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Rei Charles III | Foto: Salma Bashir Motiwala/Shutterstock
Edição 164

Rei Carlos: um governante reacionário

O monarca verde e místico abriga uma profunda desconfiança da modernidade, da ciência e da liberdade

Tim Black, da Spiked
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Durante grande parte de seus mais de 50 anos como Príncipe de Gales, Charles foi visto como um pouco excêntrico. Ele promovia a homeopatia em detrimento da medicina moderna. Uma vez, foi obrigado a negar rumores de que estava “se envolvendo com o ocultismo”. E, é claro, ele constantemente expressava suas visões profundamente ecológicas.

Quando, em 1970, o então príncipe de 21 anos alertou sobre o dano que a humanidade estava causando às plantas, às árvores e a “qualquer outro animal que muitas vezes têm a infelicidade de compartilhar esta Terra conosco”, a imprensa e o público ficaram perplexos. Quando Charles revelou, 16 anos depois, que falava com suas plantas para ajudá-las a crescer, gargalhadas varreram o país.

Retrato do então príncipe Charles, tirado no Palácio de Buckingham | Allan Warren/Wikimedia Commons

Em resumo, o homem que foi coroado rei neste fim de semana era visto como alguém com algumas ideias estranhas. Um pouco “maluco”, como Charles mesmo lembrou em 2020 — o que era uma maneira de descrever alguém que, segundo rumores, viajava para todos os lugares com seu próprio assento sanitário. O programa satírico Spitting Image foi ainda mais duro, caricaturando-o como um ingênuo simplório, conversando com plantas em vasos enquanto esperava interminavelmente seu tempo no trono. Um artigo do Daily Mirror de 1984 imaginou o futuro Rei Carlos como uma espécie de hippie aristocrático, sentado “de pernas cruzadas no trono, vestindo um caftan e comendo granola”.

Mas, nas últimas décadas, o tratamento dado a Charles mudou consideravelmente. Pelo menos entre nossas elites políticas, culturais e midiáticas, o riso que antes seguia cada uma de suas intervenções públicas deu lugar ao que é mais precioso para um monarca — a reverência. Este antigo sussurrador de plantas foi efetivamente reabilitado como fonte de sabedoria ambientalista. Agora é dito que ele é “premonitório”, “perspicaz”, um “profeta verde”. “Ele se antecipou às mudanças climáticas, se antecipou à agricultura ecológica, se antecipou a todas as questões que agora parecem estar no Zeitgeist“, declarou a confiavelmente simplória Emily Maitlis logo após Charles se tornar rei.

Este é o Rei Charles III como ele aparece para os que pensam certo. Ele é agora um corajoso revelador da verdade, alguém cujo pensamento ecológico era muito avançado para ser apreciado por seus futuros súditos na época. Ele é um visionário, um vidente, alguém que não está apenas do lado certo da história, mas em sua vanguarda.

Para Charles, assim como seus mentores tradicionalistas, os dois fundamentos do mundo moderno — o crescimento da autonomia individual e o nosso aumento no domínio da natureza — são vistos como a causa da nossa iminente queda

Na verdade, nenhuma das imagens de Charles se aproxima da realidade. Ele nunca foi tão “maluco” como talvez pensássemos antes. Mas também não é tão sábio e progressista como nossas elites agora afirmam. Se quisermos levar a sério o pensamento de Charles hoje, ele precisa ser entendido como um reacionário. E não apenas qualquer tipo de reacionário. Ele é um reacionário radical. Alguém totalmente oposto ao desenvolvimento do mundo moderno nos “últimos quatro séculos”, como ele próprio o coloca. Ele detesta o “racionalismo científico” da era moderna, seu “pensamento mecanicista” e, acima de tudo, sua “liberdade”.

Rei Charles III, com Vaclav Havel e Klaus Schwab, na reunião Anual do Fórum Econômico Mundial, em 1992 | Foto: Wikimedia Commons
Reação verde

A oposição de Charles à modernidade não é surpreendente. Como monarca, ele agora está à frente de uma instituição pré-moderna, baseada na antiquada noção do direito divino de governar. Ela persiste em desafio aos grandes avanços da modernidade — liberalismo e democracia. É, usando a linguagem de nosso tempo, antimoderna de forma institucional e sistêmica.

