Os primeiros três meses do ano começaram com boas notícias para a economia brasileira: o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,9% em relação aos três meses anteriores. Muito acima das previsões do mercado, que esperavam uma expansão de 1,3%. Um dado surpreendente, que levou muita gente na Faria Lima a rever para cima as projeções do PIB para 2023. No Boletim Focus, relatório semanal do Banco Central que reúne as expectativas econômicas do mercado financeiro, a média passou de 1,26% no fim de maio para 1,84% na edição da última segunda-feira. Quase o dobro das previsões de janeiro. O Itaú Unibanco, o Citi e a corretora XP já atualizaram suas previsões de crescimento. Além do PIB, o ano começou também com números positivos da inflação. Nos últimos 12 meses, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial brasileira, mostrou uma alta dos preços de 3,94%, muito abaixo dos 11,73% registrados em maio de 2022. Como de costume, a euforia contagiou em primeiro lugar a bolsa de valores. Em junho, o Ibovespa marcou oito pregões consecutivos de alta, chegando a 117 mil pontos, o maior nível desde novembro de 2022. E navega rápido em direção aos 120 mil pontos. O real, por sua vez, continua ganhando fôlego, com o câmbio com o dólar que fechou em seu menor patamar em mais de um ano. E até a agência de classificação de risco S&P elevou a perspectiva de crédito do Brasil, de neutra para positiva.
Com dados dessa magnitude, o terceiro mandato do presidente Lula poderia se abrir com uma perspectiva de forte crescimento. Mas as coisas não estão bem assim. Existem nuvens carregadas no horizonte econômico.
A força do agronegócio
O PIB do primeiro trimestre só conseguiu crescer nessa proporção impulsionado pelo agronegócio, que registrou alta de 21,6% no período — a maior desde 1996. “A supersafra salvou o resultado trimestral”, afirma Natália Cotarelli, economista do Itaú Unibanco. “Sem a força do campo, o Produto Interno Bruto teria ficado estagnado, entre 0 e 0,5%.” Isso porque, entre janeiro e março deste ano, a atividade da indústria caiu 0,1%, os investimentos diminuíram 3,4%, e o consumo das famílias registrou um crescimento de apenas 0,2%. “O dado mais positivo veio do setor de serviços, que subiu 0,6%, mas apenas por causa da demanda reprimida do período da pandemia”, explica Marco Saravalle, analista CNPI-P e estrategista-chefe da SaraInvest.
A euforia do setor de serviços pode ser medida pelos dados dos setores de tráfego aéreo e de shows. A taxa de ocupação dos voos domésticos e internacionais cresce há meses em ritmo acelerado, e agora está próxima de 80%. Não por acaso, as ações da Gol já subiram mais de 60% na bolsa desde o começo do ano. As da Azul quase dobraram de valor. Por sua vez, a demanda por espetáculos musicais está tão aquecida que gera confusão na compra de ingressos. Foi o caso da cantora norte-americana Taylor Swift, do grupo britânico Coldplay e até dos menos conhecidos mexicanos do RBD. Todos tiveram que anunciar shows extras no Brasil por causa da explosão da demanda.
Pobre empresário
O humor dos empresários, contudo, não está na mesma frequência. “O mercado da construção civil está ainda muito fraco”, diz Murilo Bernardes, sócio-diretor da Resdil Refratários, de Pedreira (SP), empresa com mais de 50 anos de atuação no setor. “Desde o começo do ano o preço do concreto desabou. Os lançamentos minguaram. E não há perspectivas melhores pela frente. Se fecharmos 2023 no zero a zero, sem lucro nem prejuízo, teremos que comemorar. Há muitas empresas do setor, no interior e até nas capitais, que estão tendo que vender ativos para pagar as contas.”
Segundo a pesquisa trimestral realizada pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) com a consultoria Brain, no primeiro trimestre do ano os lançamentos imobiliários no Brasil caíram mais de 30% em relação ao mesmo período de 2022, chegando a 48,5 mil unidades residenciais. A menor quantidade desde a segunda metade de 2016. Em relação aos últimos três meses do ano passado, a queda é ainda maior, de cerca de 44%. “O setor da construção civil está se reposicionando para as faixas mais altas do mercado”, afirma Alexandre Cabral, professor de finanças da Saint Paul, escola de negócios em São Paulo. “Alguns Estados estão ajudando com programas locais do Minha Casa Minha Vida. Mas ainda é pouco. Com uma taxa de juros de 13,75% ao ano, é basicamente impossível para a classe média comprar um imóvel ou um bem durável, como um carro.” Em abril, a produção de veículos e as vendas caíram quase 19%. No final de março, as montadoras anunciaram férias coletivas para seus funcionários, paralisando a produção por causa das baixas vendas. Para evitar que essa operação fosse o prelúdio de demissões em massa, o governo foi obrigado a anunciar um pacote de incentivos de R$ 1,5 bilhão para oferecer descontos de até R$ 8 mil na compra de carros. A operação obrigou a volta da tributação sobre o diesel para compensar o novo gasto, provocando um impacto futuro na inflação, que vai aumentar.
