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Foto: Shutterstock
Edição 193

A inteligência artificial enfrenta a estupidez militante

A breve demissão do CEO da OpenAI esconde uma batalha entre profissionais e um culto apocalíptico

Dagomir Marquezi
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A história continua oficialmente confusa até agora. Sam Altman, CEO da mais mais revolucionária empresa de tecnologia do mundo, é demitido pelos diretores por razões obscuras. Os funcionários da OpenAI se revoltam. Cinco dias depois, Sam Altman reassume seu posto. O New York Times noticiou o movimento da seguinte maneira:

“O cenário da inteligência artificial nunca mais será o mesmo após a extraordinária reviravolta na OpenAI, a startup que desencadeou uma corrida armamentista tecnológica ao lançar o ChatGPT há quase um ano. O conselho da OpenAI demitiu Sam Altman do cargo de executivo-chefe na sexta-feira (17), chocando funcionários e investidores.”

O ato autoritário e inexplicado ligou a luz amarela na Microsoft. A gigante de Redmond já havia investido US$ 13 bilhões na OpenAI, e agora via a administração da empresa ser dirigida como uma republiqueta de bananas. Imediatamente, a Microsoft convidou Altman a arrumar as malas e se mudar para sua sede em Redmond — a companhia ficaria com ele. A OpenAI que procurasse outro.

Sam Altman, CEO da OpenAI | Foto: Shutterstock
Quem é o demitido?

Samuel Harris Altman nasceu há 38 anos, em Chicago. De família judia, ganhou seu primeiro computador aos 8. Como quase todos os gênios da tecnologia, teve uma carreira acadêmica medíocre. Em 2015, aos 30 anos de idade, foi um dos fundadores da OpenAI, ao lado de, entre outros, Elon Musk.

A empresa pioneira na aplicação de inteligência artificial já nasceu com o capital de US$ 1 bilhão. Altman, vegetariano e gay, foi escolhido como CEO e se tornou um porta-voz internacional da inteligência artificial. Em 2023, viajou por 22 países conversando com presidentes e primeiros-ministros sobre o potencial e possíveis perigos da nova tecnologia. Hoje, as empresas que ele ajudou a criar somam um capital de meio trilhão de dólares. 

E, de repente, cartão vermelho. É assim que funciona a OpenAI: os acionistas não têm muito poder. O poder está concentrado num board de diretores que julgam poder decidir o que é bom e o que é ruim para a empresa. Com a queda de Altman, quase todos os 770 empregados da OpenAI ameaçaram pedir demissão e se transferir para a Microsoft junto com o chefe. Deixariam para trás uma empresa avaliada em US$ 90 bilhões, a terceira startup mais valiosa do mundo, atrás apenas da SpaceX, de Elon Musk, e da ByteDance, proprietária do TikTok. Os diretores que se virassem.

O que nos leva de novo à questão básica: qual foi, afinal, a razão para a demissão de Sam Altman? Segundo a revista TechLife News, aparentemente quatro dos diretores achavam que o CEO não estava fazendo esforço suficiente para se preocupar com as questões éticas relacionadas à segurança da tecnologia, e não se comunicava claramente com eles. 

Capa da revista TechLife News, com Sam Altman | Foto: Reprodução

O motivo era tão frágil que cinco dias depois Sam Altman voltou ao cargo — e o board que o demitiu foi substituído. Restabeleceu-se na OpenAI um princípio básico: empresas devem criar. Regular e limitar deve ser papel dos governos.

Os burocratas da União Europeia, por exemplo, estão dando os toques finais no que deve ser a primeira grande regulamentação da inteligência artificial. O presidente Joe Biden também lançou no último mês uma ordem executiva para regulamentar a tecnologia, de olho na segurança nacional e nos direitos dos consumidores.

O culto ao altruísmo efetivo

A razão para a demissão de Sam Altman permanece obscura. Mas o colunista Andrew Orlowski, da revista Spiked e do jornal Telegraph, deu uma pista. A diretoria da OpenAI estaria contaminada por um movimento conhecido como ea (assim mesmo, em minúsculas), a sigla de effective altruism (ou “altruísmo efetivo”). Segundo Orlowski, o ea se tornou tão poderoso que já tem dinheiro para financiar assessores no Senado norte-americano e no governo britânico.

Ilustração: Shutterstock

O princípio básico do effective altruism é simples, quase ingênuo: “Achar as melhores maneiras de ajudar os outros, e colocá-las em prática”. Eles começaram com objetivos nobres e concretos, como combater a malária em países pobres e melhorar as condições dos animais de fazenda.

Mas isso não era o suficiente para o ea, e eles abandonaram progressivamente o presente para cuidar das gerações futuras. Deram a isso o nome de longtermism (algo como “longo-prazismo”). Eles pretendem proteger as crianças que ainda não nasceram. 

