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Ilustração: Shutterstock
Edição 197

Um país que funciona

Liderado pela iniciativa privada, esse Brasil fabrica iates e aviões luxuosos e é o mais sólido dos pilares que garantem a segurança alimentar da humanidade

artur piva
Artur Piva
Branca Nunes
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Imagine um país que fabrica jatos de última geração e iates que seduzem multimilionários de todos os sotaques e abriga seis dos 250 melhores hospitais do mundo. Mais: é um dos principais pilares que garantem a segurança alimentar da humanidade e seus índices de preservação ambiental são invejáveis. Essa versão agigantada da Pasárgada do poeta Manuel Bandeira existe: é a parte do Brasil que funciona. Liderada pela iniciativa privada, essa porção do mapa nacional convive sem retrocessos com os piores governantes.

É verdade que na maior parte do território está um país que não funciona. É o Brasil da miséria, da fome, do analfabetismo, da ausência de saneamento básico, do predomínio de bandidos e corruptos. Nesse universo desolador, a ladroagem é maior que a registrada em nações como Ruanda ou Botswana, segundo o Índice de Percepção da Corrupção, elaborado pela ONG Transparência Internacional. 

Ainda assim, o Brasil em seu conjunto — como tem ocorrido na maior parte do mundo — está melhorando. Há poucas décadas, uma linha de telefone fixo, um televisor ou uma câmera fotográfica eram artigos de luxo. Hoje, essas três coisas estão nos smartphones. E o número de telefones celulares é praticamente igual ao de habitantes. Tal proporção é semelhante à da Bélgica e maior que a do Canadá — embora ainda inferior à de nações como Argentina (1,3), Alemanha (1,3) e China (1,2).

Em 1960, apenas 5% dos lares brasileiros tinham televisores. Pouco mais de 60 anos depois, eles estão presentes em praticamente todas as residências. Um pouco maior, embora ainda insignificante, era o número de geladeiras. Só 12% das casas tinham esse eletrodoméstico no país. Hoje, são 98%.

Embora a educação continue sendo uma das maiores carências nacionais, a taxa de analfabetismo caiu de 39,5% da população na década de 1960 para 5,6%. Em seis décadas, o brasileiro também passou a viver mais. A expectativa de vida ao nascer teve um acréscimo de 20 anos. Passou de 53 para 73 anos — dois anos a mais que a média mundial. Nesse mesmo intervalo, a mortalidade infantil despencou de 118 para menos de 11 por mil nascidos vivos.

Outro destaque é a produção de alimentos. O histórico da Companhia Nacional de Abastecimento sobre o cultivo de grãos começa na safra de 1980, com uma colheita equivalente a 0,4 tonelada por habitante. Em 2022, a proporção fechou em 1,5 tonelada.

A produção passou de 50 milhões para 320 milhões de toneladas, contando culturas como soja, milho, feijão e arroz, grãos usados tanto para a alimentação humana quanto para abastecer as criações de animais.

Com a aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico, no governo Jair Bolsonaro, até esse setor, no qual o Brasil sempre foi sinônimo de ineficiência, apresentou melhora. Em 2014, menos da metade da população brasileira morava em residências com coleta de esgoto. Em 2021, o número subiu para quase 56% — e a tendência é continuar aumentando, se o marco não for alterado.

Na Região Norte, onde a situação é a pior do país, a ampliação foi exponencial. A cobertura partiu de menos de 8% em 2014 para 14% em 2021. De acordo com os dados mais recentes, o Sudeste tem o melhor índice: quase 82%, seguido de Centro-Oeste (62%), Sul (48%) e Nordeste (30%).

O Brasil que funciona

Neste ano, o apresentador Faustão surpreendeu muita gente ao decidir passar por um transplante de coração no Brasil, já que poderia optar por qualquer hospital de ponta no exterior. O que nem todos sabem é que o Albert Einstein, onde Faustão foi operado, está entre os 34 melhores hospitais do planeta — à frente de institutos renomados da Europa e dos Estados Unidos.

O levantamento, feito pela revista Newsweek, inclui também instituições que atendem por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Entre elas está o Instituto do Coração (InCor) — hospital público vinculado à Universidade de São Paulo (USP). Na área de cardiologia, ele supera inclusive o Albert Einstein. A relação de hospitais brasileiros entre os mais eficientes do planeta abrange todas as áreas.

