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Ullisses Campbell lança novo livro | Foto: Divulgação
Edição 180

‘O assassino poderia ser o seu vizinho’

O jornalista e escritor Ullisses Campbell, autor das biografias de Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga e Flordelis, comenta o crescente fascínio dos brasileiros pelos chamados 'crimes reais'

Evellyn Lima
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O consumo de filmes, livros, séries e documentários do gênero true crime (“crime real”) aumenta a cada dia no Brasil. Desta vez, contudo, não são os criminosos de outros países que prendem a atenção dos brasileiros. Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga e Flordelis dos Santos são alguns dos nomes que entraram para o hall dos assassinos célebres mundiais — e agora também são presenças constantes na cultura pop.

O jornalista e escritor Ullisses Campbell é um dos responsáveis por isso. Ele é autor de Suzane: Assassina e Manipuladora (2020), Elize Matsunaga: A Mulher Que Esquartejou o Marido (2021) e Flordelis: A Pastora do Diabo (2022). As três biografias não autorizadas revelam detalhes íntimos (e assustadores) das protagonistas e são sucesso de vendas.

Suzane mandou o namorado e o cunhado matarem os próprios pais, em 2002, para que ela pudesse ficar com a fortuna deles. Condenada a 39 anos de prisão em 2006, foi solta em 11 de janeiro deste ano. Elize matou e esquartejou o marido, o empresário Marcos Kitano Matsunaga, em 2012. Condenada a 19 anos e 11 meses de prisão, teve a pena reduzida para 16 anos e três meses. Em maio de 2022, conseguiu a liberdade condicional.

Flordelis já era famosa antes do crime. Pastora, cantora gospel e deputada federal pelo Rio de Janeiro, foi a mulher mais votada para a Câmara dos Deputados fluminense em 2018 (e a quinta colocada no ranking geral). Flordelis se projetou na mídia brasileira nos anos 2000 como “mãe de 50”. Em 2009, sua vida inspirou o filme Flordelis: Basta uma Palavra para Mudar, estrelado por Bruna Marquezine, Cauã Reymond e outras estrelas globais, como Ana Furtado, Reynaldo Gianecchini e Deborah Secco.

O jornalista e escritor Ullisses Campbell | Foto: Divulgação

Ullisses Campbell mostra em seu livro que os problemas de Flordelis não começaram quando ela decidiu assassinar o marido, o pastor Anderson do Carmo, em 2019. Ela nunca teve 50 filhos e teria cometido diversos crimes antes, como a exploração sexual de adolescentes. Flordelis foi condenada, em novembro de 2022, a mais de 50 anos de prisão pela morte do marido. Na última terça-feira, 29, a Justiça negou o pedido de liberdade da ex-deputada.

No próximo dia 15 de setembro, Campbell vai lançar, na livraria Drummond, no Conjunto Nacional, a trilogia Mulheres Assassinas, uma coleção com versões ampliadas de seus livros. Campbell conta que a ideia da coleção ampliada foi o resultado de uma demanda de mercado. As pessoas costumam comprar os livros juntos, e as livrarias começaram a pedir à editora para fazer um box.

Quando soube que a Matrix Editora atenderia ao pedido, Campbell teve a ideia da versão ampliada. “São biografias de pessoas que estão vivas”, diz. “A vida continua, e o livro fica defasado muito rapidamente.”

“Para ter uma ideia, quando lancei Suzane: Assassina e Manipuladora, ela estava casada com Rogério Olberg e cumpria pena em regime semiaberto”, recorda. “Agora ela está grávida de outro homem e está em regime aberto, além de ter lançado o Su Entre Linhas.”

O Su Entre Linhas é um ateliê on-line em que Suzane von Richthofen vende calçados personalizados, pantufas e bolsas costurados, teoricamente, por ela mesma. Suzane tem 30 mil seguidores no Instagram, principal meio de divulgação da marca. Um par de chinelos customizados na cor prata, por exemplo, é vendido por R$ 160. Um kit de nécessaires sai por R$ 59,90, e uma bolsa para cachorro é anunciada por R$ 80.

“A Suzane tem fã-clube”, diz Campbell. “Tem as pessoas que a apoiam. Elas dizem que não apoiam o crime, mas apoiam a ressocialização.” Um homem que se intitula fã número 1 tatuou o nome de Suzane nas costas.

Agora, a parricida está grávida de quatro meses. O livro de Ullisses Campbell sobre Suzane relata que ela escolheu os nomes Benjamin, caso tenha um menino, e Isabella, se tiver uma menina. Segundo o autor, o desejo de ser mãe é antigo.

