Confrontados com a notícia de que Dilma Rousseff andava enxergando um cachorro oculto por trás de cada criança brasileira, os craques do duelo retórico hoje sumidos da paisagem política brasileira teriam destruido a usina de maluquices instalada na Presidência da República com meia dúzia de frases de grosso calibre. Um Carlos Lacerda, por exemplo, provavelmente sugeriria que a chefe de governo dedicasse ao exame dos incontáveis problemas reais o tempo que desperdiçava em visões mediúnicas. Um Jânio Quadros talvez perguntasse se os cães de Dilma também eram distribuídos de acordo com as classes sociais. Nessa hipótese, emendaria Jânio, acaso teria a senhora presidenta visto um galgo afegão seguindo um pequeno favelado? Ou uma matilha de vira-latas escoltando a filharada da elite golpista?
Para sorte de Dilma, a Era da Mediocridade transformou numa espécie em extinção a fina linhagem dos grandes políticos bons de briga, ágeis no raciocínio e rápidos no gatilho. O adversário mal acabara de disparar uma bala bêbada e lá vinha o revide certeiro e letal.
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Dois exemplos. Na campanha presidencial de 1989, Fernando Collor chamou Ulysses Guimarães de “velho”. A réplica imediata: “Posso ser velho, mas não sou velhaco”. Na mesma campanha, Guilherme Afif Domingos interpelou Mário Covas: “Com qual das duas caras você vai se apresentar nesta eleição?” Covas mirou na testa: “Eu acho que tenho uma só cara. Mas, se tivesse várias, certamente todas teriam vergonha.”
Em vez de topar com alguém pertencente a essa estirpe que nunca nega fogo, que jamais deixa de apanhar a luva atirada pelo oponente, o neurônio solitário de Dilma lidou em 2010 e 2014 com adversários que insistiram em valsar com quem só dançava quadrilha.
“Se está em outro palanque, mulher para mim é homem”, ensinou Jânio Quadros.
Alheios a essa lição, nenhum dos candidatos à Presidência em 2014 levou Dilma às cordas com a história do cachorro oculto, contada um ano antes numa discurseira em Porto Alegre. Tratada como uma dama, Dilma passou duas campanhas tão à vontade quanto Rosemary Noronha num vôo noturno do Aerolula.
Dois dias depois de aplicar o conto do canil na capital gaúcha, a presidente foi mentir em Itajubá. Caprichando na pose da supergerente que chegou de trem-bala para passear de barco nas águas já transpostas do Rio São Francisco, a candidata à reeleição inaugurou uma fábrica que não construiu, jurou em comícios disfarçados de entrevistas que não estava em campanha e, antes de seguir viagem, deu conselhos aos interessados em tomar-lhe o emprego. “Acredito que, para as pessoas que querem concorrer ao meu cargo, elas têm de se preparar, estudar muito, ver quais são os problemas do Brasil”, disse a inventora do dilmês, subdialeto que proíbe o usuário de dizer coisa com coisa.
Um Tancredo Neves teria revidado o conselho com a constatação: a cabeça baldia de Dilma é que precisava ser urgentemente estudada — e por uma junta de especialistas. Sempre gentis, os adversários se recolheram ao mais estridente silêncio.
Essa reveladora mudez foi inaugurada na campanha de 2010, ao longo da qual Dilma repetiu que construiria 6 mil creches até o fim de 2014.
Uma creche para cem crianças tem em média 600 metros quadrados, demora seis meses para ficar pronta e custava, na época, no mínimo R$ 300 mil. Admita-se que Dilma talvez estivesse convencida de que governar é construir creches. Faz de conta que decidira concentrar na semeadura de unidades do gênero todas as verbas destinadas a investimentos públicos. Ainda assim, restariam problemas de bom tamanho. Para cumprir a promessa, ela teria de inaugurar 1.500 creches por ano. São 135 por mês. Mais de quatro por dia.
Embuste
O desfile de tapeações foi encerrado com a louvação do deslumbramento sobre trilhos que desde 2007 só apitou na imaginação de Dilma. “Nosso projeto é que o trem-bala esteja integralmente pronto em 2014 ou pelo menos o trecho entre Rio e São Paulo”, reincidiu a babá do Brasil Maravilha que Lula pariu. “Pretendemos ter os trens em funcionamento para a Copa, até porque esta é uma região muito importante em termos de movimentação na Copa.”
Com o fim da competição que será sempre lembrada por aqueles 7 a 1, os estádios que sangraram os cofres públicos viraram colossos sem serventia, o trem-bala segue enfurnado na cabeça de outra farsante e os milagres da mobilidade urbana não desceram do palanque. Os metrôs subterrâneos, de superfície ou elevados, os trens metropolitanos com ar condicionado, o mundaréu de aeroportos, as rodovias de matar gringo de inveja, nada disso se tornou visível. A única obra de grande porte inaugurada pela presidente de um país cuja infraestrutura implora por socorros urgentes fica em Cuba: o Porto de Mariel, que engordou a Odebrecht e emagreceu o BNDES em US$ 1 bilhão.
