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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 168

É proibido rir

Censura prévia, conteúdo excluído da internet e processos judiciais fazem parte da nova rotina dos humoristas brasileiros

anderson scardoelli
Anderson Scardoelli
Evellyn Lima
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“Proibição de manter, transmitir, publicar, divulgar, distribuir, encaminhar ou realizar download de quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável.”

Com essas 60 palavras, o Poder Judiciário, por meio da juíza Gina Fonseca Correa, da primeira instância do Tribunal de Justiça de São Paulo, protagonizou a volta da censura prévia ao Brasil. A partir da decisão proferida em maio deste ano, o humorista Léo Lins foi proibido de exercer livremente o seu trabalho. Está judicialmente impedido de fazer piadas com os grupos listados acima – definidos como minoritários pela magistrada.

A decisão da Justiça vai além da imposição da censura prévia. Para acatar a ordem judicial, o YouTube derrubou de sua plataforma o especial Perturbador, uma apresentação em que Lins faz piadas com alguns dos grupos classificados como minorias. Como se fosse um criminoso em regime semiaberto, o humorista também não pode deixar a cidade de São Paulo por mais de dez dias sem a permissão das autoridades judiciais.

Brasil ou Afeganistão?

A censura prévia contra Léo Lins repercutiu mundialmente. Incrédula com a decisão da Justiça brasileira, a colunista Cátia Domingues, do periódico português Jornal de Notícias, comparou as medidas impostas contra o comediante com as imposições do grupo terrorista Talibã. “É realmente grave e preocupante sabermos que há um tribunal a proibir piadas e que não é no Afeganistão”, escreveu a articulista portuguesa.

Léo Lins | Foto: Reprodução

A decisão também revoltou humoristas brasileiros. Na visão deles, não deveria ser papel da Justiça definir quais piadas podem ou não podem ser feitas. “Sou contra a censura; o que fizeram com o Léo Lins foi errado”, afirma o roteirista Jovane Nunes, integrante da Companhia de Comédia Os Melhores do Mundo. “Não é a Justiça nem o governo que deve decidir se a piada é boa ou ruim.”

“O que fizeram com o Léo Lins foi colocar sua cabeça em uma estaca em praça pública.”
Rogério Morgado

Com passagens pelo CQC e por atrações da RedeTV! e da Record, Maurício Meirelles chama atenção para os excessos cometidos no caso de Léo Lins. “Existem muitas brechas na lei”, observa. “E com essas brechas você consegue fazer o Estado calar as pessoas.”

Membro do Pânico, da rede Jovem Pan, Rogério Morgado vai além de criticar a ordem judicial imposta ao humorista. Ele acredita que é uma questão política: o problema não é sobre o que se fala, mas quem fala. “Colocaram a cabeça de Léo Lins em uma estaca em praça pública”, diz Morgado. “Ou seja, ‘veja o que fizemos com ele e não façam o mesmo, pois já sabem o fim’.”

Morgado garante que não mudou seu jeito de fazer humor por causa das censuras recentes, mas que está surpreso com a escalada autoritária. “O que me assusta é o quanto estão esticando a corda para ver aonde podem chegar”, diz. “Assusta essa exposição em praça pública para coagir e ninguém repetir o que não querem que seja feito”.

Rogério Morgado | Foto: Reprodução

Roteirista em agências de influenciadores e comediante piauiense que vive em São Paulo, Bob Nunes lembra que não é de hoje que Lins se vê obrigado a enfrentar a onda de cancelamentos guiada por autoridades. “Ele já vinha sendo censurado em várias prefeituras”, afirma. “Não é de hoje que passa absurdos e ameaças, o que evidencia que a comédia está sob ataque, pois você não vê isso em outras artes.”

Antes da censura ao humor

Algumas décadas antes de ser comparado ao Afeganistão por causa da falta de liberdade de expressão, o Brasil produziu humoristas que falavam o que queriam sobre quem queriam, inclusive durante o período do regime militar. Nessa época, figuras emblemáticas da comédia nacional se destacaram nos palcos, nas telas de cinema e até na televisão. Entre elas estão Chico Anysio, Jô Soares e Os Trapalhões.

