Girando e girando no giro crescente
O falcão não pode ouvir o falcoeiro;
As coisas desmoronam; o centro não se sustentará;
Anarquia é lançada sobre o mundo,
Avança uma maré suja de sangue, e em todos os lugares
A cerimônia da inocência é abafada;
Aos melhores homens falta convicção, enquanto os piores
Estão cheios de intensidade apaixonada.
William Butler Yeats, A Segunda Vinda
Como falar de amargura sem ser amargo? Como falar de uma perda imensa, devastadora, se a natureza da perda afeta nossa própria capacidade de descrevê-la?
Como explicar o que aconteceu, de fato, no Brasil, nos últimos anos, e que continua acontecendo agora, sem, nesse processo, comprometer nossos direitos, nossa sanidade, nossa segurança e nossa liberdade?
Eis o fato essencial: a partir de 2014, o brasileiro renovou sua crença nas instituições e nas leis, e em sua validade, seriedade e permanência. Os brasileiros voltaram a se interessar por política. Um dos aspectos desse fenômeno é descrito como o renascimento da direita brasileira — sempre entendendo a direita como uma corrente política composta, majoritariamente, de liberais e conservadores, e aversa a todo tipo de autoritarismo.
Sem o registro de uma grande mídia profissional e imparcial, como saber o que realmente aconteceu na última década? Darei meu testemunho — o testemunho de quem foi participante de alguns dos principais eventos desses anos, como cidadão comum e, duas vezes, como candidato: primeiro a deputado federal (em 2018) e depois a vereador (em 2020). Meu “despertar” para a política acontecera em 2009, quando eu e um então amigo querido resolvemos embarcar na (insensata, porém maravilhosa) aventura de criar um partido político, que acabou se tornando o partido Novo.
Estive em todas as manifestações desde 2014. Andei no meio das multidões, subi em carros de som, discursei várias vezes, fui incluído em dezenas de grupos de WhatsApp. Fiz palestras do Rio Grande do Sul ao Amazonas, sempre sobre os mesmos temas: liberdade, segurança pública, combate à corrupção. Em resumo, sobre como mudar o Brasil. Nesse meio-tempo publiquei quatro livros.
Pouco importavam a perda de vidas ou o desastre econômico; o que importava era a chance de, desde o primeiro minuto, colocar a culpa de tudo que viesse a acontecer no presidente Bolsonaro
Discutíamos, sonhávamos e trabalhávamos por uma forma melhor de fazer política. Não pedíamos uma política pura, desinteressada, virginal; sabíamos que isso não era possível. Ainda assim, tínhamos a ousadia de desejar um sistema político em que os cargos mais importantes do país não fossem ocupados pelas piores pessoas.
Não é exagero dizer que o Brasil se embriagou de liberdade.
Tivemos conquistas importantes, inéditas — e acreditamos que essas conquistas durariam para sempre.
Acreditamos na criação de mecanismos que impedissem a impunidade de políticos corruptos. Acreditamos que diminuiria um pouco a distância entre as convicções que expressamos no voto e as ações dos eleitos. Acreditamos em uma Justiça que nos protegeria do crime violento e da corrupção, sem ceder às pressões de poderosos.
Essa crença não se limitou aos ativistas políticos ou às grandes cidades. Ao contrário, pela primeira vez, no tempo de nossas vidas, ela chegou a pessoas que nunca tinham se interessado por política.
Virou lugar-comum dizer isso, mas continua sendo a expressão de uma verdade profunda e de uma enorme surpresa para a minha cética geração: muitos brasileiros passaram a conhecer melhor a formação dos Tribunais Superiores do que a escalação da Seleção Brasileira.
Esse sempre foi, em nosso imaginário, o marco do momento em que o Brasil tomaria consciência de si próprio: a troca do futebol pela política como principal interesse.
Foi isso que ocorreu.
Entre as cenas que presenciei está uma conversa do porteiro-chefe de um edifício residencial com os porteiros auxiliares e serventes, na qual o porteiro-chefe explicava o que estava em jogo nas eleições de 2022. Suas explicações nada deviam, em informações e clareza, às de um bom cientista político.
Mas, enquanto o brasileiro comum se embriagava nas ruas com inéditos sentimentos de patriotismo, liberdade e justiça, longe dali, na penumbra de escritórios luxuosos, planejava-se com detalhe a reversão das conquistas daqueles anos.
Esses planos começaram a ser executados já no início do governo Bolsonaro.
A primeira decisão foi a de submeter o presidente a um impeachment a qualquer custo.
