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Ilustração: Shutterstock
Edição 169

Podemos finalmente falar a verdade sobre o lockdown?

Muito provavelmente, o lockdown representa o maior erro de política pública dos tempos modernos. Esse experimento desumano nunca mais deve ser repetido

Fraser Myers, da Spiked
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Podemos, por favor, finalmente fazer um debate sério sobre os erros e acertos do lockdown?

Desde março de 2020, quando o então primeiro-ministro do Reino Unido Boris Johnson ordenou que a nação “ficasse em casa”, apenas uma opinião sobre o lockdown foi permitida. O ponto de vista “especializado” convencional dizia que, quanto mais rígidas as restrições, mais vidas seriam salvas. Mais liberdade significava mais mortes, nos disseram. Qualquer preocupação com o custo do lockdown — fosse sobre a nossa liberdade, a saúde, a educação, fosse sobre a economia — não valia a pena contemplar, aparentemente. Pior ainda, algumas pessoas que expressaram ceticismo em relação à política do lockdown foram monitoradas pelo Estado e censuradas nas redes sociais. Afinal, ele estava amparado pela “ciência”. Sempre houve boas razões para questionar esse consenso. Um novo estudo publicado nesta semana pelo Instituto de Assuntos Econômicos (IEA, na sigla em inglês), em Londres, dá ainda mais peso a esse debate. Pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e da Universidade Lund, na Suécia, examinaram mais de 20 mil estudos sobre a eficácia de diversas restrições ligadas à covid-19. Eles calcularam que o número de vidas salvas pelo primeiro lockdown nacional do Reino Unido foi de apenas 1,7 mil — muito menor do que o número de vidas que seriam perdidas em uma típica temporada de gripe. Isso os levou a concluir que os benefícios do lockdown foram “apenas uma gota em um balde se comparados aos espantosos efeitos colaterais”. Como afirmou um dos pesquisadores: “Muito provavelmente, o lockdown representa o maior erro de política pública dos tempos modernos”. O estudo não ficou livre de críticas. Sua metodologia já foi alvo de ataques. Claro, qualquer estudo que se debruce sobre o lockdown terá suas limitações. A pandemia não foi um experimento científico asséptico, e sim uma emergência do mundo real. Como a maior parte dos governos do mundo desenvolvido usou mais ou menos o mesmo pacote de medidas — desde o lockdown e o distanciamento social até a obrigatoriedade do uso de máscara e o fechamento de escolas —, pode ser difícil isolar os efeitos de qualquer política específica. Também não se pode considerar que todos os países eram igualmente vulneráveis à covid-19. Basta pensar nas imensas variações de preparo para a pandemia, densidade populacional, dados demográficos, capacidade do sistema de saúde e (a partir de 2021) índices de vacinação. Por mais que os cientistas tentem, essas são variáveis difíceis de considerar, até mesmo para as ferramentas estatísticas mais sofisticadas.  

A Suécia, que notoriamente baniu severamente os lockdowns, acabou tendo um dos números de excesso de mortes mais baixos da pandemia na Europa

Mesmo assim, as conclusões do estudo sobre o lockdown pelo menos estão em consonância com as evidências que estão emergindo sobre o excesso de mortes. Esse número é calculado considerando a quantidade total de mortes durante a pandemia e subtraindo o número médio de mortes observadas durante os anos anteriores. A vantagem de olhar para o excesso de mortes é que isso não apenas evita o risco de governos subdimensionarem ou superdimensionarem o número de vítimas da covid-19, mas também inclui as fatalidades causadas indiretamente pela pandemia e pela nossa reação política. 

Mensagem em painel de LED com os dizeres “fique em casa”, em 2020, na Inglaterra | Foto: Shutterstock

Houve uma série de tentativas de estimar esse excesso de mortes durante o período da pandemia, mas, qualquer que seja a metodologia usada, os dados sempre mostram dois resultados significativos. Primeiro: não existe correlação óbvia entre a duração e o rigor dos lockdowns de uma nação e o número de excesso de mortes. Segundo: a Suécia, que notoriamente baniu severamente os lockdowns, acabou tendo um dos números de excesso de mortes mais baixos da pandemia na Europa. Seja qual for o cálculo usado, seja do The LancetThe Economist, The Spectator, seja da Organização Mundial da Saúde, é difícil evitar a conclusão de que o lockdown trouxe poucos ganhos e muitas perdas. 