Também não é surpresa que a rejeição de Charles à modernidade tenha tomado uma forma ambientalista, desde seu primeiro discurso público, em 1970 em diante. Afinal, o ambientalismo pode ser apresentado como “progressista” hoje em dia, mas historicamente tem sido uma ideologia fundamentalmente reacionária. Originado no contrailuminismo, e no trabalho de Thomas Malthus em particular, ele consistentemente apelou aos radicalmente conservadores, precisamente porque propõe limites naturais ao desenvolvimento material, social e político.

O primeiro discurso de Charles, em 1970, pode ser elogiado por estar à frente de seu tempo — nesse caso, por chamar a atenção para o problema das “garrafas não retornáveis e dos recipientes de plástico indestrutíveis” e por sua ênfase no problema da poluição. Mas o que é realmente impressionante sobre ele hoje é quão erradas suas previsões se mostraram. Ele até apresentou aquele clássico absurdo malthusiano da “superpopulação”. “Em muitos lugares, o número de pessoas está aumentando mais rapidamente do que os recursos do ambiente local podem lidar”, disse ele. “Há duas principais escolas de pensamento aqui. Uma é que nada precisa ser feito em relação à população, porque a natureza está destinada a reagir produzindo uma praga ou um vírus, e a outra é que algo certamente precisa ser feito pelo homem para evitar sua superpopulação.”

Princípe Philip | Foto: Michel Claude/Wikimedia Commons

Como agora é abundantemente claro, o crescente aumento da população mundial não trouxe a fome nem a escassez sobre as quais tantos ambientalistas alertaram na década de 1970. Pelo contrário, de lá para cá, testemunhamos uma redução impressionante da pobreza e ganhos maciços na expectativa de vida. O ambientalismo juvenil de Charles, com seus sonhos de pragas e controle populacional, dificilmente é um sinal de sua perspicácia. É um sinal de sua reação.

Esse pessimismo verde provavelmente foi passado por seu pai, o Duque de Edimburgo. Um presidente em tempo parcial do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), o Príncipe Philip era havia muito tempo um ardente conservacionista e frequentemente reclamava que havia gente demais no planeta. Em 2009, ele até disse que gostaria de ser reencarnado “como um vírus mortal”, para “contribuir para resolver a superpopulação”.

Mas Charles nunca representou apenas uma continuidade. Ao contrário de outros desinteressados membros da família Windsor, ele cultivou ativamente seus instintos reacionários. Como graduando em Cambridge, estudando arqueologia e antropologia, ele foi atraído por culturas não ocidentais como alternativas à modernidade do Ocidente. Após se formar, adotou entusiasticamente o tratado anticrescimento de E.F. Schumacher, Small Is Beautiful. No fim de 1973, ano da publicação de Small Is Beautiful, Schumacher visitou o Palácio de Buckingham.

Há uma influência ainda maior na trajetória reacionária de Charles do que mesmo Schumacher ou o malthusianismo de seu pai — o Tradicionalismo, uma obscura escola de pensamento nascida no início do século 20. É graças à sua imersão gradual no Tradicionalismo que ele se vê como um homem com uma missão espiritual para derrubar o mundo moderno.

Livro Small Is Beautifull, de E.F. Schumacher | Foto: Divulgação
“Uma grande batalha”

Como projeto intelectual, o Tradicionalismo foi forjado em oposição direta a todas as espécies de modernidade, do liberalismo ao comunismo, durante os anos tumultuosos políticos e sociais dos anos entre as grandes guerras mundiais. Seu fundador foi um filósofo e orientalista francês chamado René Guénon. Antes da Primeira Guerra Mundial, a desilusão de Guénon com a sociedade francesa do fin de siècle o levou a flertar com o ocultismo. Após a guerra, isso explodiu em uma rejeição em grande escala da sociedade moderna. Ele não mais buscou o sobrenatural como alternativa. Buscou as religiões do Oriente e, em particular, o Islamismo. Argumentou que essas fés contêm fragmentos de um conjunto sagrado de ensinamentos, uma fonte divina de verdades metafísicas atemporais. Esses ensinamentos são a tal “Tradição”, e às vezes são conhecidos como “tradição perene”.

