Pular para o conteúdo
publicidade
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, segura um exemplar da Constituição da Venezuela, durante evento no Conselho Nacional Eleitoral (CNE) | Foto: Reuters/Leonardo Fernandez Viloria
Edição 194

A aventura expansionista de Nicolás Maduro

Depois de levar a Venezuela à falência, o ditador agora quer engolir 70% da Guiana

Eugenio Goussinsky
-

Nos últimos dez anos, a miséria chegou para 94,5% da população. A inflação atingiu 100,8% só no primeiro semestre de 2023. O ditador do país, Nicolás Maduro, só se manteve no cargo em consequência de uma eleição considerada ilegítima pela maior parte da comunidade internacional. Segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA), opositores foram calados com mais de 8 mil execuções extrajudiciais.

Depois de destruir a Venezuela prosseguindo a obra de seu antecessor “bolivariano” Hugo Chávez, agora Maduro quer invadir a Guiana. “O fracassado Maduro parece decidido a provocar uma briga com um vizinho”, afirmou Mary Anastasia O’Grady, editora do Wall Street Journal (WSJ), em sua coluna. “As únicas questões são até onde ele irá e quanto isso lhe custará.”

A colunista ressaltou a pressão interna que o ditador vem recebendo para levantar a proibição da candidatura presidencial de 2024 da líder da oposição María Corina Machado. Ex-deputada cassada, ela já apresentou, no Senado brasileiro, imagens da repressão do regime. María Corina venceu as primárias com folga e tem popularidade.

María Corina Machado, líder da oposição na Venezuela | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Desde que tomou posse, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, restabeleceu laços com a ditadura de Maduro. Eles foram rompidos durante o governo Jair Bolsonaro, que definiu o regime venezuelano como uma ditadura de esquerda. Lula já recebeu o venezuelano duas vezes, em maio e agosto, e já deu declarações de que a definição de “ditadura” para a Venezuela não passa de uma narrativa. “Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião”, disse Lula, na primeira recepção a Maduro, ao lado de seu assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim.

Em 10 de novembro, o “amigo” de Lula o colocou em uma situação delicada. Maduro anunciou um plebiscito para consultar a opinião da população sobre a transformação da região de Essequibo, cujos 160 mil quilômetros quadrados representam 70% da Guiana, em território venezuelano. O que significa na prática uma anexação territorial. A população guianense evidentemente não foi consultada. 

“A agressão militar contra uma nação soberana menor não será bem recebida, mesmo entre os habituais aliados de Maduro”, escreveu O’Grady. “O presidente do Brasil apoia as ditaduras militares cubana e venezuelana. Mas ele também é um defensor da resolução pacífica de disputas transfronteiriças através de tribunais internacionais.”

lula e maduro
Nicolás Maduro, presidente da República Bolivariana da Venezuela, durante reunião privada com Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República do Brasil | Foto: Ricardo Stuckert/PR
A inveja do petróleo

O conflito é antigo. A Venezuela diz, em sua Constituição, que o Rio Essequibo é sua fronteira natural, como foi em 1777, quando era Capitania Geral do Império Espanhol. A reivindicação venezuelana se baseia no Acordo de Genebra, assinado em 1966, antes da Independência da Guiana do Reino Unido, naquele ano. 

O Acordo reconheceu o impasse e lançou as bases para uma solução negociada. A decisão de Nicolás Maduro de anexar a maior parte do país vizinho anulou uma decisão de 1899, que havia definido os limites defendidos pela Guiana. Nenhuma linha dessa decisão, no entanto, afirmava que a área pertencia à Venezuela.

A reivindicação venezuelana se intensificou a partir de 2015, quando a gigante energética norte-americana ExxonMobil descobriu petróleo nas águas em disputa. As reservas têm potencial de chegar a 11 bilhões de barris. Isso colocaria a Guiana entre os países com as maiores reservas petrolíferas per capita do mundo.

Mesmo com o recente relaxamento de sanções norte-americanas, a vizinha Venezuela, membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), tem uma produção que não passa de 800 mil barris por dia. Bem menor do que os 3 milhões diários nos idos de 2002. Segundo Mary Anastasia O’Grady, “Maduro vê a nação vizinha enriquecendo e precisa se opor reflexivamente. Afinal, a inveja é a mãe do comunismo”.

O plebiscito convocado por Maduro para apoiar sua ambição territorial teve uma adesão decepcionante. Apenas metade dos venezuelanos votou. Entre esses 10,4 milhões de eleitores, segundo o Conselho Eleitoral, 96% apoiam a ideia de anexar parte do território da Guiana. Mesmo que os 125 mil habitantes da região de Essequibo não concordem. 

