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Ricardo Nicodemos, presidente da ABMRA | Foto: Divulgação
Edição 163

‘O agro precisa virar uma paixão nacional’

Presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agro, Ricardo Nicodemos vai lançar o projeto Marca Agro do Brasil, que tem como objetivo fazer o campo conversar com a cidade

Artur Piva
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A Associação Brasileira de Marketing Rural e Agro (ABMRA) quer transformar a forma como a população enxerga o agronegócio, conectando a cidade ao campo. A estratégia é mostrar as facilidades que a agropecuária entrega para a vida cotidiana e estabelecer uma conexão entre o produtor rural e o consumidor final. 

“A missão é fazer do agro uma paixão nacional, como são o futebol e o Carnaval”, explicou Ricardo Nicodemos, 55 anos, presidente da ABMRA. Ao lado de uma equipe de especialistas, o publicitário organizou um plano de ação baseado em muita pesquisa de opinião de mercado. 

O resultado é o projeto Marca Agro do Brasil. A iniciativa nasce com o apoio de algumas instituições tradicionais, que fazem parte de seu conselho. Entre elas, a Associação Brasileira do Agronegócio; o Centro de Inteligência da Carne, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. 

Oeste conversou com Nicodemos para entender o que o brasileiro médio sabe sobre a lida no campo e qual o caminho proposto para despertar admiração por esse segmento. Confira os principais trechos da entrevista. 

Ricardo Nicodemos | Foto: Divulgação
Por que o agronegócio precisa se comunicar melhor? 

Percepções. Quem tem uma percepção equivocada passa a considerá-la uma realidade. Comunicar-se é importante para mostrar a verdade e para criar uma conexão. E também para contar a sua própria versão da história. Em terceiro, para ter a admiração da população. É quase inimaginável que um ramo tão importante não seja visto dessa forma. É preciso valorizar o trabalho do produtor rural, daquela família que produz o alimento, além de fornecer centenas de matérias-primas que abastecem as indústrias, sejam elas de calçados, roupas, livros etc. Tudo isso vem do agro. E a população não tem a obrigação de saber essas coisas, ainda mais se eu não comunico bem esses fatos. 

A população conhece a participação do setor na vida cotidiana? 

Ainda não. Fizemos um levantamento com diversos segmentos da população, e num determinado momento desse diagnóstico nós conversamos com mães e crianças. Perguntamos a elas de onde vinha o leite que a pessoa tem em casa e de onde vem a batata frita. Invariavelmente, a resposta era: “Do supermercado”. Com um pouco de insistência, os entrevistados chegavam até a indústria. Muito raramente, o produtor rural apareceu na história. Eles não ligam o leite à ordenha de uma vaca, realizada por uma família que acordou às 4 horas da manhã para fazer esse trabalho. A mesma coisa acontece com a batata, que não vem simplesmente da indústria. Alguém teve de plantá-la e regá-la, antes de chegar, por exemplo, aos fast-foods

Como o McDonald’s, por exemplo, se insere no agronegócio? 

Todas as redes de fast-food, como o McDonald’s, são linhas de montagem da agropecuária. Elas não existem sem a produção rural. Não há indústria de alimentos sem a agricultura e a pecuária. 

Não há indústria de alimentos sem a agricultura e a pecuária | Foto: Shutterstock
De quem é a missão de mostrar isso para a população? 

Precisamos reunir toda a cadeia produtiva do agronegócio nessa missão — da produção da matéria-prima, no campo, à indústria de transformação. Ela é ampla, tem início nos institutos de pesquisa, como a Embrapa e as universidades. Na sequência, está a indústria de insumos, que fabrica, por exemplo, os tratores, as ferramentas e os adubos. Depois, existem as revendas, como as casas agropecuárias, que fazem esses produtos chegarem até o campo. Aí, chegamos ao produtor: tudo o que acontece dentro da porteira — agricultura e pecuária. Em seguida, o que acontece fora da porteira: as cooperativas e as indústrias transformadoras, com vários itens que usamos diariamente, como alimentos, roupas, calçados, energia e papel. A partir daí, existem os distribuidores — das lojas aos shoppings centers. Todos os agentes que vão até o consumidor têm todo o interesse de fazer com que o agronegócio seja valorizado. 

