Uma praga chamada javaporco

O animal chega a 250 quilos, 1,80 metro de comprimento e espreita lavouras e pastos brasileiros. Trata-se do javaporco: um híbrido que se alimenta de praticamente tudo o que vê pela frente (vegetal e animal) e tem força suficiente para matar um homem adulto. Pode acabar com uma lavoura de milho de tamanho médio em apenas uma noite.

Esse animal surgiu do cruzamento entre javalis e porcos domésticos. É a mistura explosiva de uma espécie feroz com outra de genética adaptada para a reprodução em escala. Pode expandir sua população em até 150% de um ano para outro.

Até mesmo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) admite que é necessário conter esses bichos, hoje tratados como uma praga. Ainda assim, o órgão baixou uma portaria em agosto suspendendo a emissão de novas licenças para a caça com armas de fogo, o que dificultou ainda mais a contenção da proliferação desenfreada.

“A decisão do Ibama criou uma proibição branca”, disse o advogado Mardqueu Silvio França Filho. Vereador pelo PRTB em Monte Azul Paulista, no interior de São Paulo, ele se especializou no manejo com arma de fogo e é convidado para caçar em propriedades de todo o Brasil.

A proibição ‘branca’ do Ibama

O Instituto alega que as emissões e renovações de novas licenças de caça dependem agora das Forças Armadas. A mudança ocorreu em razão das restrições impostas pelo governo Lula. O novo regramento está no Decreto nº 11.615, de 21 de julho de 2023 — que realmente dificultou o acesso às armas. Mas o problema causado pela decisão vai além dos novos registros de armamentos.

Pelas regulamentações do Ibama, não basta ter uma espingarda registrada para, nesses casos, poder usá-la na própria fazenda. Também é preciso obter outra licença do órgão para poder caçar o javaporco dentro da propriedade — e essas liberações também estão suspensas.

Assim, alguns produtores rurais não podem usar as armas de fogo registradas e perfeitamente legais para impedir que uma lavoura seja devastada ou que um animal doméstico seja devorado. A sanha do governo petista em impedir que homens comuns tenham acesso ao armamento acabou agravando um problema que já era grande para o agronegócio.

Nem sequer a renovação é permitida. Ou seja: caso os animais tenham começado a aparecer numa lavoura depois da decisão do órgão (e se o agricultor não obteve o licenciamento antes dela ser anunciada) rifles, espingardas ou revólveres não podem ser usados contra os híbridos gigantes. Nesse caso, resta apenas ver a devastação acontecer e rezar para que outros métodos (como armadilhas) funcionem.

Caixa de pandora

Além disso, os javalis e os javaporcos podem causar desequilíbrios no bioma. Quando adultos, não há predadores naturais para eles no Brasil. Só o homem armado consegue contê-los. Esses animais são onívoros — eles comem de tudo. A soma desses fatores gera um grande problema ambiental.

“Ovos de aves que fazem seus ninhos no chão, como perdizes, pequenos animais, insetos, vegetais e carcaças de animais mortos, tudo é alimento”, disse Artur Felício, veterinário responsável pelo Programa Estadual de Sanidade Suídea, da Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo. De acordo com o especialista, o bicho também compete por alimentos com as espécies nativas — limitando o desenvolvimento delas. 

Outro ponto importante, segundo Felício: esses animais exóticos transmitem doenças que podem atingir animais domésticos e silvestres. A caixa de pandora inclui, entre muitas outras, peste suína africana, toxoplasmose, tuberculose e até hepatite.

Em 2002, já havia registros em 13 municípios. Dez anos depois, a marca subiu para 379. E o levantamento mais recente, feito em 2019, listava 819 municípios enfrentando problemas com os javaporcos

O governo de São Paulo, assim como o de outros Estados, usa o manejo para monitorar a dispersão das doenças. Em razão do licenciamento para o manejo, todos os animais mortos têm de ser registrados. Parte deles é utilizada para a coleta de amostras de sangue, o que gera um paraíso estatístico de informações — outra ferramenta que foi reduzida em razão do decreto presidencial.

Essa confusão toda acontece, ainda que exista um consenso: é fundamental impedir a proliferação da praga. Os veterinários atestam isso, os caçadores concordam. E até mesmo o Ibama — autor da suspensão — reconhece a necessidade.

Ao anunciar a decisão do Ibama, Lívia Karina, diretora de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas, confirmou a importância do manejo. “Reconhecemos a importância das ações de controle do javali, espécie exótica invasora”, declarou. “Porém, a adequação do procedimento autorizativo ao novo decreto é necessária para que haja segurança jurídica na emissão de novas autorizações.”

A chegada do invasor

Mais uma prova de quanto o controle é necessário é a dispersão da espécie pelo território nacional. O mais provável é que os javalis tenham entrado no Brasil pelo Rio Grande do Sul, cruzando a fronteira com a Argentina. Em 1962, apenas dois municípios haviam relatado a presença deles.

Desde que isso aconteceu, o número aumentou. Em 2002, já havia registros em 13 municípios. Dez anos depois, a marca subiu para 379. E o levantamento mais recente, feito em 2019, listava 819 municípios enfrentando problemas com os javaporcos.

A maior parte deles está espalhada pelo centro-sul do Brasil onde estão Estados-chave para o agronegócio, como Mato Grosso, São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul — o grande fornecedor de um dos alimentos mais fundamentais para a população do país, o arroz.

Contudo, alguns Estados da Região Norte já tiveram os primeiros registros. Ali predomina o bioma Amazônia, com selva densa. Um lugar de difícil acesso para o homem — mas não para os javaporcos.

Leia também “A cesta (nada) básica do MST”