“Recentemente, Suzane apresentou um trabalho oral na feira de ciências da faculdade, em que falou do tema gravidez tardia e de como a tecnologia ajuda a mulher depois dos 40 a engravidar”, diz Campbell. O biógrafo também revela que a escolha do nome Isabella não é mera coincidência. “É o nome da enteada de Anna Carolina Jatobá, que é a melhor amiga dela.”

Suzane, Assassina e Manipuladora, de Ulisses Campbell | Foto: Divulgação

Isabella foi morta antes de completar seis anos, ao ser arremessada de uma janela do sexto andar, em março de 2008. Os principais suspeitos do crime são Alexandre Nardoni, o pai, e Anna Jatobá, a madrasta. Anna e Suzane ficaram amigas na Penitenciária Feminina de Tremembé.

Elize Matsunaga também cumpria pena na unidade. Ela inclusive perdeu uma namorada para Suzane. Hoje, Elize está “na iminência de voltar para a cadeia, porque foi indiciada pela polícia de São Paulo por ter usado documentos falsos”, conta Campbell. Ela voltou à mídia há alguns meses por estar trabalhando como motorista de aplicativo em Franca, no interior de São Paulo.

Em entrevista a Oeste, Campbell conta detalhes da vida das três assassinas e explica por que as pessoas são tão fascinadas por crimes reais. Ele também fala sobre os novos livros do gênero, que pretende lançar em breve. 

Confira os principais trechos da entrevista.

Por que histórias de assassinos, como as de Suzane von Richthofen, Flordelis e Elize Matsunaga despertam tanto fascínio?

É bom lembrar que esses são crimes que envolvem a classe média, a classe média alta. Em geral, as pessoas têm interesse em saber sobre o crime que acontece perto, quando acham que o assassino poderia ser o vizinho. A Suzane estudou em uma das melhores faculdades de Direito de São Paulo, então isso aproxima o crime. A Elize frequentava os melhores restaurantes de São Paulo. Você poderia ter sentado numa mesa do lado dela. A Flordelis era deputada federal. O interesse vem dos iguais. Poderia ser comigo, poderia ser aqui do lado de casa.

Mulheres Assassinas, nova coleção de Ulisses Campbell | Foto: Divulgação
O que o levou a querer escrever sobre essas mulheres?

Trabalhei na revista Veja durante muitos anos e sempre cobri os crimes de grande repercussão. A minha especialidade era essa. Comecei a fazer muitas reportagens sobre a Suzane. Ela nunca dá entrevista. Para alcançar informações, tive que conversar com as mulheres que cumpriam pena junto com ela. Assim, me deparei com histórias ainda mais interessantes que a da Suzane. Queria escrever um livro sobre essas mulheres, mas ninguém sabe quem são elas. Então pensei: “Qual seria meu chamariz para lerem as histórias delas? A Suzane”. No lançamento do livro da Suzane, uma das pessoas que estavam na fila para pegar um autógrafo era o advogado Luciano Santoro, da Elize Matsunaga. Ele perguntou para mim: “Quando vai ser com a minha cliente?”. Eu respondi: “Quando você quiser”. Quando o advogado concorda, é meio caminho andado. Quando estava lançando o livro da Elize, em 2021, começou o processo de cassação da Flordelis. E estava muito claro que a próxima seria ela.

“Tanto a Elize quanto a Suzane têm um desejo de contato com o público. Isso é muito característico de psicopatas”

Por que o senhor escreveu sobre Suzane, Elize e Flordelis, e não sobre Anna Jatobá?

O brasileiro tem um fetiche pela Suzane. E mais ainda pela Elize, que matou um homem extremamente tóxico, violento e radioativo. Principalmente por seu dilema como mãe, que agora precisa se reaproximar da filha. A Flordelis não tem simpatia nenhuma, mas ela também vende bastante. Quando a gente destrincha o crime, chega a uma conclusão em relação ao casal Nardoni: a Jatobá é a periférica do crime. O assassino mesmo é Alexandre. Ele tinha a responsabilidade de cuidar dessa menina. É um crime cometido por dois, e ninguém sabe ao certo o que cada um fez. Então, a complexidade desse caso e seu lado frágil, a mãe da Isabella, fizeram com que eu nunca tivesse interesse em escrever sobre ele.

Elize Matsunaga, A Mulher que Esquartejou o Marido, de Ulisses Campbell | Foto: Divulgação
O senhor diria que Elize Matsunaga é psicopata? 