Qual é a maior mentira contada sobre a produção agrícola atualmente? 

Que ela não é sustentável. A produção rural é, sim, sustentável e caminha cada vez mais nesse sentido. Temos muita coisa para fazer, mas já avançamos bastante. Para se ter noção, quando questionados sobre o assunto, 87% dos produtores rurais responderam que têm consciência e preocupação com sustentabilidade. Existem também outras desinformações que precisam ser desmentidas.  

“A verdade é que o Brasil é uma das nações com menos uso de defensivos por metro quadrado e tonelada produzida e uma das menores quantidades de resíduos químicos nos alimentos”

Qual outra desinformação você destacaria? 

Um exemplo é a questão dos defensivos agrícolas. Esse é um caso mais elaborado. Não é mentira que o Brasil é um dos maiores consumidores desses produtos no mundo. Porém, esse é apenas um pequeno pedaço da verdade, que visto assim prejudica a imagem desse ramo. A história completa é que o Brasil está nessa lista porque é o único país que tem três safras no mesmo espaço, no mesmo ano, pratica a agricultura em área tropical (o que aumenta o surgimento de pragas) e, ainda assim, tem um dos menores usos desses mesmos defensivos por metro quadrado e por tonelada produzida. Os alimentos nacionais estão entre aqueles com o menor resíduo químico.  

A produção rural é, sim, sustentável e caminha cada vez mais nesse sentido | Foto: Shutterstock
Como combater essa desinformação? 

Contando a história completa e na ordem certa: ‘O Brasil é uma das nações com menos uso de defensivos por metro quadrado e tonelada produzida e uma das menores quantidades de resíduos químicos nos alimentos. No país, são feitas três safras por ano em áreas de clima tropical, o que propicia o surgimento de pragas. Por isso, em volume total, estamos entre os maiores consumidores de defensivos no mundo. Essa sequência muda a percepção. 

De modo geral, os brasileiros enxergam o agronegócio como algo positivo? 

A cada dez brasileiros, sete têm uma atitude positiva em relação ao setor. Isso significa que as pessoas estão com um pensamento bom sobre o assunto. A maioria olha o agro como um grande gerador de riquezas para o país e um motivo de orgulho para o brasileiro. Além disso, eles consideram o segmento inovador, apesar de não saberem dizer como. Mas eu tenho os outros três com propensão a boicotar e falar mal. O mais alarmante é que 51% deste grupo têm entre 15 e 29 anos. São jovens. Essa porção acha o setor retrógrado, atrasado, sem inovação. Ou seja, existe uma grande missão: mostrar toda a tecnologia embarcada, como os tratores com cockpit que mais parecem de espaçonaves, com pura tecnologia de mecatrônica e design. 

Quais fatores levam a essa hostilidade? 

Nosso estudo mostrou alguns desses fatores. O primeiro é o desconhecimento. O setor não leva a informação para criar o ambiente de conhecimento. O segundo fator são as distâncias físicas e sociais. Nem todo mundo tem um amigo ou parente que trabalha no campo, isso é o afastamento social. O físico é que existe muita gente que não conhece a produção rural, nunca visitou um sítio ou passou férias em um hotel-fazenda. Esse público se torna vulnerável ao consumo de informações sem critérios. 

Qual a resposta que a ABMRA pode dar para mudar isso? 

Depois de fazermos um levantamento sobre as percepções que o brasileiro tem do agronegócio, desenhamos o projeto Marca Agro do Brasil, um plano de trabalho que também envolve campanhas. Nosso objetivo é transformar o setor em uma paixão nacional, como o futebol e o Carnaval são hoje. É um projeto multidisciplinar para atuar em várias frentes, começando pela pré-escola. Queremos mostrar para todas as faixas etárias o que é o agronegócio do Brasil. Se precisar, vamos fazer até dancinhas em plataformas digitais para a informação chegar a quem precisa. 

Por que começar pela pré-escola? 

O produtor é um herói sem capa que passa 365 dias por ano trabalhando para gerar alimento ou matéria-prima. Se a gente não mostrar que alguém ordenha a vaca, a criança vai continuar achando que o leite vem da indústria. Precisamos mudar isso, para despertar o orgulho pelo agronegócio.  