Hub de inovação
Entrada principal do Hospital das Clínicas, em São Paulo | Foto: Maxpana3/Wikimedia

No tratamento contra o câncer, destacam-se Sírio-Libanês, Albert Einstein e, atendendo tanto de forma particular quanto pelo SUS, o A.C.Camargo. Para as cirurgias neurológicas, cinco instituições brasileiras estão entre as cem melhores. Uma delas é o Hospital das Clínicas da USP, que integra a rede pública. Na pediatria, a relação é formada por nomes tradicionais, como A.C.Camargo, Albert Einstein e Sírio-Libanês, além do curitibano Hospital Pequeno Príncipe e, na rede pública, o Hospital de Ensino da Unifesp.

Indústria de ponta — e de luxo

É este mesmo país dos hospitais de Primeiro Mundo que fabrica aviões e embarcações da mais alta qualidade. Na aviação, a Embraer tornou-se um símbolo nacional. Fundada em 1969 em São José dos Campos (SP), a empresa produz aviões de vários tamanhos e para diversas finalidades. Na lista estão aeronaves usadas para o transporte de carga e de passageiros pelas melhores companhias aéreas, jatinhos que são os preferidos de executivos e celebridades, caças e cargueiros militares, além de modelos menores para uso agrícola.

A Embraer também encabeça uma iniciativa para fabricar o primeiro “carro voador” elétrico do mundo — o eVTOL. Previsto para chegar ao mercado em 2026, o veículo está em desenvolvimento por uma filial da empresa localizada nos Estados Unidos.

Carro voador embraer
Concepção artística do carro voador da Embraer | Foto: Divulgação/Twitter/@EveAirMobility

Nos mares, o destaque fica com o estaleiro italiano Azimut. A única fábrica da marca fora da Itália fica no Brasil. A operação ocorre em Itajaí, Santa Catarina, onde são fabricados modelos que mais parecem mansões sobre a água. Um deles é o 27 Metri. A embarcação pode ter até sete cabines — duas para a tripulação e cinco para os donos e seus convidados, incluindo uma suíte master. O modelo mais simples sai por R$ 54 milhões.

Entre as grandes empresas criadas em Santa Catarina, a WEG é um dos destaques. Esse gigante tem um portfólio de 1,5 mil produtos, todos dedicados a soluções para o uso da eletricidade, fábricas em 15 países, 39 mil funcionários e um faturamento de R$ 30 bilhões em 2022.

Azimut 27 Metri | Foto: Azimut Yachts/Divulgação

O território catarinense é conhecido por altos índices de desenvolvimento humano e tem a terceira menor taxa de desemprego do país: 3,5%. Além da indústria, o Estado é um dos campeões do agronegócio, ocupando a primeira posição na produção de carne suína e a segunda na de proteína de aves do Brasil.

Grande negócio brasileiro

Pilar para a segurança alimentar da humanidade, o Brasil é o maior produtor mundial de soja, açúcar e suco de laranja, além de ter o maior rebanho bovino comercial do planeta. Em Mato Grosso, Estado líder da agropecuária nacional, a taxa de desemprego é de 2,4% — número próximo ao da Suíça (2%).

A agricultura estadual é dona da maior safra de soja do país. Em 2023, o Estado ultrapassou a Argentina e foi o terceiro maior produtor de soja do mundo, atrás apenas do Brasil e dos Estados Unidos. Os grãos brasileiros também são fundamentais para a nutrição dos rebanhos suínos e de aves e têm ampla aplicação na indústria.

Há poucas décadas, a maior parte do Estado era vista como imprópria para o cultivo. O bioma predominante no território mato-grossense é o Cerrado, semelhante às savanas africanas. Nessas áreas, os solos são ácidos e pobres em nutrientes.

Assim, o plantio nessas terras dependeu do desenvolvimento de novas técnicas de cultivo, plantas adaptadas, métodos de adubação e manejo de defensivos agrícolas. As inovações que permitiram esses avanços foram encabeçadas pela parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e os agricultores que migraram para o Estado em busca de prosperidade.