A quebra do varejo
No varejo, a situação é ainda mais grave. “Vai ter muita gente quebrando”, prevê Luiza Trajano, controladora da maior rede varejista do Brasil, o Magazine Luiza — apoiadora e entusiasta do governo Lula. A profecia de Trajano ocorreu durante um encontro com o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, no qual a empresária não fez mistério sobre sua preocupação com a situação econômica do Brasil — num momento em que os pedidos de recuperação judicial atingiram o maior patamar em cinco anos. Segundo um estudo da Serasa Experian, foram 382 requerimentos ingressados na Justiça entre janeiro e abril deste ano — alta de 28% em relação aos quatro primeiros meses de 2022, quando tinham sido 275.
Cerca da metade dos pedidos totais de recuperação judicial vieram do setor de varejo — principalmente por causa dos custos elevados de operação, como aluguel de lojas e encarecimento do crédito, e pelo reduzido poder de compra da população. Segundo a agência de classificação de risco Fitch Ratings, o número de empresas com risco de calote mais que dobrou desde o começo do ano. O número de falências também cresceu em 2023, com quase 350 pedidos registrados de janeiro a abril, tendo sido decretadas mais de 220 falências, ante cerca de 260 pedidos registrados no ano passado e 214 falências decretadas.
“Os dados econômicos dos primeiros seis meses de todo o novo governo na verdade são resultado do governo anterior”
A inadimplência continua subindo. Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em abril deste ano 29% das famílias brasileiras tinham dívidas. O ritmo mais acelerado de crescimento ocorre nas famílias de classe média, que ganham entre cinco e dez salários mínimos mensais. Nesse grupo, a fatia de inadimplentes bateu recorde, além de avançar mais rápido que em outras três faixas pesquisadas.
No caso das empresas, a inadimplência atingiu um novo recorde em abril. Segundo a Serasa Experian, mais de 6,5 milhões de CNPJ foram negativados. O valor total das dívidas em atraso atingiu R$ 117,5 bilhões.
A indústria também está em apneia, como demonstra o Índice de Gerentes de Compras (PMI, na sigla em inglês) da S&P Global, que se mantém desde o começo do ano abaixo dos 50 pontos, limite entre expansão e contração da atividade do setor industrial. No primeiro semestre do ano passado, o PMI estava em cerca de 54 pontos.
Futuro incerto
Nesse cenário, os próximos meses se preanunciam muito mais difíceis. “No segundo trimestre aguardamos um crescimento do PIB muito baixo, de 0,2% a 0,3%”, observa Natália Cotarelli. “Para a segunda metade do ano, a previsão é ainda mais baixa. E dessa vez não haverá impulso do agro para salvar o resultado.” Para a economista, o consumo vai desacelerar, e os investimentos terão mais dificuldades. A política monetária contracionista, necessária para conter a inflação, também vai provocar um esfriamento da atividade econômica. Com isso, teremos mais empresas que serão obrigadas a fechar, aumentando o desemprego.
“Além do agro, uma ajuda decisiva para o resultado do primeiro trimestre do ano veio do setor externo”, explica Zeina Latif, economista da consultoria Gibraltar. “E isso explica a razão de o real se valorizar em relação ao dólar.” Nos primeiros 90 dias do ano, a balança comercial fechou com um superávit de US$ 16 bilhões, o melhor resultado desde 2017. O mês de março chegou a ser o melhor resultado da série histórica, iniciada em 1989, com US$ 11 bilhões de superávit. Basicamente, somente o mês de março igualou o resultado positivo da balança comercial de todo o primeiro trimestre do ano passado, quando o saldo tinha sido de US$ 11 bilhões. O maior crescimento das exportações foi da indústria extrativa, que cresceu 20%, seguida pela agropecuária, que aumentou 6%. “O saldo positivo da balança comercial foi ajudado também pela redução das importações”, diz Marco Saravalle. “Um sinal negativo, que mostra como o brasileiro está consumindo menos produtos importados por causa de uma renda ainda impactada pela inflação.”
Para Alexandre Cabral, “os dados econômicos dos primeiros seis meses de todo o novo governo na verdade são resultado do governo anterior”, afirma. “Isso se o governo novo não atrapalhar. E Lula não atrapalhou muito com medidas práticas. O discurso foi maluco, mas o Congresso não aprovou nada de catastrófico. Os empresários ficaram assustados com o discurso e investiram menos. O que explica os dados da formação bruta de capital. Na prática, contudo, nada mudou desde o governo passado. Ainda.”
Segundo o professor, nem o arcabouço fiscal conseguiu atrapalhar o andamento da economia. Mesmo que vários economistas, como Marcos Lisboa, já tenham alertado para o risco de um aumento “permanente e bastante elevado da carga tributária”. No final de maio, o governo revisou a previsão para o déficit primário, que passou de R$ 107 bilhões para R$ 136 bilhões, o equivalente a 1,3% do PIB. Para tentar limitar esse rombo nas contas públicas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está buscando desesperadamente novas receitas. Por exemplo, criando impostos para a exportação e para o petróleo bruto, sem sequer passar pelo Congresso Nacional. E procurando eliminar benefícios fiscais concedidos às empresas durante o governo Dilma Rousseff. Ou ainda tentando taxar importações de vestuário, como no caso da Shein — operação abortada após a dura reação popular.