Para isso, passaram a projetar o futuro e se tornaram obcecados com o apocalipse. Andrew Orlowski diz que eles acreditam firmemente na “chegada de uma inteligência artificial ao estilo do Exterminador do Futuro, que ridiculamente afirmam que poderia estar prestes a exterminar a humanidade”. 

Reportagem da revista britânica The Economist expôs as entranhas do ea. Mostrou que o que era um movimento de caridade virou uma seita de pessoas muito ricas que carregam uma tonelada de culpa nas costas. 

A grande acusação contra Sam Altman é que ele teria transformado a OpenAI numa empresa que buscaria — veja que escandaloso! — o lucro

Um dos princípios do effective altruism é o da absoluta igualdade na vida humana. Eles consideram todos os seres humanos absolutamente iguais, e defendem que todos precisam ser protegidos. Enxergam os males do mundo com um desespero infantil da impotência. Um de seus gurus, William MacAskill, declarou que, se fosse publicar um jornal do movimento, as manchetes seriam as mesmas todos os dias: “Cinco mil crianças morreram de malária”; “Dez mil ogivas nucleares estão prontas para o disparo”. 

São enxugadores de gelo. Acreditam que doar um monte de dinheiro vai salvar o mundo para sempre. O “sofrimento do mundo” se tornou uma obsessão permanente. Não só o sofrimento presente como o futuro. Daí o movimento suicida: como diretores, precisavam sabotar a inteligência artificial dentro da empresa líder em inteligência artificial. Devem ter assistido ao Exterminador do Futuro 2 muitas e muitas vezes.

Ilustração: Daniel Megias/Shutterstock
Milhões contra a culpa

Como todo culto, eles pedem dinheiro dos simpatizantes como forma de pagar seus pecados. Boa parte dos milhões arrecadados é gasta em fundações e institutos criados para divulgar… o effective altruism. Que assim ganha novos simpatizantes. O que, por sua vez, aumenta a arrecadação, permitindo a criação de mais fundações e institutos, e assim por diante. 

Uma pesquisa feita em 2019 mostra que o perfil dos simpatizantes do altruísmo efetivo é uma receita para a culpa: 70% deles são homens, 85% são brancos, entre 25 e 34 anos, esquerdistas, ateus. Calcula-se que doadores do movimento possuam US$ 46 bilhões à disposição e doem 1% do que possuem a cada ano. O que soma US$ 460 milhões.

Combater a inteligência artificial se tornou a principal causa do ea. Um de seus defensores, Nick Bostrom, do Instituto Futuro da Humanidade, dá o tom: “Catástrofes que historicamente causaram sofrimento humano são meras ondulações na superfície do mar da vida em comparação com riscos existenciais como a IA”. A diretoria, segundo o jornalista de tecnologia Kevin Roose, do NYT, “estava preocupada que Altman estivesse se movendo rápido demais para construir uma IA poderosa e potencialmente prejudicial, e eles o pararam”.

O time Leviatã perdeu

A grande acusação contra Sam Altman é que ele teria transformado a OpenAI numa empresa que buscaria — veja que escandaloso! — o lucro. A matéria do New York Times também confirma a demissão de Altman na conta do movimento effective altruism

Foto: Blue Planet Studio/Shutterstock

Com a volta de Sam Altman, os funcionários desistiram de pedir demissão e comemoraram a retomada, agora livres dos seus sabotadores. Kevin Roose resume a “batalha dos cinco dias” em torno da demissão de Sam Altman como uma luta entre duas visões conflitantes sobre a inteligência artificial. 

Uma dessas visões, segundo Roose, enxerga a IA como “uma nova ferramenta transformadora, a mais recente de uma linha de inovações que mudam o mundo, que inclui a máquina a vapor, a eletricidade e o computador pessoal, e que, se for usada corretamente, poderá inaugurar uma nova era de prosperidade e gerar muito dinheiro para as empresas que aproveitarem o seu potencial”. A outra visão diz que “a IA é algo mais próximo de uma forma de vida alienígena — um leviatã sendo convocado das profundezas matemáticas das redes neurais — e deve ser contida e implantada com extrema cautela, a fim de evitar que assuma o controle e mate todos nós”.

Com a volta de Sam Altman, para Roose, a luta terminou: “O time Capitalismo ganhou. O time Leviatã perdeu”. E no time Leviatã estão os visionários/milionários do effective altruism. Os vencedores comemoraram na terça tomando chá na sede da empresa, na esquina da Folsom Street com a 18th Street, em São Francisco.

Quem está lá fora?

Ficamos assim: se algum dia tocarem sua campainha e você perceber que é um robô com cara de caveira e olhos vermelhos, não abra. A inteligência artificial teria fugido ao controle e estaria exterminando a humanidade, conforme previram o filme de James Cameron e os devotos do effective altruism que afastaram Sam Altman da direção da OpenAI (e tiveram que engolir seu retorno).

