“As pessoas só eram soltas, liberadas, depois de confessarem e fazerem acordo. Isso é uma vergonha, e nós não podemos ter esse tipo de ônus. Coisa de pervertidos. Claramente se tratava de prática de tortura, usando o poder do Estado.” Essa frase foi dita em maio deste ano pelo ministro Gilmar Mendes, durante sessão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele atacava — mais uma vez — a equipe de procuradores da Operação Lava Jato no Paraná e o ex-juiz, hoje senador, Sergio Moro. Para ele, Curitiba foi o “germe do fascismo”.
Gilmar Mendes é o responsável pela articulação que moeu a Lava Jato nas Cortes superiores, com a ajuda de Dias Toffoli e do agora ministro aposentado Ricardo Lewandowski. A anulação dos processos em cascata levou em conta o que foram considerados abusos dos investigadores: prisões preventivas alongadas para forçar delações, pescaria de provas, uso de quebras de sigilos descontextualizadas, concentração de poderes nas mãos de um único juiz e foro ou jurisdição inadequados — o tal “erro de CEP”. A Lava Jato foi completamente apagada dos tribunais.
Como se existissem duas Cortes Supremas, duas Constituições e mais de um Código de Processo Penal em vigor no país, toda essa lista de práticas jurídicas e policiais tem sido empregada livremente pelo ministro Alexandre de Moraes há quatro anos. É uma Justiça paralela. Desde janeiro, o gabinete dele tem amplo respaldo e colaboração da Polícia Federal, chefiada pelo comunista Flávio Dino.
Aos fatos: no início de setembro, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, deixou o Batalhão de Polícia do Exército de Brasília usando uma tornozeleira eletrônica. O militar passou quatro meses preso e só foi liberado depois de assinar uma delação premiada — sem necessidade de anuência do Ministério Público. Qual é a diferença entre o tratamento dado a Mauro Cid e os métodos da Lava Jato? Se o tratamento é o mesmo, logo o STF já decidiu que é ilegal.
Por enquanto, o teor das declarações de Mauro Cid é desconhecido. Segundo a velha mídia anuncia há três semanas, o conteúdo é bombástico. Até agora, só foram publicadas manchetes de festim.
O ex-auxiliar de Bolsonaro foi preso num esquema ainda não comprovado de fraude de carteirinhas de vacinação da covid-19, que se desdobrou na venda de um relógio Rolex nos Estados Unidos — recebido como presente por Bolsonaro em viagem oficial. No meio do caminho, a Polícia Federal diz que descobriu uma minuta apócrifa de um golpe de Estado no Brasil que não aconteceu. É tudo o que se sabe sobre ele.
Nessa mesma lista de alvos de inquéritos estão o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, preso há dois meses numa investigação sobre bloqueios para vistoriar ônibus no dia da eleição — que completa um ano neste mês —, e Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, que passou quatro meses na cadeia. Pesam contra Anderson acusações de ter feito alguma coisa, não se sabe o quê, para facilitar a depredação de prédios públicos no dia 8 de janeiro. Também foi encontrado em sua casa, depois de ele ser preso, um rascunho da “minuta do golpe”.
Esse é um retrato do que acontece hoje no Supremo Tribunal Federal.
Vingança
Toda essa ginástica aplicada na legislação penal ou até eleitoral só atingiu um lado do espectro político: a direita. Outros dois casos envolvem vingança explícita: os dos ex-deputados Daniel Silveira (RJ) e Deltan Dallagnol (PR). O primeiro foi enredado no início da caçada contra aliados de Bolsonaro e depois se tornou caso de perseguição pessoal de Moraes. O segundo foi punido pelo trabalho na Lava Jato.
A cassação do mandato de Dallagnol entrou para a história como um episódio mediúnico. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chancelou a acusação do PT de que Dallagnol um dia poderia ser punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público — ele respondia a processos quando registrou sua candidatura. Acabou enquadrado na Lei da Ficha Limpa por um eventual crime futuro.