“Naquela época, os feios, os negros e os homossexuais, por exemplo, ninguém se ofendia ao ponto de censurar o outro”, afirmou Renato Aragão, em entrevista à revista Playboy em janeiro de 2015. Em relação a piadas com negros, o alvo em Os Trapalhões era Mussum (1941-1994). “A gente fazia como uma brincadeira”, afirma. “Era uma brincadeira de circo entre mim e o Mussum. Como se fôssemos duas crianças em casa brincando.”

Censura, processos e prisão

O caso Léo Lins é o mais recente entre os comediantes na mira da Justiça. Mas não é o único. Receber notificações e responder a processos passou a fazer parte do cotidiano da categoria. É o caso de Bismark Fugazza, do Canal Hipócritas. O humorista está detido desde março, quando foi localizado pela polícia do Paraguai. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, foi o responsável por expedir, no fim do ano passado, o pedido de prisão contra Fugazza.

Bismark Fugazza | Foto: Reprodução

“Por vezes, é necessário explicar a piada no meio da audiência.”
Jovane Nunes

Com mais de 20 anos de experiência, Jovane Nunes acredita que ser processado faz parte da profissão. Em alguns casos, conforme menciona, há vitória. Em outros, derrota, o que passa por indenizações ou retratações. O que o assusta é a censura. “Quem se sente ofendido tem o direito de recorrer à Justiça”, comenta.

Jovane Nunes | Foto: Reprodução

Meirelles, por sua vez, põe outro ponto em discussão. De acordo com ele, o volume de processos cresce conforme o sucesso do humorista. Quanto maior a repercussão, mais ações judiciais. Como exemplo, cita que a maior parte dos esclarecimentos que teve de prestar à Justiça foi em decorrência da série Webbullying, que teve versões para a televisão, o teatro e o YouTube — plataforma em que o canal dele registra 4,2 milhões de inscritos. “Fui alvo do oportunismo de pessoas que tentaram se aproveitar do alcance do projeto para ganhar dinheiro”, diz. 

Trabalho para não se autocensurar

Os processos e o trabalho de haters digitais levam uma questão àqueles que lidam profissionalmente com o humor: o cuidado para não se autocensurar. Torres, da trupe de Hermes e Renato, destaca o empenho para desenvolver roteiros com a mentalidade de buscar fazer o público rir. Para isso, é preciso ter ciência de que sempre há quem possa se ofender.

Em tempos de projetos voltados para o YouTube, é necessário levar em consideração a relação faturamento versus engajamento. “Tem vídeo que a gente sobe para o nosso canal já sabendo que não será monetizado, pois, não tem jeito, para certas piadas funcionarem, a gente tem que ser mais escrachado, falar palavrão”, explica Torres. Fora isso, há a percepção de que, como muitas outras coisas, o humor muda com o passar do tempo. “Tem piada nossa de 20 anos atrás que hoje não funciona mais.”

Maurício Meirelles | Foto: Reprodução
Um humorista contra o humor

Deixar o papel de decidir o que pode e o que não pode ser dito e o que é ou não engraçado somente para o público — e não para as autoridades judiciais — parece não ser o entendimento de todos os comediantes brasileiros. Cofundador do canal Porta dos Fundos e funcionário do Grupo Globo, Fábio Porchat chegou a criticar a censura prévia imposta a Léo Lins. Alvo de críticas, mudou de postura, pediu desculpas — não ao colega de profissão, mas aos censores e a quem aplaudiu o cerceamento da liberdade alheia. Não satisfeito, ainda sinalizou que Lins cometeu um crime.

“Queria deixar claro aqui que a minha posição nunca foi defender o humor racista”, afirmou Porchat, em vídeo divulgado no Instagram na noite de 26 de maio. “Sempre tentei promover o humor que não causasse dor. Que não machucasse. Sempre disse e continuo dizendo que a comédia que agride, humilha e bate em grupos minorizados é péssima, é velha, desnecessária”. Porchat, contudo, não comentou o Especial de Natal de 2018, produzido pelo Porta dos Fundos, em que Jesus Cristo é retratado como um personagem homossexual.

Para ficar de bem com a militância do politicamente correto, Porchat perdeu a graça, segundo alguns humoristas. Morgado foi um dos que não viram nexo no pedido de desculpas. Para ele, o integrante do Porta dos Fundos se acovardou “para agradar a patota que faz parte da sua bolha”.

