Ela estreou no dia 9 de julho, na rede indiana Odisha TV. Vestia um sari avermelhado com detalhes laranja. Na maquiagem, exibia o tradicional bindi — o ponto negro entre uma sobrancelha e outra, também chamado terceiro olho. Seus cabelos estavam presos. Usava brincos, e seus lábios pareciam ressaltados por um discreto batom. E então ela começou sua fala histórica: “Saudações calorosas a todos. Namastê. Eu sou a âncora da Odisha TV, Lisa.”
Lisa pisca enquanto fala, como qualquer pessoa normal, e balança a cabeça para acentuar suas frases. É preciso muita atenção para perceber que ela não existe – pelo menos não em carne e osso. Lisa foi criada como uma inteligência artificial. As únicas coisas que podem “denuncia-la são a posição excessivamente rígida das mãos. E sua infalibilidade.
Segundo a “biografia” de Lisa no site Wikibio, “a criação da âncora de inteligência artificial envolveu a utilização de large language models (LLM), algoritmos de aprendizado e capacidade de reconhecimento de voz para imitar interações similares às humanas. (…) O design de Lisa é tão refinado que sua voz, aparência e dicção dão a impressão de que ela nasceu em Odisha” — o estado-sede do site de notícias.
Lisa não é a primeira âncora artificial dos canais de notícias indianos. Sua “colega” Sana apresenta as chamadas do jornal do canal Aaj Tak, além de chamadas nas redes sociais, horóscopo e previsão do tempo. Sana é mais descontraída que Lisa — ela se apresenta com um vestido mais curto, com os cabelos soltos e batom em tom vermelho forte. Se alguém for preconceituoso com esses detalhes a ponto de classificar Sana como uma “perua”, é bom ficar sabendo que ela fala 75 línguas. Algum jornalista humano é capaz disso? Sana também está sendo “treinada” para conduzir debates na TV.
Segundo declaração de seus criadores ao site ZDNet, nem Lisa nem Sana deverão substituir humanos, mas “complementar os profissionais de carne e osso, executando tarefas mais simples e repetitivas”. Uma terceira apresentadora indiana, Pragati, é descrita de maneira mais modesta como uma “leitora de notícias” do canal I’M. Pragati é ainda mais difícil de ser identificada como um avatar. Em pouco tempo, o difícil será impossível.
(Fica uma pergunta: por que a Índia está tão adiantada nessa área de inteligência artificial? A resposta é razoavelmente simples: cada país faz suas opções. E, mesmo com seus enormes problemas, a Índia escolheu produzir tecnologia de ponta e hoje se tornou uma potência mundial nessa área. Prova disso foi sua incrível façanha de pousar a nave Chandrayaan-3 no polo sul da Lua, na quarta-feira passada.)
A primeira apresentadora à base de inteligência artificial foi lançada em 2018, na China, pela agência Xinhua, um dos inúmeros órgãos oficiais do Partido Comunista. Na sua estreia, Ren Xiaorong, usando um tailleur à moda Barbie e brincos de pérola, mostrou alguma dificuldade na sincronicidade da boca com a fala.
Ren surgiu dizendo (segundo o jornal britânico The Times) que poderia “apresentar notícias 24 horas por dia, com as habilidades de “milhares de âncoras noticiosos”. Mesmo sendo virtual, Ren já nasceu como uma dedicada funcionária do governo. Foi usada para ler as perguntas de espectadores sobre as reuniões do Congresso Nacional Popular e a Conferência de Consultas Políticas do Partido Comunista.
O regime comunista chinês não se contentou em criar a própria apresentadora. Ele também falsificou dois personagens, chamados Jason e Anna, para um jornal fake chamado Wolf News. As imagens foram criadas por uma empresa britânica chamada Synthesia, que atende qualquer cliente que queira usar Jason e Anna para fazer, por exemplo, uma campanha de marketing. Esse noticiário falso é espalhado pelas redes sociais, sempre criticando os Estados Unidos e repetindo as ordens e narrativas criadas pela ditadura chinesa.
A Synthesia cobra 30 dólares por mês para disponibilizar mais de 90 avatares representando pessoas de várias nacionalidades e idades, e cada um deles pode falar um total de mais de 120 línguas. Qualquer pessoa pode fazer com que esses avatares falem qualquer coisa. Basta escrever um texto e — voilà — um ser humano imaginário diz o que você quiser que ele diga. Simples assim.