De acordo com Guénon, esta Tradição uma vez teve um forte domínio sobre as sociedades antigas. Os antigos, seguindo a Tradição, efetivamente viviam na verdade, suas vidas permeadas por um sentido da ordem sagrada das coisas. Mas isso foi antes de tudo dar errado. Guénon baseou-se na crença hindu de que a história humana sempre passou por quatro eras distintas, desde a era de ouro até a era escura e depravada. E ele afirmou que o Renascimento e o advento da modernidade marcaram a descida do nosso próprio ciclo para a escuridão. A partir desse ponto, argumentou ele, perdemos todo o senso do sagrado, todo o contato com a Tradição.

Em seus textos mais significativos, A Crise do Mundo Moderno (1927) e O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos (1945), as narrativas familiares da história ocidental são revertidas. A emancipação da autoridade religiosa é apresentada como escravização ao materialismo sem alma. O Iluminismo é apresentado como uma obscurantismo. O progresso é apresentado como regresso. Para Guénon, o homem moderno vive em meio a uma crescente desordem e caos, sua sociedade governada por imperativos racionais em vez de fins sagrados. Pela quantidade em vez da qualidade.

René Guénon | Foto: Wikimedia Commons

Como observa o historiador intelectual Mark Sedgwick, a filosofia de Guénon também foi uma ideologia política radical. Na verdade, foi desenvolvida em uma direção distintamente fascista por Julius Evola, um artista italiano, escritor e às vezes amigo de Mussolini. Mais recentemente, tem sido defendida pelo nacionalista russo Alexander Dugin e pelo ideólogo de Trump, Steve Bannon. Para a direita radical, o Tradicionalismo apresenta a sociedade moderna como uma partida da ordem sagrada e natural — ou seja, de como as coisas deveriam ser. E, apesar do fatalismo de sua ideia cíclica de história, ele implica simultaneamente a necessidade de retornar a outro modo anterior de existência social. Promete uma revolução conservadora.

Afinal, na descrição de Guénon, o mundo moderno parece infernal. O trabalhador industrial é “um corpo sem alma”. O homem em geral é o servo da máquina. O ideal da igualdade eleva as massas a posições “para as quais [elas] não estão minimamente aptas”, e a democracia leva à “exclusão de toda competência real… [que] pertence necessariamente a uma minoria”. Era possível, escreveu Guénon em 1930, imaginar o “Ocidente acabando em autodestruição”.

O apelo de tudo isso para um reacionário como Charles deve ser óbvio. O Tradicionalismo de Guénon falava de uma era antes do pecado original na qual o homem se curvava diante da autoridade do sagrado, assim como os súditos poderiam ter sido esperados para se curvarem diante da autoridade divina do rei — o Tradicionalismo é, acima de tudo, uma doutrina da autoridade pré-moderna. E, assim como o ambientalismo, o Tradicionalismo evoca a modernidade como a queda, um período de declínio espiritual e cíclico que certamente terminará em catástrofe.

Através de uma lente tradicionalista, Charles conseguiu transformar suas visões reacionárias em algo que soa heroico, até mesmo messiânico. Ele é a voz do sagrado em um mundo caído. Na verdade, em 2006, ele fez um discurso gravado para a Conferência da Rede Sagrada, organizada por uma revista tradicionalista norte-americana. Ele disse que é “por meio de nossa compreensão e apego às normas tradicionais de doutrina metafísica e prática espiritual que podemos, em medida, transcender a influência funesta da descida que é o esgotamento e o fim eventual de nosso ciclo de história e nos preparar para o início do próximo”.

Isso soa como algo que poderia ter vindo de David Koresh. Ou de um comunicado de imprensa do Extinction Rebellion. Mas veio do então futuro monarca do Reino Unido.