Então veio a pandemia, considerada uma dádiva pela esquerda; várias de suas lideranças afirmaram exatamente isso. Pouco importavam a perda de vidas ou o desastre econômico; o que importava era a chance de, desde o primeiro minuto, colocar a culpa de tudo que viesse a acontecer no presidente Bolsonaro e nas forças populares que o apoiavam.
Assim aconteceu na República Federativa do Brasil, da mesma forma que aconteceu nos Estados Unidos da América. A partir daquele momento, para a maioria da mídia e para o grupo político de oposição — apoiado pela intelligentsia e por ativistas judiciais incrustados em todas as instituições do Estado —, a verdade tornou-se um detalhe irrelevante e inconveniente.
Uma sequência de atos políticos e decisões sem precedentes aconteceu diante dos nossos olhos, ignorando as regras mais elementares e consolidadas sobre direitos civis, separação de Poderes, democracia e liberdade.
Tudo, claro, em nome de um certo Estado Democrático de Direito, expressão incansavelmente repetida, em tom de repreensão ou ameaça, por senhores carrancudos em discursos intermináveis. Era um lembrete de que, no Brasil, até a lógica mais elementar pode ser violada por poderosos, e qualquer coisa pode ser transformada em seu oposto, sem que seja necessário sequer mudar seu nome.
Assistimos à destruição da liberdade em nome da liberdade.
O véu caiu, e o Leviatã mostrou a face.
Até o quarto Poder — a imprensa — deu um salto triplo carpado e mergulhou de cabeça nessa piscina distópica, com a criação de um inédito consórcio de veículos de imprensa, unindo os principais veículos de mídia em um só, com o objetivo de descrever o que acontecia no Brasil, quase como o oposto do que realmente ocorria.
Esse “consórcio” de informadores, saído direto das páginas do livro 1984, de George Orwell, é responsável por pérolas imortais, como a “despiora da economia”, e pela técnica espetacularmente desavergonhada de apresentar uma informação positiva sempre terminada com “mas”, e seguida de alguma ponderação negativa, em geral irrelevante.
Talvez nunca tenha existido, em nossa acidentada história, um ataque com tanta virulência e abrangência contra tudo e todos que pudessem ser, ainda que remotamente, associados a um governo.
Esse ataque não poupou o cidadão comum, que foi às ruas aos milhões, vestindo camisa verde-amarela, enrolado na bandeira nacional. Ele foi ofendido e atacado na mídia, acusado de crimes e cancelado nas redes. Simples opiniões expressas em um grupo privado de WhatsApp produziram consequências gravíssimas.
Foi o esgarçamento de tudo.
O resultado foram eleições que permanecerão uma memória ruim para milhões de brasileiros pelo resto de suas vidas. Para eles, o ano de 2022 nunca terminou.
Restaram desânimo, desilusão e, em muitos casos, desistência da política.
Há outra consequência muito ruim.
Algumas pessoas, sem compreender as pressões que foram exercidas sobre veículos de mídia de direita, decidiram que eles deveriam ser ignorados ou cancelados, porque não conseguiam mais manter a linha editorial que sempre seguiram até as eleições de 2022.
Ou seja: além do ataque da esquerda, que incluiu incessante ativismo judicial e a atuação de grupos semiclandestinos pressionando pelo cancelamento dos contratos de anunciantes, os veículos de mídia de direita passaram a ser atacados também por setores da própria direita — atacados por terem sido vítimas das táticas da esquerda.
A queda de audiência nos poucos veículos de mídia de direita ainda existentes foi desastrosa; em muitos casos, fatal.
Estávamos embriagados de liberdade. Chegou a ressaca.
Com ela vieram o choque, a decepção, a tristeza, a incredulidade e, frequentemente, a depressão. Muitas pessoas, conscientes da importância dessa eleição para o Brasil, e compreendendo as consequências da vitória de um projeto da esquerda radical — desde a economia até a segurança pública —, perderam o rumo.
Nessa desorientação, muita gente decidiu se desligar de tudo.
É uma ressaca brutal, cruel, que acontece justamente quando os defensores da liberdade deveriam estar em mobilização máxima.
Não há a quem culpar.
É natural que aqueles que sofreram intimidação brutal e violação de direitos se recusem a participar de uma política que parece a encarnação da corrupção institucionalizada, uma articulação de poderosos para manter oprimida, desinformada e pobre a maior parte da população.
Vivendo uma farsa — derrotada, ameaçada e roubada de seus direitos: é assim que muita gente se sente hoje.
O que aconteceu no Brasil nos últimos meses desafia explicações.
Mas, um dia, explicações terão de ser dadas.
Ninguém fica de ressaca a vida inteira.