Proponentes do lockdown veem as coisas de forma diferente, claro. Em junho de 2020, um estudo do Imperial College London declarou que o primeiro lockdown do Reino Unido foi um grande sucesso e salvou impressionantes 470 mil vidas. Esse número contou com um modelo produzido pela instituição que previa que 500 mil pessoas morreriam de covid-19, a menos que medidas rigorosas fossem tomadas. O número real de mortes (cerca de 30 mil na época) foi então subtraído dessa projeção. A questão é que, quando aplicados à Suécia, os mesmos pressupostos da modelagem previam 96 mil mortes no verão de 2020. O índice real de fatalidade àquela altura, apesar de não haver lockdown na Suécia, foi de 6 mil. Mesmo assim, essas modelagens altamente questionáveis foram usadas para justificar novas medidas de lockdown no decorrer da pandemia. E desde então elas foram consideradas “provas” de que os lockdowns salvaram uma quantidade inestimável de vidas. 

Dizer que a modelagem da covid-19 exagerou os perigos de manter a sociedade em funcionamento seria um grande eufemismo. A Inglaterra saltou para o seu segundo lockdown em novembro de 2020 por causa de modelos que alertavam que 4 mil mortes por dia eram iminentes. Essa previsão deveria ter feito algumas pessoas ficar desconfiadas. Não só porque, nessa fase, esse valor era mais do que o dobro do maior índice de mortes por covid-19 de todo o mundo. Na época, o recorde, que pertencia aos Estados Unidos, era de cerca de 2,2 mil mortes por dia. E os Estados Unidos têm uma população cinco vezes maior que a do Reino Unido. Mesmo assim, nos disseram para prestar atenção à modelagem e ignorar o mundo real. 

Capa de estudo publicado pelo Instituto de Assuntos Econômicos (IEA) | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Provas irrefutáveis de que essas modelagens eram falhas só chegariam em dezembro de 2021, quando o Grupo Científico Consultivo para Emergências do Reino Unido (Sage, na sigla em inglês) quase conseguiu cancelar o Natal. Os conselheiros científicos alertaram que, em um cenário mais grave, 6 mil pessoas poderiam morrer por dia, a menos que o governo impusesse um quarto lockdown nacional. E isso, vamos lembrar, foi depois da vacina. No fim, Boris Johnson ignorou o aconselhamento científico — ainda bem. As mortes por covid-19 naquele inverno chegaram a apenas 200 por dia. O que de fato foi mais baixo que o melhor cenário da modelagem, de 600 mortes por dia. Esse modelo refletiu a parcialidade dos cientistas — a saber, de que o lockdown era nossa ferramenta mais eficaz para enfrentar a pandemia e deveria ser empregado inexoravelmente. 

Enquanto isso, fora dos modelos de computador, para além das planilhas dos cientistas, os lockdowns estavam causando um dano catastrófico a basicamente todas as áreas da vida política e social. 

No começo da pandemia, a democracia foi efetivamente suspensa. O Parlamento britânico foi declarado um serviço “não essencial” e imediatamente fechado. E, mesmo depois que ele foi reaberto, o então secretário de Saúde Matt Hancock ainda pôde governar por decreto, disparando sobretudo ditames — de sexo casual ao ato de cantar — relacionados à covid-19, sem nenhuma necessidade de aprovação parlamentar. Apenas alguns rebeldes do Partido Conservador se deram ao trabalho de questionar as restrições, enquanto a chamada oposição exigiu regras ainda mais rigorosas. 