A iniciação de Charles no Tradicionalismo parece ter chegado nos anos 1980 pelas mãos de associados de Laurens van der Post, um autor sul-africano e às vezes etnógrafo. De acordo com um biógrafo, Post e seu círculo lisonjearam Charles, ao levá-lo a sério. Eles conversaram com ele sobre sua vocação espiritual, sobre a importância de restaurar uma antiga unidade espiritual com a natureza. Eles o bombardearam com trechos de filosofia, explicaram sua crítica à arquitetura moderna e o apresentaram aos mistérios do credo adotado por Guénon do sufismo, uma forma de misticismo islâmico.

Esse encontro duradouro com o Tradicionalismo moldou e aprofundou a antipatia do rei em relação à modernidade. Deu-lhe uma nova linguagem além da do ambientalismo convencional. Ele ainda fala sobre problemas ecológicos. Mas agora os vê, como ele colocou em 2010, como “consequências de um problema muito mais profundo que se resume ao que eu chamaria de ‘crise de percepção'” — ou seja, um problema a que Guénon se referia como a “mentalidade moderna”.

Podemos ter rido das excentricidades com jeito de jardineiro de Charles. O contato e as conversas com a natureza. O chamado aparentemente absurdo por um retorno aos métodos agrícolas pré-modernos. Seu terror ao ver saquinhos plásticos. Mas isso resultou que não foi um hobby aleatório de Charles, um passatempo ou um pecadinho do príncipe perpétuo. Fazia tudo parte de sua luta metafísica e espiritual com o mundo moderno. “A batalha por nossa renovação”, escreveu Post para Charles, “pode ser liderada da maneira mais natural por um dos poucos grandes símbolos vivos ainda acessíveis a nós — o símbolo da coroa”.

governo remunerar serviços ambientais
Foto: Leonardo Milano

Charles, como todo bom tradicionalista, parece realmente acreditar que está lutando uma batalha espiritual, talvez até mesmo maniqueísta, contra as forças da modernidade. Em um elogio dado em 2003 no funeral da poeta Kathleen Raine — fundadora da Academia Temenos, adjacente ao tradicionalismo, da qual Charles é patrono —, ele falou sobre como ela o ajudou a “lutar a grande batalha”. Ele citou a aprovação ao conselho dela: “Caro príncipe, não dê a essa escória um centímetro de terreno, nem um fio de cabelo; mantenha-se firme no terreno sagrado do coração. A única maneira de lidar com as forças malignas do mundo deles é em um nível mais alto, não encontrá-las em seu próprio nível”.

É assim que Charles moldou sua missão — como uma grande batalha em prol do sagrado contra as forças do mal da modernidade. Em seu discurso na Sacred Web Conference, ele elogiou a “crítica de Guénon às falsas premissas da modernidade”. Ele então argumentou que a humanidade foi “arrancada” pela modernidade e perdeu de vista sua verdadeira relação com o sagrado. Ele concluiu alertando “sobre a chegada de uma Idade das Trevas, uma era em que nossa ignorância e arrogância — uma combinação perigosa, com certeza — nos levarão, de fato, podem já ter nos levado, para a catástrofe”.

Seu livro de 2010, Harmony: a New Way of Looking at Our World, coescrito com Ian Skelly e Tony Juniper, é uma explanação muito mais longa e tediosa sobre o mesmo tema. Nas sociedades ainda governadas pela Tradição, afirma Charles, a humanidade vivia em harmonia com a natureza. O mundo natural era uma fonte de autoridade sagrada, uma manifestação da divindade. O homem estava em casa no mundo. Mas esse período de harmonia, de viver na verdade acabou com o Iluminismo. Ele libertou os indivíduos da “submissão à autoridade divina” e libertou a humanidade para conhecer a natureza objetivamente (como um “ele” em vez de uma “ela”, escreve Charles), como algo a ser usado em vez de ser adiado. “A humanidade passou a ser vista como tendo o direito — um direito humano, isso sim — de explorar, manipular e explorar cada elemento do mundo natural para o bem-estar da humanidade.” Ele escreve isso como se fosse uma coisa ruim.