Daniel Silveira segue preso por ter enfrentado Moraes algumas vezes. Por exemplo: o ministro mandou a Polícia Federal entrar no Congresso para instalar uma tornozeleira no deputado. Foi o último desdobramento de uma queda de braço que começou depois da punição por um vídeo de péssimo gosto, com ataques aos ministros nas redes sociais. Como é praticamente impossível remover um conteúdo da internet, Moraes criou o flagrante perpétuo. Silveira foi enquadrado na extinta Lei de Segurança Nacional. Foi rifado pelo plenário da Câmara. Por fim, ao final do mandato de deputado, Moraes ainda passou por cima de um indulto presidencial concedido por Bolsonaro.
O caso de Daniel Silveira ficou marcado como o dia em que a Câmara dos Deputados abriu mão da imunidade parlamentar constitucional.
Foro não privilegiado
De todas as práticas criminalizadas na Lava Jato e agora recicladas pelo gabinete de Alexandre de Moraes, uma delas é a centralização de todos os inquéritos. A maioria dos advogados não sabe afirmar quantos estão abertos. A matriz trata de atos antidemocráticos, mas surgiu como combate às fake news e depois às milícias digitais. Sobre o 8 de janeiro, surgiram mais quatro pastas, que apuram se houve financiadores e incitadores do quebra-quebra. Há ainda dezenas de pessoas punidas e multadas pelo que disseram nos últimos anos nas redes sociais — independentemente do período histórico.
Desse grupo de brasileiros enrolados até o pescoço com a Justiça, 250 já estão no banco dos réus pelo 8 de janeiro. Quase todos passaram mais de seis meses na Papuda ou na Colmeia, respectivamente os presídios para homens e mulheres no Distrito Federal. Estão sendo condenados, em blocos humanos, a penas que chegam a 17 anos de prisão. Foi apresentada uma alternativa pelo Ministério Público: assinar um acordo de não persecução penal, ou seja, admitir a culpa por um crime que não cometeu para se livrar do tempo em cela.
Na semana passada, soube-se durante a despedida de Rosa Weber da Corte que ela acompanhou Moraes numa visita à ala feminina da Colmeia. A ministra disse que as mulheres, com faixa etária que lhes permite serem tratadas como “avós”, teriam rezado e aplaudido Moraes. O que levaria essas mulheres a enaltecer seu algoz dentro de uma cadeia? Num depoimento ao programa Oeste Sem Filtro, uma das detentas explicou que metade da história é fruto da imaginação de Rosa Weber; a outra metade aconteceu por medo — houve casos de mulheres que se urinaram.
Duas mulheres foram sentenciadas pelo Supremo: Jupira Silvana da Cruz Rodrigues e Nilma Lacerda Alves. Ambas foram presas dentro do Palácio do Planalto. Os crimes são tratados como abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa. Moraes condenou cada uma das duas a 14 anos de prisão, mais multa de R$ 44 mil, dinheiro que elas não têm.
Jupira é mineira de Betim, tem 57 anos, é aposentada, avó e cuidadora de um jovem com transtorno mental. A principal prova contra ela foi o material genético recolhido de uma garrafa de água no Palácio do Planalto — talvez, oferecida por um dos auxiliares à paisana do general G. Dias, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). A defesa diz que não há imagens contra ela de depredação. Nilma tem 47 anos, também é avó e mora em Barreiras, no oeste da Bahia. Nenhuma delas jamais pegou em armas na vida, tampouco tem treinamento militar ou recebeu algum tipo de ordem de comando. Os advogados afirmam que os votos de Moraes foram “copiados e colados”.
“Estando todos os agentes unidos pelo vínculo subjetivo, agindo com iguais finalidades e contribuindo uns com os outros para a obra criminosa coletiva comum, tentou, com emprego de violência e grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes Constitucionais.”
(Voto de Alexandre de Moraes)
São apenas duas das mais de mil pessoas que não tiveram o direito ao devido processo legal. Não houve individualização de condutas. Os advogados estão impedidos de realizar as sustentações orais em plenário porque, desde a semana passada, os julgamentos são virtuais — serão realizados presencialmente e à luz da TV se algum ministro destacar o caso.
