Exigir responsabilidade dos poderosos. Esse é o velho clichê sobre o papel da mídia, repetido religiosamente por oportunistas em toda parte. Mas, na recente entrevista tão comentada da BBC com o dono do Twitter e segundo homem mais rico do mundo, Elon Musk, publicada pela própria BBC e transmitida ao vivo pelo “Spaces”, no Twitter, pareceu ser o contrário. A entrevista foi tão espetacularmente ruim que seus momentos mais memoráveis envolvem Musk exigindo responsabilidade do entrevistador, o repórter de tecnologia James Clayton, da BBC norte-americana. E não sem razão.
Elon Musk se tornou uma bête noire das novas elites, só por afirmar que vai tornar o Twitter um fórum mais aberto e mais livre. O que deixou a categoria dos jornalistas especialmente alarmada. Na nossa era de populismo e redes sociais, a mídia mainstream chegou à constatação aterrorizante de que não é mais a guardiã da informação e da verdade — até porque o escândalo pós-2016 gerou tanta desconfiança sobre ela. Então, desde Trump e do Brexit, os jornalistas passaram a exigir que as empresas de tecnologia reprimam os dissidentes e os desprezíveis. E, desde que Musk comprou o Twitter, no ano passado, prometendo acabar com seu regime de censura, os jornalistas da grande mídia ficaram loucos.
A BBC ficou especialmente revoltada. Marianna Spring, correspondente “especializada em mídias sociais e desinformação”, produziu uma série de reportagens que retrata o Twitter de Elon Musk como um cenário infernal de intolerância, afirmando que a anistia concedida às contas banidas levou a um tsunami de “ódio”. A emissora também ficou em polvorosa no começo da semana, quando o Twitter decidiu acrescentar “mídia estatal” ao seu perfil principal. (A BBC prefere “pública”, ainda que as milhares de pessoas que são processadas todo ano por se recusar a pagar a taxa de licenciamento tenham dificuldade de entender a distinção.) Essa suposta provocação ultrajante fez Clayton solicitar uma entrevista, que Musk surpreendentemente aceitou.
Essa entrevista desastrosa sem querer expôs a hipocrisia da mídia, em se tratando de “desinformação”. Quando os embusteiros protestam contra os vendedores de mentiras do mundo on-line, eles implicitamente se colocam como fontes factuais confiáveis
Durante a conversa de 90 minutos, que pode ser vista aqui, Clayton seguiu a linha de Spring, questionando Musk sobre a suposta proliferação do “discurso do ódio” na sua plataforma. Em um momento angustiante que acabou viralizando, Clayton afirma que seu próprio feed ficou cheio dessas coisas. Musk então pede repetidas vezes que ele dê um único exemplo desse discurso de ódio, mas Clayton não conseguiu citar nenhum. Quando pressionado, ele apenas apontou um conteúdo “levemente sexista” que apareceu para ele. A essa altura, Musk perguntou se Clayton achava que um conteúdo “levemente sexista” — independentemente de como isso seja definido — deveria ser banido do Twitter. Clayton então balbuciou um pouco, antes de mudar de assunto.
A cena foi reveladora em muitos níveis. Nela vimos um jornalista tão acostumado a impor “A Narrativa” que, pelo jeito, não tinha conhecimento dos fatos. E, mais importante, mostrou que, apesar de lançar uma cruzada de anos pela censura das redes sociais, em especial contra o chamado discurso de ódio, a mídia corporativa é aparentemente incapaz de definir o que é esse discurso de ódio. Claro, porque ninguém consegue fazer isso — pelo menos, não objetivamente. O discurso de ódio de um homem é a convicção mais arraigada de outro. E é por isso que dar poder ao Estado ou a grandes corporações para definirem e censurarem o discurso de ódio é tão perigoso. Pelo jeito, essas questões nunca ocorreram a James Clayton, que fica incomodado com tudo o que expressa algo “levemente” odioso em sua timeline.
O questionamento que veio em seguida — que se concentrou na suposta incapacidade do bilionário de policiar a “desinformação” — foi outro constrangimento espetacular. Musk argumentou que eliminar os robôs do Twitter, além de um novo sistema que permite que os usuários refutem — mas não apaguem — afirmações potencialmente duvidosas, foi uma forma muito melhor e muito mais liberal de lidar com quaisquer embusteiros mal-intencionados. “Quem pode dizer que algo é desinformação, quem pode arbitrar? A BBC?”, ele perguntou. Musk afirmou que confiava mais no discernimento dos usuários do que na suposta qualificação dos jornalistas — outro round que o pobre James perdeu — antes de perguntar se Clayton achava que a BBC já havia divulgado inverdades — algo com que o jornalista acabou concordando.
Essa entrevista desastrosa sem querer expôs a hipocrisia da mídia, em se tratando de “desinformação”. Quando os embusteiros protestam contra os vendedores de mentiras do mundo on-line, pelo jeito com a facilitação do Twitter de Elon Musk, eles implicitamente se colocam como fontes factuais confiáveis. Mas, conforme a grande mídia se torna cada vez mais politizada, em especial depois da ascensão do populismo, ela diversas vezes acaba divulgando besteiras partidárias em vez de relatar fatos. É por isso que o editor de meio ambiente da BBC passou a afirmar que mortes relacionadas a questões climáticas estão aumentando — ainda que o exato oposto esteja acontecendo. E é por isso que a BBC News insiste em chamar um criminoso violento de mulher, apenas porque ele se “identifica” como mulher.
Elon Musk deve ser “responsabilizado” por muita coisa quando se trata da administração do Twitter. Acima de tudo, estão as inconsistências dele a respeito da liberdade de expressão. Ainda que o Twitter sem dúvida seja um espaço mais liberal desde que Musk o assumiu, ele tomou uma série de decisões precipitadas, repressoras e, aparentemente, em benefício próprio. O que reforça que a definição do que é liberdade de expressão na internet realmente não deve ficar à mercê dos bilionários que são donos dela. Clayton tentou abordar essas hipocrisias, mas não deu certo. Como poderia ter dado? Apesar de seu enorme poder, Elon Musk pelo menos hesita antes de investir contra opiniões das quais ele discorda. Não se pode dizer o mesmo da nossa mídia repressora e sem noção.
Tom Slater é editor da Spiked
Ele está no Twitter: @Tom_Slater_
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Clayton redefiniu a expressão “vergonha alheia”. Despreparado, foi amassado por Musk, preparado e inteligente. A BBC definha. Pena.