Para Charles, assim como seus mentores tradicionalistas, os dois fundamentos do mundo moderno — o crescimento da autonomia individual e o nosso aumento no domínio da natureza — são vistos como a causa da nossa iminente queda. Isso levou a um modo de ser e pensar “racionalista”, “mecanicista” — o equivalente de Charles ao “pensamento moderno” de Guénon —, em que tudo é julgado de acordo com os fins da humanidade. “Quatro séculos cada vez mais dependentes de uma forma muito estreita de racionalismo científico”, escreve Charles, “nos levaram por uma nova estrada, mas perigosamente desconhecida… Uma dança tão alegre que não percebemos quanto estávamos sendo afastados de nosso verdadeiro lar”.

Estamos “desenraizados”, “arrancados”, “separados” da verdade, continua, em Harmony. O significado sagrado da existência retirou-se da vista. E, como resultado, argumenta, vivemos agora em desarmonia com a natureza. “Se literalmente nada é mais sagrado”, escreveu em 2000, “o que nos impede de tratar todo o nosso mundo como um ‘grande laboratório da vida’, com consequências potencialmente desastrosas a longo prazo?” E Charles vê essas “consequências desastrosas” em todo lugar, desde a criação de animais em fábricas até a arquitetura moderna brutalista. Nada disso “parece” certo, escreve, em Harmony, porque viola a ordem sagrada — ou seja, a “maneira correta” de fazer as coisas.

O Traditionalismo em si sempre foi uma doutrina elitista e esotérica. Desde Guénon, afirmou que o conhecimento da Tradição primordial, da doutrina sagrada, é acessível apenas a alguns selecionados, intelectualmente capazes. Em Charles, esse elitismo se manifesta como uma simples e previsível esnobação. Em uma seção de Harmony intitulada “Mantendo os eleitores felizes”, as massas modernas são ditas serem aplacadas pela publicidade, suas necessidades criadas, mas nunca satisfeitas pelos produtos em constante desenvolvimento da indústria moderna. Há até uma foto de um centro comercial lotado de Westfield, em Londres, com a legenda: “O consumismo agora está no cerne da cultura ocidental” — e, algumas páginas depois, uma foto de uma mulher acima do peso comendo um cachorro-quente. A mensagem é clara. Fomos enganados, seduzidos e corrompidos pelo modo de ser moderno.

Esta é a grande batalha de Charles. Uma batalha contra as forças malignas da modernidade — desde a autonomia individual até a ciência e a tecnologia. Uma batalha para salvar as massas desinformadas e que comem cachorro-quente de si mesmas. Talvez através do fornecimento de produtos orgânicos do Ducado da Cornualha, disponíveis exclusivamente na Waitrose. Grandes poses, soluções cínicas.

Um reacionário moderno

De muitas maneiras, a adesão de Charles a uma visão de mundo profundamente reacionária não deveria importar. Nós nunca realmente sabíamos ou nos importávamos com o que sua predecessora, a Rainha Elizabeth II, pensava ou acreditava. Mas ela nunca tornou suas opiniões públicas. Ela não estava perseguindo zelosamente uma causa. Ela estava cumprindo um papel com dever.

Charles é uma criatura muito diferente. Ele sempre promoveu publicamente suas próprias causas, alavancando seu poder real para tentar exercer influência sobre políticos eleitos. Os infames “memorandos de aranha negra” que ele escreveu para ministros na década de 2000, expostos em 2015 após uma batalha de liberdade de informação de uma década, mostram quanto ele estava preparado para promover suas próprias opiniões. E, nos últimos anos, ele tem se tornado cada vez mais confiante em promover sua visão apocalíptica da modernidade no palco público. Devemos agora esperar que o Rei Charles III use seu tempo como soberano para continuar lutando sua grande batalha?

Rei Charles III | Foto: Wikimedia Commons

Talvez. Charles insinuou que, como rei, terá de se abster de travar sua guerra contra a modernidade em público. “Não será mais possível para mim dedicar tanto tempo e energia às instituições de caridade e a questões pelas quais me importo tanto”, disse ele, no ano passado. O compromisso informal da monarquia com a neutralidade, em vigor desde os tempos hannoverianos, deveria circunscrever sua cruzada.

