pelo mundo
O mundo tem que acabar.