Não tenho a menor dúvida, porque os laudos são muito consistentes. Eles citam o exemplo, no caso da Elize, de como ela esquarteja o marido. Ela coloca as partes do corpo dentro de três malas no bagageiro do carro e é parada numa blitz. Ela tem o carro revistado, e os policiais veem as malas, mas resolvem não perguntar o que havia nelas. Qualquer pessoa que não fosse psicopata teria ficado abalada emocionalmente, e até se urinaria de tão nervosa. E ela? Simpaticíssima. Os policiais contam que ela estava sorrindo, não correu uma gota de suor. Outro sinal de psicopatia é que, quando ela está esquartejando o marido, a babá bate na porta e diz: “Sua filha está chorando porque quer mamar”. Ela para de esquartejar o marido, lava as mãos e bota a bebê no colo para mamar. Depois, entrega a bebê à babá e volta para terminar o esquartejamento.

O senhor diria o mesmo de Suzane e Flordelis? 

Tanto a Elize quanto a Suzane têm um desejo de contato com o público. Isso é muito característico de psicopatas. Se eu tivesse cometido um crime e minha cara estivesse em todos os jornais, não iria querer ser fotografado, ser visto. A Suzane recentemente tentou fazer um concurso público para virar telefonista da Câmara de Vereadores de Avaré. Ela quer ter contato com o público. Ela tem um Instagram com 30 mil seguidores onde ela interage, oferece, vende as coisas dela. A Elize foi fazer transporte de aplicativo. Acho isso de uma ousadia. Elas têm esse traço de narcisismo, que é comum nos psicopatas. A Suzane não tem laudo dizendo que é psicopata, mas muitos psicólogos especializados dizem que uma das características do psicopata com alto grau de manipulação é manipular até o psicólogo que está fazendo a avaliação. 

O que há de mais interessante sobre Flordelis?

A Flordelis tem uma jornada de vida um pouco parecida com a da Elize Matsunaga. Só que a Elize é mais reativa. O marido da Flordelis era um lixo de homem, assim como o Marcos Matsunaga. O Anderson era ainda pior, porque estuprava meninas e meninos dentro de casa. Tem uma passagem no livro da Flordelis em que ele faz uma reunião de pastores em sua casa, e ela está junto. E ele começa a dizer: “Olha, eu fiz a Flordelis. Se não fosse eu, ela estaria até hoje recolhendo adolescente remelento da favela e levando para casa para dar um prato de comida. Transformei ela numa pastora de sucesso, numa cantora de sucesso e na deputada federal mais votada do Rio de Janeiro”. A Flordelis não sabia sair de casa para comprar um pão na padaria. Ela não sabia quanto ganhava, até descobrir que havia sido roubada por ele. Ela acorda para a vida e diz: “Olha, não quero mais”. Mas entram questões religiosas, do tipo: “Ah, sou uma pastora, não posso ser uma mulher separada”. É incrível, mas entre ser uma mulher separada e ser uma assassina, ela escolheu ser uma assassina. 

Flordelis, A Pastora do Diabo, de Ulisses Campbell | Foto: Divulgação
Qual dos crimes o senhor considera mais surpreendente, não só no sentido de ser chocante, mas em relação aos elementos que o envolvem?

A Elize ter esquartejado o marido não é só surpreendente. É muito chocante ela ter passado seis horas esquartejando o marido. O esquartejamento é algo muito brutal. É algo estarrecedor. A Elize fica numa caixinha especial, porque a Suzane e a Flordelis são mandantes. Nenhuma das duas sujou as mãos de sangue, o que faz com que o crime se distancie um pouquinho mais delas. E tem a questão de deixar a cabeça por último. É muito comum, nos crimes de esquartejamento, as pessoas primeiro fazerem a degola, porque ficam mais à vontade para esquartejar um corpo sem parecer “que tem alguém olhando”. Mas a Elize manteve a cabeça; ela só a cortou para caber na mala.

Você pretende escrever sobre outros assassinos?

O que tenho de projeto é um outro livro sobre a Suzane. Uma continuação. O livro atual é o mais enxuto dos três. Começa no momento em que ela conhece o Daniel e vai até quando ela começa a ter as primeiras saidinhas, ou seja, de 1998 a 2016. O novo livro fala sobre a infância da Suzane. O perfil detalhado dos pais. O livro da Elize tem a biografia completa da mãe, que era uma mulher completamente louca. Então, este vai ter a biografia dos pais da Suzane. O novo livro vai ser recheado com histórias paralelas de outros filhos que também mataram os pais, para a gente entender um pouco o que passa na cabeça de alguém que comete esse tipo de crime. É um ensaio sobre os parricidas. Também estou escrevendo sobre o Maníaco do Parque. Esse livro será lançado em março do ano que vem.

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