A Embrapa disseminou esse processo por áreas de Cerrado em todo o Brasil: outros Estados na Região Centro-Oeste, além de áreas no Norte, Nordeste e Sudeste. O resultado fez do Brasil uma potência alimentar e a grande referência no quesito agricultura tropical do planeta. As técnicas desenvolvidas fizeram do país um grande exportador de ciência e tecnologia agropecuária para todos os países tropicais. Isso inclui a possibilidade de mudar a história de miséria na África.

agronegócio pib argentina
Plantação de soja no Brasil | Foto: Shutterstock
Um gigante sustentável

Agora, além de alimentar a população local e o mundo, o agronegócio brasileiro colabora com a transição mundial para a energia verde. A matriz energética local é uma das mais limpas entre todos os países — cerca de 80% de toda a eletricidade consumida aqui vem de fontes renováveis. Nos Estados Unidos e na China, por exemplo, a maior parte do abastecimento tem origem em modelos não renováveis.

O grande destaque é a geração por fontes hidráulicas (63%), como a Usina Hidrelétrica de Itaipu. Contudo, modelos alternativos como biomassa, eólica e solar crescem a passos largos. O trio respondeu por 25% de toda a oferta de eletricidade em 2022 — proporção que era de apenas 8% no ano de 2013. 

O agronegócio também contribui para a substituição dos combustíveis fósseis. Utilizando matérias-primas como cana-de-açúcar, milho, soja, palma e até mesmo restos de alimentos, o setor consegue gerar etanol, óleos e SAF — sigla em inglês para combustível sustentável de aviação. Empresas brasileiras como os grupos Cosan e BBF mostram ao mundo como conciliar agricultura sustentável para a produção dessa energia renovável.

No caso da BBF, a operação envolve a recuperação de áreas degradadas na Amazônia para o plantio de palma. A cultura gera o óleo de dendê, com o qual se gera eletricidade para comunidades isoladas na Região Norte. Seu portfólio também envolve a indústria oleoquímica — uma alternativa verde para substituir a petroquímica na produção de matérias-primas e insumos usados para fabricação de itens como cosméticos e embalagens.

Bonito por natureza

Todo o desenvolvimento alcançado até aqui não comprometeu a fauna e a flora. A Amazônia continua com a floresta em pé e o bioma mais rico do planeta. Ao contrário da devastação na Europa e nos Estados Unidos, por volta de 66% do território nacional está coberto de matas nativas preservadas — um recorde entre nações de grande extensão. Nos Estados Unidos, apenas 20% da área é ocupada por vegetação nativa.

Ocupação do solo no Brasil | Fonte: Embrapa

A contemplação das diferentes paisagens do país informa que, pelo menos num índice fundamental, o Brasil continua tão ruim quanto sempre foi: é o que mede a desigualdade social. Segundo o mais recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil é o sétimo colocado no ranking dos mais desiguais, atrás apenas de nações africanas. No quesito concentração de renda, é o vice — só ultrapassado pelo Catar. Resta saber com qual dos dois Brasis o país que vem sendo forjado nesta terceira década do século 21 ficará mais parecido.

Leia também “Uma cidade refém do Bolsa Família”

20 comentários
  1. Odilon Soares Teixeira da Silveira
    Odilon Soares Teixeira da Silveira

    Artigo muito informativo…só acho que no quesito educação devemos contar com os milhões e milhões de analfabetos funcionais…

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O brasileiro não conhece o Brasil e essa realidade cria situações que impedem o seu pleno desenvolvimento.
    A criação da Embraer foi fruto da ousadia de Ozires Silva, nome desconhecido principalmente pelas novas gerações. Sem nenhuma tecnologia disponível no país, foi buscar na França amigos com quem dividiu a tarefa de gestar uma empresa no setor de aeronáutica.
    Durante os voos experimentais do avião Bandeirante, preparando-se para o pouso em Campo Grande/MS, esqueceu de baixar o trem de pouso, danificando a aeronave e tendo que esperar 4 dias pela chegada de novas peças para substituição.
    Neste episódio Ozires cunhou uma frase que guardo até hoje: “Deus limitou nossa inteligência, mas esqueceu de limitar nossa burrice”.
    Hoje praticamente todos os brasileiros possuem um smartphone na mão, mas o que poucos sabem é que o PT votou contra o projeto de privatização, aliás é contra qualquer projeto de avanço para o país. Na época de tramitação e votação das teles o deputado Fernando Gabeira foi expulso do partido por ter votado a favor do projeto.
    Hoje o país é uma potência mundial no agro, mas poucos sabem que até a década de 1970/ 1980 o país era importador de alimentos. Aqueles que tem filhos na faixa de 40 a 50 anos devem lembrar-se das madrugadas nas filas das padarias e mercados para conseguir comprar 2 litros de leite.
    O avanço tecnológico somente foi possível com a criação da EMBRAPA que felizmente ficou fora do aparelhamento estatal, e por isso é desconhecida até mesmo no meio acadêmico.
    Desconhecem por exemplo que a área ocupada hoje pelo agro, aproximadamente 15% do território nacional, é semelhante a área já demarcada e ocupada pela população nativa com outros 15%, que querem alterar não para beneficiar a população silvícola, mas para aumentar o controle estatal pois as terras ocupadas por nativos são propriedade do Estado.
    Itajaí/SC possui o maior parque náutico do país destacando-se não apenas pelas embarcações de alto luxo equivalentes a apartamentos de 300 m² mas também por plataformas para exploração de petróleo e fragatas de uso militar.
    A área educacional vai continuar sendo o principal obstáculo ao desenvolvimento do país, principalmente pelo número de analfabetos funcionais que cresce ano após ano.