Um detalhe, contudo, é unânime para os advogados. Por que os réus estão sendo submetidos a um verdadeiro júri pelo Supremo Tribunal Federal se nenhum deles detém foro especial?
Recentemente, o foro adequado para análise foi justamente um dos pontos centrais do mesmo STF para anular provas da Lava Jato. O caso mais emblemático foi o do então ex-presidente Lula, no que ficou conhecido como “erro de CEP”. Em 2021, o ministro Edson Fachin anulou provas contra o petista porque casos que estavam na 13ª Vara de Curitiba deveriam ser analisados no Distrito Federal — que seria o “juiz natural”. A tese, contudo, não tem sido aplicada por Moraes. Advogado de Lula na época, Cristiano Zanin agora divide a bancada da toga.
Na semana passada, ao ser questionado por um repórter se pretendia recorrer da condenação de um dos réus do 8 de janeiro, um advogado resumiu o que acontece no Brasil: “Recorrer a quem? A Deus?”.
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É , falta aos membros do STF CONCURSO OU CURSO JUIZES DE CARREIRA, e talvez erros como o que ficou conhecido como CEP , ocorre por não ter contestação. Agora entra como normal tal conduta jurídica.
Juíz sem jamais ter sido aprovado em um concurso público para a magistratura!!! Essa CF/88 precisa ser revista pra ONTEM!!!
O povo brasileiro precisa ser forte para encarar este momento difícil. Uma quadrilha criminosa, como a maioria da atual composição do alto escalão de Brasília, não pode durar tanto tempo.
as vezes eu fico pensando que deu Tantos Poderes pra um Homem que não teve um Voto do Povo e o pior ninguém fala nada , fica todo mundo Vendo e Aplaudindo o Cara fazendo o que bem entende
Mas, e faz diferença, ter votos?! Até hoje queremos desvendar o mistério do resultado das urnas em 2022!! Em um país “democrático” como o Brasil, onde se elegeu o presidente por maioria absoluta dos votos e onde a Carta Magna estabelece que esse agente do poder delegado do povo pode indicar um juiz do supremo – catando ele do lixão da sociedade (desde que ele tenha notório saber jurídico pra passar pela sabatina do Senado, os representantes do nossos estados, pelo voto!!) – CONFIA que a voz do povo é a voz do deus Lula!!!!!!!!!!!!!!!!
Estão agindo dessa maneira por terem o rabo preso, não existe outra explicação para tamanho descalabro.
Estamos vivendo um período crítico na história do país.
A justiça cedeu lugar ao descalabro e as normas jurídicas e processuais estão sendo vilipendiadas todos os dias.
São pesos e medidas diferentes sem nenhuma analogia ou conexão com fatos reais, capitaneados por um STF que ignora a CF e todos os ritos jurídicos.
O Congresso expressou uma tímida reação e se não avançar, chegará o momento em que a paciência do povo, único e legítimo dono deste país irá reagir.
Parabéns
É nojento por demais.
Excelente texto Silvio. A hipocrisia e a monstruosidade desses togados me dá nojo. Assistir os discurso de Moraes, Gilmar e Barroso é revoltante, atuam fora da Lei, quem manda sou eu, um verdadeiro abuso de autoridade permitido por um Congresso, onde temos um Presidente do Senado COVARDE. O tirano Moraes se tivéssemos um Senado que cumprisse o seu papel, já estaria na RUA, o lugar merecido para quem rasgou a Constituição.
Triste triste, muita covardia e muitos abusos dessa ditadura
Cadê as autoridades de bem nesse país?
Tem que diluir esse governo e essa justiça terrorista ou vamos ficar submisso aos criminosos, nós somos 220 milhões de pessoas eles não são nada na nossa frente
Agora fica muito claro essa máxima que a Lei não é para todos. Aos amigos não limite da lei.
Não há comunismo sem ditadura, e não há liberdade sem democracia.Romulo Philip