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Participante da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (4/12/2023) | Foto: Reuters/Amr Alfliky
Edição 196

A COP28 e a ideologia do ambientalismo

Essa crença pode parecer lisonjeira para os ocidentais que buscam um sentido para a própria vida, mas é inimiga dos bilhões de pessoas no mundo em industrialização que só querem o que os ricos já têm

Brendan O'Neill, da Spiked
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Parece que, na COP28, as ilusões dos ecologistas ocidentais finalmente encalharam nas praias da realidade. O pessimismo exuberante dos ecoguerrilheiros privilegiados, que insistem que o mundo vai acabar se não eliminarmos os combustíveis fósseis, entrou em confronto com uma verdade que nenhuma pessoa razoável pode negar: os combustíveis fósseis continuam sendo vitais para a vida humana. No oásis reluzente de Dubai, ficou claro que o petróleo, o gás e até mesmo o carvão não vão desaparecer tão cedo, por mais que as Gretas do Ocidente queiram isso. Por quê? Porque — prepare-se — Índia, China, Brasil e outras nações não estão dispostas a sacrificar sua saúde econômica no altar de nosso antimodernismo desvairado. 

Os participantes caminham antes da abertura da cúpula climática COP28, da ONU, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (30/11/2023) | Foto: Reuters/Amr Alfiky

À primeira vista, a COP28 foi como qualquer outra conferência de mudanças climáticas da ONU dos últimos anos. Houve a hipocrisia habitual. Reis e sultões voaram em jatos particulares para nos repreender coletivamente por nossos pecados ambientais. Houve os ecologistas mimados que batem o pé e acham que o acordo final não avançou o suficiente. “Esse texto é uma porcaria”, bradaram do lado de fora do local da conferência. (Como eles chegaram ao deserto da Arábia? Com certeza não foi de bicicleta.) E, ainda assim, aqueles que prestaram mais atenção e foram além dos excessos terão vislumbrado um dos principais conflitos do nosso tempo — um conflito global de interesses que deve moldar o futuro da humanidade. Trata-se do confronto entre os ideólogos ocidentais que estão fartos do mundo moderno e as nações em desenvolvimento que querem participar do mundo moderno — entre a virada misantrópica dos primeiros contra a Revolução Industrial e o anseio das segundas por suas próprias revoluções.

A maior parte da cobertura está se concentrando no acordo final. Alguns a consideraram radical. “É a primeira vez”, diz a BBC animadamente, “que uma COP mira explicitamente o uso de combustíveis fósseis”. Outros dizem que foi decepcionante, porque tratou apenas da “transição em relação aos combustíveis fósseis… de maneira justa, ordenada e equitativa”. Isso está longe do “abandono progressivo dos combustíveis fósseis” que os ecoativistas gostariam de ver. A ausência de uma promessa de eliminar esses combustíveis é uma “tragédia para o planeta”, lamenta o Guardian, com uma foto de ativistas choramingando do lado de fora do local da conferência.

Ativistas participam de protesto contra os combustíveis fósseis, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (4/12/2023) | Foto: Reuters/Thaier Al Sudani

No entanto, vale a pena examinar por que a ideia de “eliminação gradual” foi, digamos, eliminada gradualmente. Porque reduzir o uso de combustíveis fósseis seria suicida para o mundo em desenvolvimento. É fácil para os ocidentais, cujas Revoluções Industriais ocorreram há 150 anos, se sentirem mal ao ver usinas movidas a carvão. No entanto, para bilhões de pessoas, essas usinas são a diferença entre vida e morte, luz e escuridão, comida e falta de comida. Em linguagem admiravelmente contida, diplomatas africanos disseram na COP que “a ideia de uma eliminação gradual de combustíveis fósseis [é] inviável”. Um representante boliviano, falando em nome de um bloco que inclui Índia, China e outras grandes nações em desenvolvimento, foi além: “Não podemos aceitar que o foco seja qualquer fonte de energia”. Qualquer redução ou eliminação gradual… é inaceitável para nós”.