A saúde também sofreu muito. O Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) foi transformado em Serviço Nacional da Covid. Pessoas que enfrentavam outras doenças sérias, como o câncer, ou tiveram de buscar ajuda ou foram recusadas. Diagnósticos foram adiados, o que fez com que doenças tratáveis se tornassem incontroláveis. A lista de espera da NHS chegou a níveis inéditos, com 7,3 milhões de pessoas na Inglaterra esperando para iniciar algum tratamento hospitalar. 

Atualmente, nosso sistema educacional é assombrado por mais de 140 mil crianças fantasmas, como ficaram conhecidos os menores que, mais ou menos, nunca mais voltaram para a escola depois do lockdown. O número de crianças severamente ausentes das escolas aumentou 134% entre o outono de 2019 e 2023. Com tantos dias letivos perdidos, estudantes do ensino fundamental regrediram em habilidades básicas, como leitura, escrita e comunicação. Para os adolescentes, o equivalente a dois anos de exames foi prejudicado. E a diferença entre a frequência em escolas públicas e privadas se tornou maior, com alunos mais ricos tendo muito mais facilidade de se adaptar ao ensino remoto do que os mais pobres. 

A consequência econômica do lockdown também continua conosco. O primeiro lockdown nacional resultou na maior queda no rendimento econômico desde a Grande Geada de 1709 na Europa, quando um inverno bastante frio destruiu todas as colheitas britânicas e congelou o Tâmisa. Ainda que os danos do lockdown tivessem sido mitigados na época por um enorme gasto do governo, índices de juros absurdamente baixos e o equivalente a meio trilhão de alívio quantitativo, essas medidas acabaram desembocando na atual crise inflacionária. 

Ilustração: Shutterstock

A maior fatalidade de todas foi, claro, a liberdade. A suposição liberal de que você pode fazer o que quiser, a menos que as leis digam o contrário, foi virada de ponta-cabeça. Por meses a fio, fomos impedidos de sair de casa sem um motivo sancionado pelo Estado. A polícia assumiu a tarefa de monitorar o céu com drones, vasculhar pessoas com carrinhos de compras e entrar nas casas, muitas vezes sem justificativa legal. O lockdown representou, nas palavras de um juiz do Tribunal de Recursos britânico, “possivelmente o regime com mais restrições à vida pública das pessoas e das atividades comerciais da história”. 

Mas o escândalo real não é apenas a ineficácia do lockdown. Não são apenas os males óbvios e mensuráveis que ele causou à saúde, ao patrimônio e à educação. Não. O escândalo real é o fato de nossa liberdade ter sido confiscada de forma tão rápida e completa, e de que nossos preciosos direitos podem ser ignorados tão facilmente. Não podemos repetir nunca mais esse experimento desumano.


Fraser Myers é editor-adjunto da Spiked e apresentador do podcast da Spiked.
Ele está no Twitter: @FraserMyers

Leia também “Todas as grandes verdades começam como blasfêmias”

8 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Crianças que sofrerão retardo educacional, verba absurda para vacinas e emergência por parte da turma da $aúde, com $ sifrão, que refletem em outras áreas sem a devida verba, comerciantes com prejuízos. Por falar em comércio, em terra de OMS, onde estava a OMC?

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Se já se tem informações sobre o vírus criado em laboratório militar chinês, em parceria com laboratórios norte-americano e não se cobra pelo genocídio, estamos em guerra mundial

  3. JHONATAN SURDINI
    JHONATAN SURDINI

    A esquerda ocupou o EXECUTIVO. Para quê lockdown agora?! pahndemia? só gripezinha agora!

  4. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Podemos enganar alguém por algum tempo, mas é impossível enganar a todos o tempo todo.
    A verdade prevalecerá.

  5. MB
    MB

    👏👏👏👏👏👏

  6. João José Augusto Mendes
    João José Augusto Mendes

    Fui o pimeiro e não publicaram estou enviando este para ver se publicam

    1. MB
      MB

      Envie um comentário de resposta como esse e o comentário principal aparecerá.

  7. João José Augusto Mendes
    João José Augusto Mendes

    Após as decisões irracionais, vem a análise e a racionalidade, ate que seja necessâria outra decisão irracional isoo é do ser humano.

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