Deveria, mas não há garantias. O problema é que a visão ultrarreacionária de Charles já não provoca o ridículo que poderia ter provocado no passado. Pelo contrário. Nossas classes políticas e de mídia agora parecem estar amando seus discursos reacionários — embora em versões mais diluídas. Eles podem não ter ideia do que o Tradicionalismo significa ou representa, mas certamente compartilham seu apocalipse da mudança climática. Eles podem não estar ansiando por uma revolução conservadora, mas, no ambiente declinante dos discursos e discursos de Charles, eles veem um reflexo fraco de seu próprio desencanto tingido de verde com a modernidade. Seu próprio desencantamento com o liberalismo e a democracia. E assim eles têm chamado ativamente para ele abandonar a neutralidade de sua predecessora. Eles até afirmam que suas opiniões sobre o meio ambiente são “incontestáveis” e que expressá-las não violaria nenhum protocolo constitucional.

O enviado de clima do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, John Kerry, diz que espera que Charles continue a pressionar por ações sobre o clima, afirmando que “é uma questão universal… não ideológica”. “O Rei Charles tem sido um ambientalista por 50 anos”, opina o Washington Post. “Agora é hora de ele apresentar seu caso ao povo britânico.” Outros foram ainda mais longe. “Somos afortunados que nosso novo rei possua uma disposição para intervir na vida pública”, escreveu um “pós-liberal” particularmente empolgado, logo após a ascensão de Charles ao trono. “Seus instintos são bons e justos, e suas críticas de décadas à globalização, à nossa despoluição de nossos ambientes naturais e construídos e nossa corrida precipitada em direção ao horizonte mítico do progresso foram tragicamente comprovadas pelos eventos”, ele escreveu.

Isso é o mais preocupante. Não é que Charles goste de se pensar como um revolucionário conservador estilo anos 1920, envolvido em um projeto de reação avant-gardista muitas vezes bizarro. Mas o fato de que essas opiniões ressoam tão bem com as de nossas elites políticas e culturais. Suas opiniões reacionárias, antes fonte de ridículo, agora são deles também.

Leia também “O que eles queriam dizer com essencial e não essencial”

5 comentários
  1. JHONATAN SURDINI
    JHONATAN SURDINI

    Monarquia pra quê? como eles se enriqueceram mesmo??? e o pessoal da esquerda os apoia?

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    De tanto pensar errado, Daiane danou-lhe umas pontas

  3. Rajas da Silva
    Rajas da Silva

    Confesso que sempre pensei o príncipe Charles era só um amestrado porta-voz de grupos poderosos com interesses maiores. Esse esclarecedor artigo me fez mudar de opinião. O perigo que ele representa para a Democracia Capitalista e Liberal é ainda maior agora, como rei.
    Ele deveria ler tudo sobre seu conterrâneo John Locke, o pai do liberalismo, e evoluir.

  4. Marcelo DANTON Silva
    Marcelo DANTON Silva

    Texto longo, bom, mas muito extenso para DAR a essa criatura medíocre, com problemas psicológicos VISÍVEIS de carência afetiva e ávido por ser um rei da idade media onde pouquíssimos mandavam odiosamente em todos.
    A psiquiatria desse verme pomposo é exposta ao trair e casa-se com uma velha e feia… ninguém enxerga que nela ele procura uma mãe?!? Assistam a série “The Boys” e observem o Capitão Pátria…. Vcs vão entender a verdadeira indole desses cafa- jestes … O expreisidiario e os moarquistas papais..
    Nao se iludam com séries infanto-juvenil, pois vcs tem que assisti-las com olhos de adultos para ganhar conhecimento do futura dessa juventude.

  5. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Bem elucidativo. Falta cada vez mais ao mundo moderação, coragem no equilíbrio. Por isso teorias esdrúxulas apenas embasadas em flertes de verdade prosperam, quando deviam ser ignoradas

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