Leia também “A liberdade em Alagoas”
No brazil dá-se um passo pra frente e dez pra trás. Os abutres de plantão estão sempre à espreita, à socapa, prontos para dar o bote ou para se defender e, geralmente rindo da cara do zé povinho, como esses dois, kakay e zé dirceu, em Paris, é claro, porque ninguém é de ferro. Esse “consórcio de veículos de imprensa” é uma vergonha mas…..mas, tomem como exemplo esse o patético estudio i com aqueles cavaleiros da triste figura, venais, seguindo uma linha editorial totalmente lulista. O clima é fúnebre.
É a decadência visível dessa líder do “consórcio de veículos de imprensa” , a rede glóbulo, que puxa todas as outras para o abismo. Um passo pra frente com a revista Oeste. Resistamos!
Motta acompanho você em seus programas quase diários no Youtube e já comprei alguns de seus livros. Sua leveza nas verdades que assustam esse país é que me faz, também, acompanhar suas resenhas.
É preciso um “novo Despertar” caso contrário o país estará (ou sempre esteve) ao atraso proposital e cruel, em especial, aos mais pobres e ignorantes.
Que Deus nos ilumine e nos de forças contra essa ingrata realidade. Vamos resgatar o Brasil. Fora incompetentes, fora esquerdalha, fora corrupção.
Excelente dissertação da realidade brasileira. Lamentável o que estão fazendo com o nosso país.
Verdade. Jamais se abalar. Ninguém vive de ressaca a vida inteira.
Roberto Motta!
É muito triste a nossa situação. Parece que estamos vivendo um pesadelo!
Mas não podemos desanimar. Temos que continuar lutando e nos informando. Não vamos fazer o que os inimigos querem.
Agora é hora de levantar, sacudir a poeir e dar a volta por cima.
Tristemente verdadeiro seu belo texto. Só discordo em um ponto: temos a quem culpar sim , e sabemos exatamente a quem . Gostaria que o português fosse como o espanhol onde “ quem “ tem plural, pois são muitos esses culpados.
👏👏👏 Concordo em gênero, número e grau, Roberto! Salvei este artigo como um resumo do que vivemos na última década, no Brasil. Obrigado!
Excelente artigo! Bem que o Mota poderia fazer parte dos comentaristas do Oeste Sem Filtro. Fica a dica.
Fomos traídos e abandonados por aqueles que, um dia, haviam jurado defender a Pátria, os Poderes Constituídos, a Lei e Ordem.
Forças omissas entregaram o País nas mãos do inimigo.
Se o processo eleitoral não é confiável (uma vez que não é auditável), o que resta ão povo fazer agora?!
Nada, meu caro. Siga sua vida. Ganhamos algumas batalhas, mas perdemos a guerra. Voltamos aos anos 80, lembra? A melhor saída para o Brasil é o aeroporto. O último a sair apague a luz.
PERDEU MANE
PERDEU MANE
perdeu mane
NAOOOO
AMOLAA
KKKKKKKKKKK
O único veículo televiso supostamente de direita era a Jovem Pan, mas grandes nomes foram sendo demitidos. Quais sejam: Augusto Nunes, Guilherme Fiuza, Ana Paula Henkel, Cristina Graeml e dentre outros- ficou você e o Pavinatto. Daí não dá para tocar apenas com duas pessoas .
Motta,
Você traduziu, com triste perfeição, este tempo em que a perversisade está dominando esta Nação .
“…e não nos cansemos de fazer o que é certo, o bem.”
Exatamente Roberto… a ressaca vai acabar, pois não dura uma vida inteira e o desiludido logo perceberá que deve voltar a luta e talvez dessa vez numa luta de vida ou morte, afinal o movimento dos poderosos já mostrou suas garras e que estão dispostos a tudo para se manter no poder. A luta será muito maior após a ressaca, mas a esperança é que será por brasileiros que estarão com os olhos bem mais abertos e convictos de que será uma luta pela sua liberdade, que deverá ser reconquistada, sob pena de viver sob o chicote dessa podridão que hoje é representada por quem detém o poder político.
Ótimo texto
Seu artigo é triste!
Triste porque reflete, sem rodeios ou exageros, a realidade do que aconteceu e ainda está acontecendo!
Parabéns pelo seu texto, Motta… Mas eu gostaria muito de não o estar lendo agora ou jamais.
Prezado Roberto, teu entusiasmo com o “dia das explicações que terão que ser dadas” é importante para não perdermos a esperança, todavia não podemos nos esquecer que já para as eleições de 2024 teremos que ter o VOTO IMPRESSO ou AUDITAVEL. Não é possível que diante de tanta fragilidade das urnas eletrônicas observadas pelo Ministério da Defesa e por especialistas em tecnologia da informação que criaram essas mesmas urnas, continuemos com esse sistema inseguro e sem transparência.