O pleito também rejeitou a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia. O tribunal havia declarado que o governo da Venezuela deveria evitar qualquer ação que modificasse a situação do território em disputa, até julgamento definitivo. A Corte internacional, entretanto, não tem jurisdição para tornar sua determinação obrigatória.

A reivindicação venezuelana se intensificou a partir de 2015, quando a gigante energética norte-americana ExxonMobil descobriu petróleo nas águas em disputa | Foto: Shutterstock
Ilhas Falkland venezuelanas

O clima de conflito está sendo construído dia a dia. O Exército Brasileiro enviou 28 veículos blindados à fronteira com a Venezuela, no Estado de Roraima. A liderança das forças especiais do Exército dos Estados Unidos se reuniu com os militares de alto escalão guianenses na semana passada. Militares venezuelanos se mobilizam em um plano de deslocamento para a região próxima à Guiana. 

Maduro se adiantou à possível invasão e anunciou que vai emitir permissões para exploração de petróleo e gás na área de Essequibo. Ordenou às escolas que divulgassem o novo mapa venezuelano incorporando a região pretendida. E já adiantou que vai criar uma unidade militar, a fim de cuidar do território em disputa. 

O maior problema para o Brasil, nesse possível conflito, é que, conforme afirma Freire, uma ação militar venezuelana contra a Guiana só é possível por meio de um assalto anfíbio (desembarque de tropas pelo mar). Outra opção para as forças da Venezuela seria entrar pelo território brasileiro

O presidente guianense, Irfaan Ali, classificou as medidas como “uma ameaça direta à integridade territorial da Guiana”. E Nicolás Maduro usa os resultados da votação como pretexto para suas ações ilegais. Ditadores como ele, segundo O’Grady, costumam mesmo buscar subterfúgios militares quando as coisas não vão bem.

Ela compara a iniciativa de Maduro à invasão das Ilhas Falkland, idealizada pelo então impopular ditador militar argentino, Leopoldo Galtieri, em 1982. A iniciativa gerou uma forte reação do governo da primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher. No total, morreram 649 argentinos e 258 britânicos. A Argentina não recuperou o território da Grã-Bretanha. E a ditadura foi derrubada no ano seguinte.

“Talvez Maduro tenha em mente a aventura de Galtieri, já que hoje em dia não existe equivalente a Thatcher”, destaca a colunista do WJS. “A dissuasão, especialmente por parte dos Estados Unidos, parece estar em falta.” 

Um território indígena no caminho

Para o coronel Ricardo Rodrigues Freire, membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), a movimentação militar brasileira já é um indício de que não está descartado um conflito bélico na região.

“A probabilidade de um conflito nas fronteiras nacionais exige a pronta concentração de meios na região, principalmente diante do fato de que a logística na região amazônica é bastante complexa e requer antecipação”, afirma Freire, mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFRJ).

O maior problema para o Brasil, nesse possível conflito, é que, conforme afirma Freire, uma ação militar venezuelana contra a Guiana só é possível por meio de um assalto anfíbio (desembarque de tropas pelo mar). Outra opção para as forças da Venezuela seria entrar pelo território brasileiro, usando a Rodovia BR-174, na fronteira entre a Venezuela e o município de Pacaraima (RR). Para complicar ainda mais as coisas, as tropas a serviço de Maduro teriam que invadir a Raposa Serra do Sol, considerada a maior reserva indígena em área contínua do mundo. Boa Vista, a capital de Roraima, está a apenas 75 quilômetros da fronteira da Guiana.

“Essa região já sofre as consequências da crise interna venezuelana e do desmedido fluxo migratório para o Brasil”, lembra o coronel. “A crise migratória, por si só, já impactou a segurança nacional e exigiu uma resposta do país, diga-se de passagem, com reconhecido êxito. Um conflito armado internacional, obviamente, teria repercussões ainda maiores e mais sérias sobre a segurança do Estado brasileiro.” O ministro da Defesa do Brasil, José Múcio, já disse que o governo não vai permitir o acesso militar venezuelano a Pacaraima. 

Dias antes do plebiscito, ocorrido em 3 de dezembro, Amorim foi a Caracas. Disse a Maduro que a situação com a Guiana pode sair de controle. E alertou que o Brasil não quer a presença de tropas estrangeiras na Amazônia.

A repercussão de uma guerra de ocupação pelos venezuelanos poderia trazer consequências para todo o continente. Há vários impasses fronteiriços entre países da América do Sul, como a questão do limite marítimo entre a Argentina e o Chile, e a busca da saída para o mar que a Bolívia reivindica do Chile. Um conflito armado poderia servir como pretexto para outras ações militares.

“Uma guerra entre Venezuela e Guiana colocaria em risco a paz e o bem-estar não só do continente sul-americano, mas de todo o sistema internacional”, considera Ricardo Rodrigues Freire, da ESG. “Apenas como exemplo, lembremo-nos de que o recente conflito russo-ucraniano, mesmo que em outro continente, afetou seriamente a agricultura brasileira.”