A supergerente do Brasil foi só um embuste vendido a multidões de eleitores abúlicos por políticos e jornalistas que perderam o juízo, a sensatez ou a vergonha. Em contrapartida, ganharam empregos, favores ou dinheiro. Dilma foi despejada do emprego por incompetência e malandragem. Fantasiada de vítima de um golpe, tentou garantir o foro privilegiado como senadora. Conheceu a morte política em vida, decretada pelo eleitorado mineiro. O fantasma ressurge com frequência por aí — nas aparições mais recentes, confirmou que torce pelo vírus chinês. Mas Dilma Vana Rousseff já está alojada para sempre no mausoléu das perfeitas bestas quadradas.
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Brilhante Augusto Nunes! Estilo e conhecimento únicos e de altíssimo nível.
excelente esse texto
Perfeito, engraçado, inteligente e profundo texto. De fato, como dama foi tratada essa maluca nas eleições, com tanta coisa que poderia ter sido explorada. Onde estavam todos?
Ler Augusto Nunes é sempre um ato de vaidade. Quão poucos têm este prazer de ver o mundo nos rodeia – e nos oprime – ser decifrado com a palavra certa, com a ironia medida, com o respeito aos fatos e a indignação, sutil, mas não menos impiedosa com os bandidos arrogantes, com pose de estadista, que insistem fazer de nossa gente refém de um infecto prostíbulo que eles chamam de política e até de
estado democrático.
Não podemos dissociar passado, presente e futuro. A História sempre foi um navio quebra-gelo disposto a destruir tudo o que se colocar à sua frente.
Augusto NUnes, essa é a edição 10826 do mesmo artigo!!!!! Deixa de ser preguiçoso e aborde outros temas.
O texto é ótimo, mas esta 4 anos atrasado.
Ninguém mais lembra da Dilma!
Não precisamos que ela ressuscite agora!
Parabéns, Augusto Nunes. O texto revela a lucidez, a coragem e a inteligência de um profissional comprometido – sempre – com a verdade e a defesa da liberdade de confrontar as alucinações trazidas pelo vírus da corrupção e da incompetência de governantes, a exemplo desse resto de assombração terrorista chamado Dilma Rousseff. Viva a Oeste!
Brilhante … mas corremos um grande risco, devido à crise que se avizinha, de que esse “cadáver político insepulto” ressurja nas próximas eleições, junto com outros oportunistas da mesma espécie, com a pecha de salvadores da pátria … afinal, vivemos em um país que elegeu e reelegeu por anos figuras como Collor, Sarney, Maluf, Temer, Aécio, etc …. oremos ….
Cada vez mais, sou fã de seus comentários. Um oceano de sensatez para uma ilha de insensatos chamada Brasil.
Como jornalista, sinto ter de concordar com o que Thomas Sowell afirma: os que se consideram intelectuais, mas sequer dispõem de conhecimento para tanto, são os que mais prejudicam um país, seja pela arrogância, seja pelo ressentimento. Querem porque querem que a nação lhes reconheça a inteligência e perspicácia. Parabéns, Augusto.
Parabéns pela Revista.O artigo de Dilma é antológico,poucos intelectuais ainda conservam a verve e o humor de Augusto Nunes.Lembra N.Rodrigues,Millôr Fernandes,S.Ponte Preta que ficaram nos livros que ainda lemos.Fica devendo um livro com suas coletâneas de artigos.
Acho que tu tá bem brabinho depois dos soquinhos no Glenn… he he he. Aliás, temos que convir que o brasileiro é bonzinho. Elegeu uma guerrilheira! Depois que passar a pandemia a esquerda brasileira terá muito trabalho em explicar sua aliança com o partido comunista chinês.
Discordo quanto ao guerrilheira. O termo correto é TERRORISTA. Acho o Augusto Nunes brilhante e por isso não deveria perder seu tempo com a Cadáver Insepulto.
Caro Augusto, como é bom voltar a ler os seus artigos. Além de tudo é divertido.
Já faz muito tempo, mais precisamente desde o resultado das eleições de 2018, que me refiro a essa aberração como “a cadáver insepulto”.
A extrema imprensa, que nos dois mandatos de Dilma era vendada por polpudos subornos e, em muito menor grau, por afinidade ideológica, hoje não tolera qualquer ato ou palavra de Jair Bolsonaro.
???
Irretocável! Grande Augusto Nunes. Minha reverências.
Esta com certeza foi sua primeira morte que é definitiva, a segunda e ultima talvez possamos lamentar, mas a morte politica é de se comemorar!
Esta Gata tem sete vidas, a segunda já foi dada pelo Lewandovisk, na terceira o povo de MG deu-lhe um tiro na testa. Acho que estamos vendo a reprise de The walking dead. As criaturas do mal nunca morre veja o seu criador Luladrão novinho em folha renascido do inferno.
Espero que vc esteja certo e está coisa não ressurja numa eleição qualquer. Taí o Collor que não nos deixa mentir.
Parabéns Augusto .Cirurgicamente corretas as suas observações.
Parabenizo pela revista , com um seleto grupo.
Augusto, como sempre, primoroso.
eu diria, didático
O interesante de relembrar a esta era da “PresidANTA”.Que nada de bom tem, São as gafes, pois parecia competição em revistas de quadrinhos…
É inacreditável.
Augusto, me diga aonde estava a extrema imprensa naquela época de grandes desatinos
Faturando a nossa grana em troca do absoluto silencio
Como sempre excelente texto.???
Perfeito!!!!