“O Executivo Lula está surfando uma onda positiva gerada durante a administração anterior”, diz Alexandre Cabral. “E pela conjuntura internacional favorável. Isso se chama sorte. Mas tem data para acabar. E a partir do terceiro trimestre o resultado econômico, positivo ou negativo, será provocado pelas decisões desse governo.”
O mercado, entretanto, parece ter entrado numa onda de otimismo com o futuro. Os leilões dos títulos da dívida pública brasileira, realizados semanalmente, estão atraindo cada vez mais compradores, levando as taxas de juros para níveis próximos a 10%. A bolsa de valores parece não parar de subir, e empresários começam a demonstrar certa confiança. “O mercado acredita que o governo está indo em direção a colocar as contas públicas em ordem”, afirma Marco Antonio Senff Peixoto, responsável comercial do Banco Senff, especializado em varejo. “O arcabouço não é perfeito, mas é melhor ter uma regra do que nenhuma.” Segundo Peixoto, mesmo com juros altos e inadimplência subindo, o mercado vai encontrar seu equilíbrio. “No passado, o cenário não era muito diferente. Estamos acostumados a enfrentar esse tipo de conjuntura. Precisamos apenas de um pouco de estabilidade, e o mercado vai encontrar seu caminho”, diz o executivo.
Já as pesquisas de opinião mostram a população bem menos otimista, apontam queda da confiança do consumo e da popularidade do presidente Lula. Com intermináveis contas a pagar, pouco dinheiro no bolso, produtos cada vez mais caros nas gôndolas dos supermercados e a possibilidade de novos impostos num futuro próximo, o povo não está tão confiante.
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O bom resultado, foi motivado pela herança maldita do governo anterior.
O Brasil para as pessoas comuns(pobres), classe média e média baixa é totalmente diferente dessas perspectivas otimistas de economistas aproveitadores.
Com alta no preço dos produtos necessários(alimento, vestimentas e de uso diário), aumento dos combustíveis, a volta e criação de novos impostos, um aumento pífio do salário mínimo e o aumento das demissões; a situação vindoura é aterrorizante!
Esperamos que Deus nos mostre uma luz nesse caminho de ruína.
nossa, ainda tem gente acreditando que as coisas vão se equilibrar? eu é que nao coloco meu dinheiro nesse Banco Senff, com esse tipo de analista econômico…o resto da Faria Lima vai caindo na real…
O povo brasileiro não confia em ladrão e esse governo só é que tem
Com um perfil da renda do brasileiro que trabalha na iniciativa privada onde 90% ganham menos do que R$ 5.000, faço a pergunta: será que tem sustentabilidade a nossa economia? Como podem os brasileiros viver com 4/5 salários mínimos? Enquanto os funcionários públicos ganham mais de R$ 5.000 em 70% dos casos? E a nossa produtividade que é a mesma desde a década de 1980 …
Como destacou o economista Alexandre Cabral, grande parte dos resultados positivos desses primeiros meses de governo, se devem as políticas econômicas do governo anterior.
Vamos aguardar os resultados do terceiro trimestre.
Creio que sim. A partir de outubro. Na verdade, esse vai-e-volta nas decisões como taxação do pix e a tese do carro popular afetam mais que as calamidades saídas da boca do descondenado que, ainda bem, não passam da sua cabeça doentia e boca tresloucada. Por enquanto.
Muito bom que a Revista Oeste traga estas análises realistas sobre a economia no Brasil no meio de um clima eufórico fora da realidade, inclusive pela parte de investidores estrangeiros que se não estiverem cautelosos irão se arrepender. Sugiro que todas as semanas tragam esse tipo de matéria, Só pelos números diários do mercado financeiro, a realidade econômica do Brasil não pode ser medida. E que tal se vcs fizerem a versão destas matérias em inglês ?
Um governo composto por 37 ministérios, viagens a custos absurdos, uma gastança desenfreada com uma equipe desqualificada. Como ter confiança em um governo desse nível??? Podemos esperar desemprego, inflação e fechamento de empresas até o final de 2023.. Isso é o “L” do amor.
Brasil precisa corrigir as distorções entre setor privado e setor público, falando especificamente de salários. Como bem disse o assinante Marcus Borelli.
Se olharmos para o passado, principalmente no período daquela senhora que desejava estocar vento, as perspectivas não são animadoras.
Inchaço da máquina pública, ministérios totalmente desnecessários e pior, muito ruim tecnicamente.
Difícil um barco navegar com um comandante que não sabe para onde está indo.
Números momentâneos e Politiqueiros. Vamos aguardar o resultado do Superávit Primário, no final de 2023. Aí a conversa e notícias, serão outras. Uma triste realidade. Fechamos 2022, com Superávit positivo de 56 bilhões. Às projeções pra 2023, já são negativo em 200 bilhões. Quebradeira geral.