– Parei de ler jornal.
– Por quê?
– Só tem intriga, cascata e notícia ruim.
– Pra dar notícia boa não precisava de jornal.
– Por que não?
– Se a notícia é boa já tá tudo bem. Você precisa saber da notícia ruim pra reagir, pra se proteger, pra mudar.
– Pra brigar, pra reclamar…
– Ninguém precisa de jornal pra ter do que reclamar.
– Ninguém vive mais sem um bate-boca diário.
– De qualquer maneira, não adianta você parar de ler jornal. Tem notícia ruim na TV também.
– Não vejo mais TV.
– Vai se alienar.
– Talvez.
– Bom, vou te dar um conselho: esse negócio de ficar só na internet é complicado. Quando você vê, tá num mundo paralelo.
– Não tô.
– Pode não estar ainda. Mas é questão de tempo. E uma das características desse mundo paralelo da internet é a pessoa achar que aquele mundo é real. Você pode já estar entrando sem sentir.
– Não estou. Não uso mais rede social.
– Ué? Navega por onde, então?
– Não navego.
– Não?! Como você faz? Fica num site só? Recebe notificações?
– Não. Nem site, nem notificações, nem likes, nem links, nem seguidores, nem inscrições, nem comentários, nem compartilhamentos, nem posts, nem lives. Nada.
– Impressionante. Ficou só nos grupos de WhatsApp? Cuidado que vem muita fake news nesses grupos, hein? Quando você se dá conta, já passou adiante, aí vão te acusar de desinformação.
– Não vão. Eu não estou em nenhum grupo de WhatsApp. Não repasso nada porque não recebo nada.
– Nunca vi nada igual. Tá só ouvindo rádio, então?
– Também não.
– Ah, calma lá! Como você fica sabendo das coisas?
– Que coisas?
– As coisas todas, ué. A guerra na Faixa de Gaza, por exemplo.
– Por alto.
– Mas viver assim é uma loucura! Coisas terríveis estão acontecendo nessa guerra, você como cidadão civilizado precisa repudiar a violência.
– Outro dia ouvi no rádio do táxi um sujeito chamando barbárie de “reação”.
– E responderam o que a ele?
– Não sei. Saltei do táxi.
– Assim você não contribui.
– É. Ou então estou contribuindo com a minha falta de contribuição.
– Isso não faz sentido.
– Se contribuir é tomar partido de qualquer coisa e procurar qualquer um pra esculhambar, a minha ausência pode estar preenchendo uma lacuna.
– Não tem medo de ser discriminado com esse comportamento radical?
– Não tinha pensado nisso. Radical?
– Claro. Rompeu com o mundo à sua volta. Isso não é radicalismo?
– Não rompi com o mundo. Só estou quieto no meu canto.
– Não existe mais canto. Agora é tudo uma coisa só.
– Então eu quero outra coisa.
– Já falei que é uma coisa só.
– Sempre tem outra.
– Tudo bem. Você está em negação, não adianta insistir. Mas não reclame quando começar a ser discriminado.
– Onde?
– No seu universo, na sua comunidade.
– Eu não estou em lugar nenhum.
– Como não? Você está aqui na minha frente.
– Estamos numa esquina. Esses locais que você falou estão dentro do telefone. A esquina não tá no telefone.
– Tá onde?
– Na esquina.
– Você é confuso. De qualquer forma não tem como você sumir, a sua geolocalização sempre estará registrada.
– Se eu quisesse sumir não estaria aqui no meio da rua. Não preciso de geolocalizador.
– Não é questão de precisar. É um fato da vida.
– Nem sempre.
– Pega o seu telefone que vou te mostrar uma coisa.
– Não dá. Estou sem telefone.
– Você é doido de sair sem telefone!
– Pode ser. Mas até aqui a caminhada foi tranquila, ninguém veio anunciar o fim do mundo. O máximo que aconteceu foi você me chamar de doido.
– Desculpe, não quis ofender.
– Não ofendeu. Sem telefone ninguém ofende.
– Como assim?
– Passa amanhã nessa esquina que eu te explico.
Leia também “A revolução do chocolate”
A vida social dentro de uma colônia globalista foi retratada com maestria !
Esse personagem é um novo tipo: 0 irradical.
Parabéns Fiuza!
Parabéns pelo artigo. Faço parte desse mundo. Que loucura. Ainda bem que já estou velho não precisarei vivenciar muito coisas piores. Abc
As ironias do Fiuza são geniais.
Fiuza é totalmente excelente! No momento, eu medito muito para aguentar os obstáculos.
Precisamos ser combativos. Ficar fora de órbita do que está ocorrendo não contribuirá para deixar o mundo melhor para nossos filhos.
CONGRATULATIONsss! IT’s amazing, fantastic, marvelous and MARVEL. Help me to open my MIND. SQL TKsss Att.
Bárbaro!
Que crônica fantástica.
Há algum tempo que escritor algum faz um dialogo inteligente como o que vc faz.
Lia muito disso com o Fernando Sabino.
Parabéns!
Estou nesse nível aí , redes sociais não me encantam mais, no máximo sigo um bom canal de notícias no Twitter, como da Oeste. No insta um vídeo com cachorros ou outro com gatos , no zap conversas necessárias e tv aberta nunca mais vi! E quer saber? Tá tão bom!????
Kkkkkk genial!
Para ser sincero, seu papo foi legal. Afinal qual lugar é melhor que uma esquina para conversar?
Deixei um celular no escritório quando me aposentei há dez anos. O outro deixei em UK quando voltei para o Brasil há oito anos. Vivo sem celular e televisão. Meu e-mail, entretanto, é o mesmo desde 1999. ST****
Perfeito, mestre! É difícil, em poucas palavras e diálogos imagináveis curtos, sintetizar o mundo surreal que vivemos agora!
Quem dera chegar a esse nível evolutivo de não precisar de nada, de nenhuma rede social. Tem alguns poucos atores de Hollywood, como Scarlett Johansson e Cillian Murphy que não usam de maneira alguma, ele nem festas badaladas gosta de ir. Queria um dia chegar a esse estágio evolutivo. Amei, Fiuza. Saudades de você!
Fiuza, vc sempre com um texto elve, divertido e cheio de surpresas.
Sucesso! Boa Fortuna!
Gostei muito dos conselhos do personagem do Fiúza. Só não vou gostar da parte de não poder mais ler os textos dele na Oeste. Eles são difíceis de encontrar na esquina. Quem dera os encontrasse na esquina!