Enquanto isso não acontece, a inteligência artificial continua crescendo e se espalhando por todos os ramos das atividades humanas. A revista Newsweek desta semana mostra como a IA está possibilitando recursos inéditos e muito mais efetivos no combate ao câncer. Aplicativos como Bard, Bing e Copilot viraram parceiros de trabalho e estudo para milhões, revolucionando conceitos mofados de educação e formação profissional.

O site O Antagonista revelou que o prefeito de Porto Alegre sancionou no dia 23 de novembro a primeira lei do Brasil totalmente redigida por inteligência artificial. Estava tão bem-feita que foi aprovada pelos vereadores por unanimidade. Fica a pergunta ao leitor: em quem você confia mais, no ChatGPT, que redigiu a lei de Porto Alegre, ou na atual composição humana do Supremo Tribunal Federal?

Ilustração: Moor Studio/Shutterstock

Leia também “A imprensa do absurdo”

@DagomirMarquezi
dagomirmarquezi.com

14 comentários
  1. Flávio Verss
    Flávio Verss

    Quanto a pergunta no final do texto, eu diria IA pode ser usado para o bem ou para o mal, a depender do caráter do protagonista, quanto ao outro, nem de caráter podemos falar.

  2. DULCE BERTOLUCCI
    DULCE BERTOLUCCI

    Que bacana seria se a escolha de onze componentes de um órgão tão importante para uma nação fosse feita por IA.

  3. Odilon Soares Teixeira da Silveira
    Odilon Soares Teixeira da Silveira

    Excelente artigo… desmistificador

  4. Sebastiao Márcio Monteiro
    Sebastiao Márcio Monteiro

    Dagomir, certamente a sua pergunta final não precisa de resposta.

  5. Marinês Aparecida Josefi
    Marinês Aparecida Josefi

    Em nenhum dos dois . Supremo satânico não gosta da verdade e nem do povo brasileiro. E inteligência artificial feita através do homem , não gosto . Tudo tem limites . O homem não tem limites para as suas maldades , e através dessas maldades , a inteligência artificial não faz e não fará bem ao ser humano .

  6. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A composição humana do Supremo Tribunal Federal é um caso a parte. Afinal de contas, malandro é malandro e mané é mané.

  7. Fernando Senna
    Fernando Senna

    Achei o artigo falho. Há muitas fontes, inclusive do antigo conselho posto para fora, que dizem que o motivo principal da demissão de Altman é que ele mentiu e escondia informações do Conselho. Um dos próprios co-fundadores avalizou esta afirmação. O que não se sabe é sobre o que ele mentia. Alguém aí lembra do caso da falecida Enron ??
    O antigo conselho adorava lucro. Essa estória de ea me parece narrativa para desviar foco.
    Pelo jeito uma big-tech (Microsoft) resolveu agir para resguardar seus interesses.
    Artigo ficou apenas preocupado em falar pontos positivos da IA.

  8. Vicente Lino
    Vicente Lino

    Inteligência artificial, ainda que com muito defeito, nunca conseguirá ser pior que o nosso STF. Ali, além de desconhecimento jurídico, faltam honestidade e reputação ilibada. Sobra apoio partidário ao que há de pior na política brasileira.

  9. Jaime Moreira Filho
    Jaime Moreira Filho

    Uma explicação muito bem feita. Pedagogicamente perfeita. Mas o encerramento do artigo , no último parágrafo, SENSACIONAL.

  10. Sergio Hora
    Sergio Hora

    Todo o texto é ótimo.
    Mas o final é magistral.

  11. Emilio Sani
    Emilio Sani

    Eu de vez em quando me divirto com o que insistem em chamar de inteleigência Artificial, mas que de ineligência não tem nada, é apenas um sistema de linguagem que imita bem humanos de baixo QI pois se resume a fazer frases de conhecimento comum e infelizmente do que domina a narrativa esquerdopata mundial. E erra absurdamente em assuntos que um computador não poderia errar se bem programado ( faz frases com cálculos completamente errados só para concordar com o que dissemos , e pede desculpas mil vezes quando mostramos o erro, mas a seguir repete a mesma asneira…

    1. Elza yuriko tanaka
      Elza yuriko tanaka

      Faço minhas pesquisas no chatgpt qdo não não consigo no Google, porisso, acho muito importante as inovações, sou uma idosa de 67 anos e adoro novas tecnologias, pena q minha contagem de tempo s

      1. Elza yuriko tanaka
        Elza yuriko tanaka

        Conta..seja qto falta p/100! O mundo precisa dos gênios judeus do contrário, vamos voltar aos tempos das cavernas!

      2. Marilia Luci Vieira
        Marilia Luci Vieira

        Sensacional o artigo. Parabéns. ????

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