Autoridades da Índia ousaram tocar em um dos elementos mais feios do lamento anual da COP: o fato de sempre serem os países ricos que dizem aos países menos ricos para pararem de ser tão industriais. “As discussões sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis foram lideradas por economias desenvolvidas”, o que com frequência negligencia “as realidades econômicas de países em desenvolvimento, como a Índia”, afirmou um oficial. Um porta-voz do G77 — uma coalizão de 135 nações em desenvolvimento — deixou claro que seus membros não vão parar de usar carvão. Por quê? Porque “precisamos atender às necessidades de energia e garantir uma vida digna para nosso povo”. Parece bom para mim. No impasse entre jovens ocidentais ricos e entediados que querem manter o carvão no subsolo e um país como a Índia, que pretende continuar fazendo extração de carvão para que seu 1,4 bilhão de cidadãos possam ter energia e dignidade, eu sei de que lado estou.

Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, ouve uma declaração nacional na Cúpula Mundial de Ação Climática, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai (1º/12/2023) | Foto: Reuters/Thaier Al Sudani

Esta COP, em especial, teve um tom distintamente ecoimperialista. A Índia — que sabe bem como é ser comandada por potências externas — percebeu isso. Parece que as nações ocidentais “que já deixaram sua pegada de carbono” estão deixando “muito pouco espaço para nós”. Apesar de toda a diplomacia, a COP28 foi uma espécie de guerra entre, de um lado, norte-americanos e europeus comprometidos com a ecorreligião e, de outro, as nações em desenvolvimento, mais interessadas no crescimento. O Financial Times descreveu “diplomatas europeus espalhados pela ampla área do espaço futurista da conferência (…) num último esforço para mobilizar apoio para um acordo global para abandonar os combustíveis fósseis”. Em oposição estavam as nações em desenvolvimento insistindo em seu direito de “concretizar nossas aspirações” — ou seja, continuar usando combustíveis fósseis para poderem ficar tão ricas quanto os outros.

Sejamos francos: eliminar gradualmente os combustíveis fósseis é um sonho desvairado. O uso de combustíveis fósseis se manteve notavelmente estável nos últimos 25 anos, a despeito de toda a verborragia nas COP anuais

Foi um confronto não declarado entre um Ocidente deprimido e um Sul aspirante, entre a frustração badalada com a indústria e o anseio dos outros por ela. Mas, enquanto a Índia, a Bolívia e outras nações foram diplomáticas em suas críticas à agenda das mudanças climáticas, não se pode dizer o mesmo de alguns países do Ocidente. “Esse acordo obsequioso parece ter sido ditado pela Opep, palavra por palavra”, esbravejou o ecorraivoso Al Gore. Não foi ditado pela Opep, Al, mas foi influenciado pela resistência das nações em desenvolvimento que compreensivelmente não gostam de ouvir sermões de figuras ocidentais poderosas que valem US$ 300 milhões. Parece ser aceitável para Gore ficar rico com a eco-histeria, mas não que as nações em desenvolvimento enriqueçam se industrializando, como os Estados Unidos fizeram.

Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, fala durante entrevista à Reuters, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (3/12/2023) | Foto: Reuters/Amr Alfliky

Sejamos francos: eliminar gradualmente os combustíveis fósseis é um sonho desvairado. O uso de combustíveis fósseis se manteve notavelmente estável nos últimos 25 anos, a despeito de toda a verborragia nas COP anuais. Em 2000, 84% da energia mundial vinha de combustíveis fósseis — em 2022, foram 82%. O uso de carvão pelas nações em desenvolvimento disparou. Como consequência, a humanidade está queimando mais carvão do que em qualquer momento da história. O consumo desse material aumentou 3,3% em 2022, chegando a 8,3 bilhões de toneladas — um novo recorde. Neste ano, China, Índia e países do Sudeste Asiático foram responsáveis por três em cada quatro toneladas de carvão consumidas em todo o mundo. Você acha que eles vão parar porque os leitores do New York Times que vivem em Park Slope não gostam da poluição? Sejamos realistas.