“O Porchat lembrou que ainda era comediante e defendeu o direito do Léo, mas a avalanche do mercado o fez recuar.”
Bob Nunes

Para Morgado, se mais humoristas agirem como Porchat, as censuras e os cancelamentos podem aumentar. “Por que ninguém se importa mais com o que o Danilo Gentili fala em seu show? Porque ele não se curva ao politicamente correto”, diz. “Cada vez que alguém chancela isso, como o Porchat fez, mais força eles ganham para perseguir quem bem entenderem”.

Citado por Morgado, Gentili criticou Porchat antes mesmo do recuo. Na visão do apresentador, que trabalhou com Léo Lins por 12 anos na TV Bandeirantes e, posteriormente, no SBT, a defesa inicial por parte do funcionário da Globo foi “covarde” e para fazer média como um falso defensor da liberdade de expressão. “É o cara que, em 2017, dizia ser contra o politicamente correto”, lembra Gentili, em vídeo de 18 de maio. “Mas, quando isso começou a virar mainstream, ele passou a falar que estava certo.”

É preciso rir de si mesmo

Jovane lembra que a essência do humor se relaciona diretamente com a tragédia: ninguém ri, por exemplo, porque consegue um novo emprego ou conquista alguma promoção. “É uma boa notícia, evidentemente, mas não é algo engraçado”, frisa, antes de dar um exemplo no sentido contrário: “A gente dá risada quando tropeça. Rimos quando algo ruim acontece e, com o tempo, superamos e começamos a achar graça daquela situação.”

Quem também dá risada é quem segue Léo Lins nas redes sociais ou vai aos shows que ele realiza Brasil afora. Desde que virou notícia por ter sido alvo de censura judicial, o comediante viu seu alcance aumentar. Reportagem do site da revista Veja informa que ele ganhou 84 mil seguidores no Instagram no decorrer das últimas semanas. Na plataforma, o humorista conta, atualmente, com 1,8 milhão de seguidores. Números que se somam aos quase 2 milhões de inscritos em seu canal no YouTube.

Na mira da Justiça, Lins usou justamente seus canais nas redes sociais para fazer o que mais gosta: humor. Em um vídeo com 34 segundos de duração, ele surge com o semblante triste e pedindo para as campanhas contra o seu trabalho terem um fim. Na sequência, mostra um teatro lotado, com a plateia o aplaudindo e ovacionando. “Muito obrigado!”, diz, ironicamente, em mensagem direcionada aos canceladores e censores de plantão. Assim, ele comprova que, em meio a decisões judiciais estapafúrdias, as pessoas ainda preferem rir. Para os responsáveis dela censura, faltou combinar com o público.

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7 comentários
  1. Paulo César da Conceição
    Paulo César da Conceição

    Porchat é um lixo como pessoa e comediante.

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    No Brasil a ditadura está MADURA.

  3. Marcial Ferreira da Silva
    Marcial Ferreira da Silva

    Discordo veementemente da assertiva de que “Porchat perdeu a graça”, pois afinal de contas esse elemento globolixado nunca teve a menor graça. Talento e carisma zero desde sempre. Basta ver o vídeo “é isso Ronnie” em que esse sujeito estava no início da carreira.

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Essa juíza Gina Fonseca Correa, do tribunal de justiça de São Paulo, estudou direito na universidade dos Cafundó do Judas. Essa Faculdade é melhor do que a de Harvard. É direito romano, direito americano e direito do foro de São Paulo

  5. Leonardo Saldanha dos Santos
    Leonardo Saldanha dos Santos

    Humoristas semianalfabetos que propagaram o sofisma da equivalência moral entre os presidenciáveis de 2022. Gentilli é o maior exemplo. Aguentemos agora.

  6. MNJM
    MNJM

    A ditadura do Judiciário, atualmente o maior problema do país, ainda mais com um governo ditatorial que tem um Ministro da Justiça que faz ameaças e declarações repressoras.
    Quanto ao Porchat nenhuma surpresa, faz parte da bolha da Globolixo. Torço que perca muitos seguidores por apoiar a CENSURA.

  7. Paulo Miranda
    Paulo Miranda

    Quem quiser conhecer piadas muito boas sobre minorias, favor me contatar. Conheço excelentes, que iria enfurecer os wokes e os politicamente corretos. Grato. ;-P

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