O panorama é mais complexo do que a simples divisão esquerda/direita. A ditadura cubana, por exemplo, ainda que aliada da Venezuela em função do viés comunista, tem um forte laço com a Guiana. Assim como seu maior opositor, os Estados Unidos. Freire explica que a Guiana é sede da Caribbean Community (Caricom), organismo que congrega países e departamentos ultramarinos caribenhos. “A estreita ligação entre a Caricom e o Reino Unido [Commonwealth] agrega peso político considerável ao país.”

A China, por sua vez, lembra a colunista O’Grady, tem investimentos petrolíferos nas águas da Guiana e não quer uma invasão. No caso do poderio militar, alimentado pela Rússia, o arsenal da Venezuela já é uma ameaça para a região. 

Segundo o professor Ricardo Gennari, pós-graduado em Inteligência pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), em São Paulo, a Venezuela tem uma força militar muito superior à da Guiana. E poderia dar trabalho às forças brasileiras, mesmo com o Brasil ocupando o 12º no ranking geral de capacidade militar do Global Firepower, em 2023.

“A Venezuela tem sido muito abastecida pela Rússia”, diz Gennari, lembrando da existência de interesses estratégicos russos na região. As armas dos venezuelanos, diz ele, são de primeira linha e contam com um avião Mikoyan-Gurevich MiG-25, duas esquadrilhas Sukhoi Su-30, caças F-16, entre outras aeronaves. “Eles têm aviões superiores aos que a Força Aérea Brasileira (FAB) possui. Além disso, os venezuelanos possuem 177 helicópteros do tipo Mil MI-17, o maior do mundo.”

Na visita de Celso Amorim, assessor de Lula, à Venezuela, para alertar Maduro sobre o risco de a situação ficar descontrolada, o ditador garantiu a ele que não haveria guerra. O próprio governo brasileiro, no entanto, demonstrou que vê a iniciativa de Maduro como uma maneira de desviar a atenção das mazelas do país. Teoricamente, nem o terceiro-mundista Celso Amorim acreditou no ditador venezuelano.

Leia também “A menina da ‘Noite dos Cristais’”

8 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O mundo hoje está a deriva e é cada vez mais difícil a busca de entendimento.
    Os governantes principalmente nos anos 1960/1970/1980 enfrentaram todo tipo de dificuldades mas tinham pulso para recolocar o trem nos trilhos.
    Hoje vemos um bando de hipócritas e suas ideias insanas tomando conta do cotidiano.

  2. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Torço para que nossos ” honrados ” militares sejam postos à prova nessa guerra que não nos pertence, assim vão poder exercitar o que treinaram, ao inves de ficarem podando arvores e pintando paredes. Lembrem-se: A população não estará com vcs.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Você foi certeiro quando diz que a aventura de Maduro se dá pelo fato de não haver hoje uma Thatcher, em comparação ao conflito Argentina/Grã Bretanha.

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Cuba e Venezuela são países comunistas terroristas

  5. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Essa turma do Foro de São Paulo fazem qualquer coisa pelo poder.

  6. Elder Mello
    Elder Mello

    Uma grande oportunidade para Lula, tomar uma cerveja com Maduro, fumando charutos cubanos e apaziguar as intenções do ditador venezuelano e transformar a inveja do ditador em amor petista.

  7. Celso Ricardo Kfouri Caetano
    Celso Ricardo Kfouri Caetano

    Muito bom artigo. Em geral os ditadores e tiranos são burros e pretensiosos. Maduro não é exceção. Mas seria interessante ele lembrar que nem sempre os ditadores tem um final feliz. Em um resumo rápido do fim trágico de alguns tiranos: Calígula morto pela própria guarda pretoriana, Nero covarde pediu a um escravo cravar a faca no seu peito, Julio Cesar morto pelo senado com ajuda do próprio enteado (Lembram do Brutus), Napoleão exilado e morto em Sta Helena, Hitler, Goering e Goebels se suicidaram junto com a família para não serem executados, Mussolini morto e colocado de ponta cabeça junto com a amante (Clara Petracci), Getúlio Vargas cometeu suicidio, Kadafi morreu suplicando pela vida durante a primavera árabe, Sadam Hussein enforcado, Stalin deram o cházinho da meia noite (justamente pelo seu homem de confiança, segundo a história Laurent Beria) e assim outros. Portanto é bom que os ditadores e tiranos ponham a barba de molho para não se tornarem caça.

  8. Luiz Pereira De Castro Junior
    Luiz Pereira De Castro Junior

    Ótimo artigo !

Anterior:
Aqui o passado não passa
Próximo:
Vizinho amigo
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.