Aliás, na COP28, as nações em desenvolvimento defenderam abertamente o carvão. Houve uma notável disputa paralela sobre a condenação específica do carvão no acordo. O texto não menciona especificamente óleo ou gás, mas aponta para uma “redução progressiva do carvão não tratado”. As nações do Basic — Brasil, África do Sul, Índia e China — se opuseram a essa demonização do carvão. Elas veem isso como um esforço dos Estados Unidos, o novo gigante do gás natural, e do Estado petrolífero dos Emirados Árabes Unidos, que está nadando em petróleo, para fazer uma distinção moral entre seus combustíveis fósseis e os de outras nações. E não estão erradas. A Índia e outras nações deveriam ter o mesmo direito de extrair carvão que os Estados Unidos têm de fraturar gás.

Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos, participa da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai (2/12/2023) | Foto: Reuters/Amr Alfiky

É a ideologia do ambientalismo o que deveríamos estar eliminando. Sua arrogância neocolonial e sua indiferença às necessidades e aos direitos das pessoas no mundo em desenvolvimento estão claramente expostas. Essa crença exuberante pode parecer lisonjeira para as pretensões dos ocidentais que buscam algum sentido para a própria vida, mas é inimiga implacável dos bilhões de pessoas no mundo em industrialização que só querem o que os ricos já têm.


Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro, A Heretic’s Manifesto: Essays on the Unsayable, foi publicado em 2023. Brendan está no Instagram: @burntoakboy.

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4 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Querem manter o status. ”Eu posso me industrializar, voce não”.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Essa cop 28 é uma mentira. Não existe catástrofe sobre mudanças climáticas. Basta examinar como vive o planeta Terra de quem depende pra não afetar nem ele próprio nem esses grãos de seres pensantes. Na Islândia um vulcão entrou em atividade não faz muito tempo e jogou mais gases do aquecimento global na atmosfera do que todos jogados pelo homem desde a revolução industrial, o tráfico aéreo parou em todo mundo, passou-se alguns dias, o céu tava igual ao céu do sertão brasileiro. Mudanças climáticas não é coisa do homem é coisa do planeta terra que vive buscando a harmonia como o próprio cosmo há 4,5 bilhões de anos

  3. CAIO TACLA
    CAIO TACLA

    A COP28, os combustíveis fósseis, tudo que envolve essa agenda ecoterrorista não passa de uma ferramenta para manter a grande divisão global: poucos países ricos, muitos países pobres. Nós ainda estamos num grau muito menos pior que a maioria dos países do planeta. Basta nos comparar com o Sudão, Iêmen, Venezuela, Cuba etc.. e vamos perceber que somos de um grupo não tão arruinado pelos países que mandam. Se os países ficarem ricos, como que a Europa manterá sua hegemonia no planeta? Eles não deixam, essa é a verdade. Estamos numa fase mais eurocentrista do que nunca. Se a matriz energética da União Europeia exigir, eles esmagam todos os outros países (com exceção do clubinho do G7+, do Conselho de Segurança e de outros poucos países que possuem uma utilidade para a manutenção desse regime global colonial. Vai lá convencer um agricultor francês que a terra dele foi desmatada então ele tem que sair bla bla bla … tenta a sorte !!! Esses caras se forem prejudicados promovem uma guerra mundial, eles são as “abelhas rainhas” do planeta. E o Lula III, O Ladrão, já entregou a Amazônia, sem que Macron tivesse que fazer grande esforço. Foi tudo fácil, como numa conversa de bar tomando cerveja … ou vinho, ou champagne ….

  4. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Brilhante contraponto. Como Brendan acerta o alvo ao chamar neocolonialismo a histeria ambiental!

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