  3. Raquel Bittencourt Cavalcanti
    Raquel Bittencourt Cavalcanti

    O Brasil que dá certo é o da iniciativa privada. O do atraso, da desigualdade é o dos nossos políticos, homens sujos na lama da corrupção de todo tipo, na sua grande maioria, e que se mantém graças à “desigualdade social” que alimentam pra sobreviver. Parabéns aos Empreendedores que geram riquezas e empregos .

  4. hamilton luiz langer
    hamilton luiz langer

    5,6% de analfabetos??? Claro, números do IBGE. Tem que ser muito idiota para acreditar.

  5. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    O Brasil que prospera, e que não espera benesses do poder público.

    1. Ic Filho
      Ic Filho

      Quanto menor o Estado, melhor a nação!!!
      Até a esquerda sabe disso mas prefere ignorar para benefício próprio…

  6. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    O Brasil primeiríssimo mundo.
    Espero ler no fim de 2024 esse Brasil ampliado para muito além do mostrado na reportagem.

  7. JASIEL MORAES DUQUE
    JASIEL MORAES DUQUE

    Excelente reportagem… Corrigir o nome da WAG para WEG, que é o correto.

  8. Paulo Henrique Orlato Rossetti
    Paulo Henrique Orlato Rossetti

    Parabéns ao Artur Piva e Branca Nunes! Reportagem esclarecedora! Rumo aos 200 números da OESTE!

  9. Rui Inocêncio
    Rui Inocêncio

    A empresa catarinense é a WEG. Favor corrigir o texto que erradamente a citou como WAG.

  10. Maria Tereza Moro
    Maria Tereza Moro

    Parabéns pela reportagem e por nos apresentar um Brasil que nos enche de esperança.

  11. Mauricio Conrado Faria Peressoni
    Mauricio Conrado Faria Peressoni

    Excelente relato do que temos de melhor para oferecer e que deveria ser replicado em outras áreas. Fica claro que tanto a iniciativa privada e serviços públicos essenciais [nesse caso a saúde] podem funcionar muito bem, desde que administrados de maneira profissional e apartidária. O Brasil pode dar certo e na verdade já deu certo em muitos locais.

  12. Hairton Schweter
    Hairton Schweter

    Parabéns pela reportagem. Já estou compartilhando.

  13. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Essa reportagem nos dá uma esperança patriótica. Felizmente o país dá sinais de superioridade para esse sistema apodrecido na corrupção

  14. Célio Antônio Carvalho
    Célio Antônio Carvalho

    Muito boa essa reportagem, elucidativa, esclarecedora, que merece os meus parabéns!
    Precisamos de mais matérias assim para estimular e mostrar o lado que prospera, que cresce, que produz riquezas apesar dos governantes!
    Parabéns aos competentes Arthur Piva e Branca!

  15. Mirian Guimarães
    Mirian Guimarães

    Parabéns pela reportagem!!

  16. Dilermando Batista
    Dilermando Batista

    Que maravilhosa reportagem. Oarabéns!
    Precisamos divulgar o Brasil que funciona, que cresce, se desenvolve e evolui.

  17. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Sou carioca e me entristece constatar que o meu estado só deve ser o líder na criminalidade.

    1. XY / XX
      XY / XX

      Só uma bomba atomica para resolver o problema do teu estado, colocar um fim a tudo e começar do zero. KKKKKKKKKKK CALMA QUE É BRINCADEIRA.

  18. Érico Borowsky
    Érico Borowsky

    Que reportagem!!!
    Parabéns, pessoal!

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