Existe algum perigo representado pelo uso dessa tecnologia? Sim, se você usar o recurso do deep fake para gerar a notícia em si. Veja este exemplo:
No vídeo, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, supostamente avisa seus compatriotas de que a guerra com a Rússia está perdida e que eles devem se render aos invasores. Quem acompanha o avanço da tecnologia pode perceber claramente que esse Zelensky é tão falso quanto uma vodca Absolut preparada em alguma banheira do Paraguai. Sua expressão é dura, sua voz é mecânica, sua cabeça parece não pertencer ao corpo. É um deep fake grosseiro, feito como propaganda barata.
Com o tempo, os próprios redatores poderão ser substituídos por aplicativos de inteligência artificial. O ChatGPT, por exemplo, já é capaz de escrever textos copiando o estilo de determinado autor
O problema está nas pessoas com baixo nível de informação — e que podem acreditar numa falsificação dessas. E não é pouca gente que não está preparada para uma revolução desse tamanho. Esse “noticiário” provavelmente vai cair na rede de esgoto das redes sociais — e aí ninguém controlará mais nada. As mesmas pessoas que divulgaram a falsa rendição de Zelensky podem agora mesmo estar divulgando a “notícia” da prisão de Donald Trump, com “fotos” espetaculares de sua resistência à polícia. Tudo fake:
Muita gente pode ser e será enganada por essa manipulação tecnológica do jornalismo. Vai engolir mentiras grosseiras como verdades absolutas. A vida com a tecnologia da inteligência artificial será ainda mais arriscada, se as pessoas não se prepararem para ela. Fake news poderão influenciar pessoas às vésperas de uma eleição ou de algum evento importante. Apresentadoras como Lisa e Sama serão cada vez mais aperfeiçoadas, e ficaremos a cada dia mais incapazes de distinguir as pessoas reais das imaginárias.
Com o tempo, os próprios redatores poderão ser substituídos por aplicativos de inteligência artificial. O ChatGPT, por exemplo, já é capaz de escrever textos copiando o estilo de determinado autor. Não falta muito para que a atividade jornalística se torne quase completamente automática.
Pânico e tragédia
Isso é motivo de pânico? Motivo de pânico é o estado de miséria a que chegou boa parte da imprensa brasileira, que parece ter perdido completamente o rumo. A inteligência artificial não é ainda o fator mais determinante nessa crise. Nossa grande imprensa (com exceções cada vez mais raras) perdeu qualquer senso crítico, qualquer ousadia, qualquer criatividade. Se queremos continuar com nossos empregos, temos que ser melhores que os computadores em algum aspecto. Por enquanto nós, humanos, estamos perdendo de goleada.
No Brasil ainda não temos qualquer perspectiva de usar apresentadores e redatores à base de inteligência artificial em nossas TVs ou em sites de notícias. Se você acha isso uma tragédia, tente assistir a um desses canais mais governistas, que foram transformados em máquinas de doutrinação ideológica e partidária disfarçadas de jornalismo.
Coloque, por exemplo, um robô como Lisa ancorando o Jornal Nacional. Seu noticiário provavelmente se tornará mais humano do que é agora.
Leia também “O futuro do passado”
Dagomir muito bons artigos, sempre fora da caixa.
Até onde eu estou sabendo, o Brasil tem problemas muito maiores, especialmente com a pobreza, que impede as pessoas mais pobres de conhecer a tecnologia e diferenciar, o que é fruto da tecnologia e o que não é.
Sem contar que nosso país ainda tem mais da metade da população que não tem Água tratada, Coleta de Esgoto e Tratamento de Esgoto, separados esse número é melhor, mas os três indicadores juntos deixa o Brasil com um grande problema de infraestrutura.
Com todos esses problemas de Saúde Publica, por que o governo investiria em geração de Fake News, se não é para implantar Ditadura Comunista, manter os corruptos no poder ou se vingar da prisão de criminosos desviadores de dinheiro publico, daí já não sei a resposta.
Lisa, ancorando o Jornal Nacional, será um sucesso! Evitará problemas de pejotização da Renata Vasconcelos.
Aonde vamos parar com essa tecnologia, um robô falando 120 linguas. A Índia tá em primeiro lugar na enganação, um país super povoado com tanta gente abaixo do nível de pobreza, com essa tecnologia de ponta. O interessante é que não ganha do Brasil aqui o Lula é seu próprio avatar, duvido alguém duvidar se é um avatar, ele só tá perdendo na lingua que ao invés de falar 120 linguas ele só fala o português muito mal falado e o javanês, esse sim todo mundo entende principalmente Fátima Bezerra, disso ela tem certeza que não é Gópi
É óbvio que seria bem melhor assistir a um robô desses do que ao Bonner e Renata Vasconcellos.