Se nada for feito, breve as pesquisas da desinformação projetarão o tal do Boulos como vencedor para prefeito de São Paulo. Ai, poderemos prever os resultados das urnas eletrônicas. Vamos ser sérios e transparentes. Por que TSE e STF tem tanto medo do voto impresso acoplado às urnas eletrônicas, único meio de auditá-las?
Sou um desassistido de esperança de ainda terminar meus dias em país melhor.
Aos 66 anos não sei se terei forças psicológicas e condições físicas para trazer luz sobre um país com seu povo perdido nos tortuosos caminhos da política.
A República foi anunciada em 1889 mas até o momento não foi proclamada, porque o ato do Marechal Deodoro foi uma vingança pessoal contra Silveira Martins, indicado pelo Imperador para ser o Primeiro Ministro, que era desafeto de Deodoro por terem disputado o amor da mesma mulher.
Caro autor.. parabéns pela análise..
Me vejo no seu texto.. e infelizmente afirmo…O jogo acabou… a derrota é irreversível… e que cada um busque o que lhe for mais adequado.. porque nada mais pode ser feito!!
Hoje em dia, parece que o bonito é ser feio , isto vale para a política, onde o corrupto é venerado e apoiado pela população adestradas, por promessas que nunca serão cumpridas .
Caro Motta, já repeti centenas de vezes minha admiração pela tua inteligência e cultura. Você pintou um quadro com imenso talento. Eu sou um desses cidadãos que se sentem perdidos, roubados, desanimados. Não tenho mais idade para esperar a depuração natural do desastre que está sendo produzido. Espero que os jovens reajam…
É isso aí caro Roberto Motta!
Nada será como antes!
Caro Motta,
Estou entre esses que você descreveu. Sem rumo. Sem acreditar que essa ressaca vai passar ou que os eventos da eleição de 2022 serão explicados. Ficarão, como as pirâmides do Egito, sujeitos a interpretações diversas. Quem sabe, obra de extraterrestres.
Perfeito! Gostei da comparação!! Assim mesmo
Excelente!!!
Excelente artigo, Motta !!! STF e TSE os grandes articuladores do que estamos vivendo hoje. Levaram o país ao desastre total, um desgoverno que não tem a menor chance de dar certo. Gente corrupta e desqualificada, calar o povo é o foco dessa quadrilha e do STF. Socialismo na veia.
E mais ou menos por aí. Agora, conhecendo mais profundamente o inimigo, as batalhas devem ser melhor desenhadas em estratégias de longo prazo. O inimigo é perigoso e falso. Ele quer a morte de quem é contra. Do outro lado não existe este dogma de prender, perseguir e até queimar em praça pública. No entanto, agora desvendado o último véo que encobria a face oculta é possível conhecer com quem se deve combater.
Minha triste realidade. Perfeita análise Motta!
É Mota, agora é rezar para que até 2026 apareça algum movimento que expulse essa regime comunista do Brasil, a tarefa não é fácil, está tudo tomado pela esquerda, do judiciário a imprensa tradicional, infelizmente, só Deus pra ter misericórdia.
Correta análise, descontada a polpa do q ficou d bom desses anos d imensas manifestações populares. Vamos em frente. Não desistiremos do Brasil, mesmo vivendo quem sabendo um dia, em Marte
Texto bonito. Um pouco romântico. Quando os liberais e conservadores acordaram, as instituições do país já estavam aparelhadas no PT, por isso não creio que o silêncio de hoje seja ressaca. É ditadura, mesmo. Todo o mundo já sabe o que significa “democracia” quando sai da boca da esquerda. Perdemos. O restante da história todo o mundo já sabe: tradicionalmente, no Brasil, é cada um por si. Quem tem condições vai embora do país, e quem não tem como sair vai viver à revelia do governo, sob a lei da sobrevivência.
Essa desgraça toda e fruto da inversao de valores arquitetada pelo stf.
Perfeito seu comentário. É Ditadura! É medo! Pessoas ainda estão sendo presas por dar opinião. Temos família e filhos dependentes… O medo é o pior dos inimigos, e eles o usam sem moderação. STF dizendo “temos muita gente ainda pra prender”, horripilante, ditadura das mais sombrias, não há a quem recorrer.
Tirando a defesa velada ao duplo twist carpado da Jovem Pan após as eleições, no mais é um excelente e esperançoso artigo. Inclusive esperança de que teremos um dia mais veículos de comunicação como este, com pessoas com firmeza moral e coragem para fazer frente a este momento tenebroso.
Excelente artigo.