Como falar com as crianças? 

No projeto, há um grupo de profissionais especialistas em metodologias de ensino trabalhando para isso. Vamos entregar à criança a mesma informação levada ao adulto, mas com linguagens diferentes, adequadas para aquela faixa etária. 

 

Agronegócio Lula
O agronegócio fornece alimentos e facilidades para o nosso dia a dia | Foto: Reprodução/EasyFarm
Esse projeto vai abarcar também o exterior? 

O brasileiro ainda não sabe que ele pode ser o grande responsável pela segurança alimentar do planeta. Isso mostra que primeiro nós temos de fazer a lição de casa. É nisso que estamos focados, o que demora de cinco anos a uma década. Queremos chegar a 95% da população com uma atitude positiva pelos produtores rurais, os grandes astros. Temos de mostrar a imagem deles como nos filmes norte-americanos, vistos com admiração. 

Quando é o pontapé inicial do projeto Marca Agro do Brasil? 

Passamos pela fase de diagnóstico. Ela começou em 2021 e fechou em 2022, com a execução da pesquisa “Percepções sobre o agro, o que pensa o brasileiro”. Depois, teve início o trabalho de planejamento, em que criamos a Marca Agro do Brasil. Agora, implantamos dez conselhos. Entre eles, o de especialistas, em que estão nomes conhecidos, como o de Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura entre 2003 e 2006; Xico Graziano; José Luiz Tejon; e Marcos Fava Neves. Também temos os conselhos de associações e de cientistas. Buscamos o que existe de melhor no setor, são cerca de cem pessoas trabalhando. 

De onde virá a verba para bancar todo o projeto? 

Da iniciativa privada. De toda a cadeia produtiva do agronegócio. Desde aquelas empresas que produzem os insumos, passando pelos produtores rurais, até as indústrias de transformação, como as de alimentos e papel, e o segmento de distribuição. Todos eles têm interesse em promover a boa imagem do agronegócio. Nosso cronograma é que em julho tenhamos o projeto pronto para a captação de recurso. 

Qual é a grande verdade ainda não contada sobre a produção rural que estará no projeto? 

Que o agronegócio faz nossa vida melhor. Ele fornece alimentos e as facilidades do nosso dia a dia. O campo nos fornece matéria-prima para roupas, calçados, cosméticos, energia limpa e muitas outras coisas. Sem o setor, não teríamos nem o pneu para o carro.   

Leia também “O gênero neutro é uma violência contra a língua portuguesa”

5 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Muito bom. Que seja sucesso esta iniciativa.

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Ótima iniciativa. Nasci na roça, vivi lá até meus 10 anos e ainda tenho tios e primos na lida do campo.
    Dias atrás li aqui mesmo na Oeste que o país fica preocupado com o agro enquanto esquece a área de tecnologia.
    Essa pessoa precisa de esclarecimentos urgente. Sem o desenvolvimento de tecnologias o país não teria saído de importador de alimentos até a década de 70 para 50 anos depois se transformar em um dos maiores exportadores do mundo.
    O nível de desinformação é assustador. Um grande contingente de jovens de 15-29 anos não sabe o que é EMBRAPA e pior muitos nunca ouviram falar nesta autarquia que transformou o agro brasileiro em potência mundial.

  3. Giovani Santos Quintana
    Giovani Santos Quintana

    Parabéns pela excelente matéria. Só um asno não consideraria esse tema tão sublime e importante, e tem viu…

  4. Eleonara Leal De Castro
    Eleonara Leal De Castro

    Maravilhoso artigo! Parabéns pelo projeto! Sucesso!!

  5. Manfred Trennepohl
    Manfred Trennepohl

    Parabéns pela iniciativa. Já faz tempo que um trabalho desses se faz necessário. Embora o Brasil tenha sua origem na agricultura e pecuária, a sociedade brasileira realmente desconhece os benefícios que este segmento traz para o ser humano. Dentre os entraves para que os benefícios que este segmento produtivo traz para a sociedade sejam mais conhecidos, são as campanhas difamatórias dos grupelhos ideológicos promovem em vários segmentos, tanto educacional, cultural e artístico.

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