“A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe a partir da consagração do pluralismo de ideias e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo.”
(Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, Editora Atlas, 1998)
Há 25 anos, o professor de Direito Constitucional Alexandre de Moraes incluiu em seu livro Direitos Humanos Fundamentais uma ode à liberdade de expressão. Aliás, em seus diferentes significados, a palavra “liberdade” aparece 349 vezes nas 319 páginas da publicação. Mais que uma menção por página. Essa é uma das várias obras do professor que se tornaram leitura obrigatória nas melhores faculdades de Direito.
Passadas mais de duas décadas, o ministro Alexandre de Moraes parece ter esquecido os próprios ensinamentos. Sua mais recente obsessão é um bate-boca de aeroporto ocorrido em Roma. O ministro jura que seu filho foi agredido fisicamente por um brasileiro que viajava em companhia da mulher e do genro. O acusado afirma o contrário: teria sido ele o alvo de agressões verbais. Um dos vídeos sobre o caso mostra Moraes chamando de “bandido” alguém que não aparece na tela.
A partir daí, multiplicou-se uma porção de abusos, descritos por Silvio Navarro na reportagem de capa desta edição. Três deles: 1) ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos, a família acusada teve de prestar depoimento à Polícia Federal sem a presença de advogados; 2) o advogado de defesa não teve acesso às imagens do incidente em território italiano; 3) embora nenhum dos envolvidos tenha foro privilegiado, o caso tramita no STF. A gota d’água chegou no último fim de semana, quando Alexandre de Moraes foi nomeado, como informa Navarro, “assistente de acusação no processo em que o próprio ministro é a vítima e será, em última instância, também juiz da causa”.
É apenas a mais recente anotação na longa lista de abusos que Alexandre de Moraes vem colecionando há pelo menos cinco anos. “Ao insistir na ideia fixa de condenar o ‘golpista do Aeroporto de Roma’, sejam quais forem os fatos, o STF se afunda ainda mais no beco estreito no qual se enfiou desde que abriu o inquérito perpétuo e 100% ilegal contra ‘atos antidemocráticos'”, observa J.R. Guzzo. “Ou melhor: no beco em que escolheu se perder, ou do qual talvez não possa mais achar o caminho de volta.”
Outro desses abusos diz respeito às condenações das centenas de brasileiros acusados de participar dos atos de vandalismo do 8 de janeiro. Mesmo sem uma única imagem que comprove a participação nas depredações, homens e mulheres de todas as idades vêm sendo castigados com sentenças que variam de 12 a 17 anos de prisão, além de multas escorchantes. O repórter Cristyan Costa conta como vivem algumas dessas famílias destroçadas pelas decisões avalizadas pela Suprema Corte.
“A mulher de Santos, Iraci, afirma que sua vida foi destruída pela Justiça”, diz Cristyan. “Depois de largar o trabalho para cuidar do filho de seis anos, que é autista, ela pretende mudar-se do imóvel alugado onde mora para ficar perto de parentes, em outro bairro, na esperança de conseguir algum apoio financeiro e emocional e encontrar uma casa mais barata. Iraci confessou que não sabe como vai lidar com o filho e com a mãe de Santos, que sofre de comorbidades.”
Também nesta edição, Dagomir Marquezi escreve sobre os avanços da inteligência artificial na manipulação de imagens. “Você tira a foto de um amigo, mas no enquadramento um ombro dele é cortado”, descreve Dagô. “O Magic Editor do Google ‘cria’ o ombro que ficou faltando. E vamos dizer que esse amigo tirou essa foto em frente a um monumento que estava lotado de gente. Você seleciona os estranhos com um dedo, e eles desaparecem. Ou seja, definitivamente não se pode mais acreditar em tudo o que enxergamos.”
Alguns ministros do STF não precisam de “magic editors” para criar uma realidade paralela. Bastam o medo da população, a complacência da mídia e a cumplicidade de outros magistrados.
Boa Leitura
Branca Nunes
Diretora de Redação
Obs.: Qual será o destino do ministro Fernando Haddad no governo? Leia a coluna de Carlo Cauti.
Os abusos deste agente fora da lei, chamado Alexandre de Moraes, precisam sempre vir a tona. No futuro creio que veremos seu justo impeachment.
Senhora Diretora Branca Nunes, gostaria de sugerir que os artigos fossem um pouco mais enxutos, pois muitas vezes acabam por ficar enfadonhos. Seria muito agradável de ler artigos mais objetivos sem fugir da contextualização.
Mudar de opinião pode ser sinal de lucidez, demência ou mau caratismo.. Ser vítima, advogado, promotor e juiz da causa só mostra a baderna que reina no STF. Parece até a turma do 8 de janeiro.
Dona Branca: mais um resumo ótimo. Sempre dou uma olhada na Carta ao Leitor antes de partir para a aventura de ler bons escritores. No tempo que as pessoas respeitavam o judiciário surgia, de vez em quando, um juiz do interior e de primeira instância que divergia de algumas regras básicas do Direito. A fundamentação era de que o Magistrado (sempre concursado) teria o benefício da dúvida e de interpretação personalíssima para determinados casos. Fugia da regra ou norma consolidada, mas era seu direito democrático porque o Juiz seria jungido pela discussão do que é certo e do que é errado. Tudo bem. Já há na história do Direito Processual casos assim. No entanto, veja que pontuação: havia entre todos um consenso que princípios gerais do Direito sobrepunham em algumas raríssimas ocasiões o que a Lei deixava “lacunas ou brechas”. Quais seriam estes princípios: o primeiro deles, ÉTICA Neste mandamento civilizatório combinado com BOM SENSO e ZELO processual em conceder espaço para ambos os lados, sem privilégios a Ética proporcionava o afastamento do Juiz, por impedimento e por razões pessoais, como uma das partes er amiga íntima, familiar ou desafeto conhecido. Moraes, além de rasgar a CF tem “cagado” sobre princípios que norteiam a convivência e a urbanidade, além de não demonstrar abuso ou “puxar a brasa para o seu assado”, como disse uma vez um Juiz-professor orientando os alunos. Assim, caríssima jornalista, algumdia, os brilhantes colunistas poderão discorrer sobre Ética. É um desafio imenso, pois estamos numa época em que sistemas injustos estão tomando o poder, por enquanto na lábia sacrossanta do direito dos maus.