Mudam os modismos, mudam os costumes, mas certas coisas nunca mudam. Quando se trata do ser humano, há certas características um tanto rígidas, paixões imutáveis. É o que nos permite ler as tragédias gregas ou shakespearianas e compreender exatamente os sentimentos expressados ali, apesar dos séculos que nos separam e criam contextos um tanto distintos.
Compreender o que não muda nunca quando se trata do bicho-homem é importante para não cair em tentações revolucionárias de criar o “novo homem” e um “novo mundo”. Os conservadores são mais realistas nesse aspecto do que os progressistas. Eles sabem que “é aquilo que é”, ou seja, precisamos trabalhar com a matéria-prima que temos, imperfeita, sujeita a certas inclinações inalteráveis, independentemente da época.
Daí a importância do livro Same as Ever: A Guide to What Never Changes, de Morgan Housel. A história está repleta de surpresas que ninguém poderia imaginar. Mas também está repleta de muita sabedoria atemporal. E o autor apresenta ótimos exemplos, numa linguagem acessível e didática. A mudança chama nossa atenção porque é surpreendente e emocionante. Mas os comportamentos que nunca mudam são as lições mais poderosas da história, porque antecipam o que esperar do futuro.
Housel não tem a pretensão de utilizar a sabedoria dos antepassados para prever detalhes do amanhã. Ao contrário: ele traz muita humildade perante os “profetas clarividentes”, ao mostrar como é difícil prever o futuro. Conhecendo melhor a natureza humana, porém, é possível se adaptar mais rápido e não cair em ilusões perigosas. Uma grande lição da história é perceber o quanto o mundo está por um fio. Algumas das maiores e mais importantes mudanças na história aconteceram devido a um encontro ou decisão aleatória, imprevisível e impensada que levou à magia ou ao caos.
Toda grande história poderia ter sido diferente se alguns pequenos sopros seguissem na outra direção. Basta pensarmos em nossas vidas, e em como chegamos até aqui. Uma sequência de acontecimentos fortuitos e imprevisíveis certamente nos trouxe até o ponto atual. Housel conta uma experiência pessoal, a mais importante de sua vida, quando decidiu do nada, sem saber ao certo o motivo, não esquiar na parte da tarde com dois amigos. Naquele dia, eles tinham esquiado pela manhã fora da pista e enfrentaram uma pequena avalanche. À tarde, quando Housel resolveu não ir, veio uma avalanche enorme e fatal. Os dois amigos morreram soterrados.
Housel ficou vivo por acaso. Não foi mérito, não foi clarividência. Foi pura sorte. As pessoas gostam de dizer: “Para saber para onde vamos, é preciso saber onde estivemos”. Mas mais realista, segundo Housel, é admitir que, se você sabe onde estivemos, percebe que não temos ideia para onde estamos indo. Os eventos se compõem de maneiras insondáveis. Ansiamos por maior controle do destino do que realmente somos capazes de possuir.
Por isso mesmo uma das lições do autor é basear as previsões em como as pessoas se comportam, e não em eventos específicos. Prever como será o mundo daqui a 50 anos é impossível. Mas prever que as pessoas ainda responderão à ganância, ao medo, à oportunidade, à exploração, ao risco, à incerteza, às afiliações tribais e à persuasão social da mesma forma é uma aposta mais segura. “O absurdo das conexões passadas deveria diminuir sua confiança na previsão das futuras”, diz ele.
Ele também lembra que nunca é intuitivo o quão grande algo pode ficar a partir de um pequeno começo. Mudanças tecnológicas revolucionárias, guerras mundiais, eventos que mudaram o mundo tiveram seu nascimento em faíscas, iniciativas insignificantes à primeira vista, e só com o benefício do retrospecto é possível criar uma narrativa coesa como se as consequências fossem inevitáveis ou previsíveis. “Somos muito bons em prever o futuro, exceto pelas surpresas — que tendem a ser tudo o que importa”, ironiza.
Imagine uma vida onde quase tudo melhora, mas você nunca aprecia isso porque suas expectativas aumentam tão rapidamente quanto as circunstâncias. É assustador e quase tão ruim quanto um mundo onde nada melhora
As maiores notícias, os maiores riscos, os eventos mais importantes são sempre aquilo que você não prevê. É impossível planejar o que não se pode imaginar e, quanto mais você pensar que imaginou tudo, mais chocado ficará quando acontecer algo que não havia considerado. Por isso Nassim Taleb, autor de Cisne Negro, diz que é mais importante investir na preparação do que na previsão. Um provérbio chinês diz: “Prepare-se para o pior, espere o melhor e receba o que vier”.
Os que procuram olhar o copo meio cheio e aceitar as contingências do destino com alguma resignação parecem viver mais felizes. Sua felicidade depende mais de suas expectativas do que de qualquer outra coisa. Portanto, em um mundo que tende a melhorar para a maioria das pessoas na maior parte do tempo, uma habilidade importante para a vida é fazer com que a trave pare de se mover. Também é uma das mais difíceis. A grama do vizinho é sempre mais verde, e a inveja é uma daquelas paixões mesquinhas que nunca desaparecem por completo…
Montesquieu escreveu há 275 anos: “Se você apenas desejasse ser feliz, isso poderia ser facilmente conseguido; mas desejamos ser mais felizes do que as outras pessoas, e isso é sempre difícil, pois acreditamos que os outros sejam mais felizes do que são”. Isso, na era do Instagram, piorou bastante. A economia de hoje é boa em gerar três coisas: a riqueza, a capacidade de exibir riqueza e uma grande inveja pela riqueza dos outros.
O autor sugere um exercício hipotético: imagine uma vida onde quase tudo melhora, mas você nunca aprecia isso porque suas expectativas aumentam tão rapidamente quanto as circunstâncias. É assustador e quase tão ruim quanto um mundo onde nada melhora. Mas muita gente vive exatamente assim. Basta ver que, em tempos de maior afluência da história, muitas pessoas, em especial as mais jovens, sentem-se vítimas o tempo todo e exigem “direitos” como se a riqueza em torno delas caísse do céu.
O livro segue falando dos gênios e suas idiossincrasias, da tendência de reversão à média e muitas outras coisas interessantes. Uma das grandes lições é a de adotar uma postura mais humilde diante do futuro e do próximo. “Aqueles que prosperam a longo prazo são aqueles que entendem que o mundo real é uma cadeia interminável de absurdos, confusão, relacionamentos confusos e pessoas imperfeitas”, diz o autor. E devemos aceitar os contratempos inevitáveis também. “Esta é uma das habilidades mais úteis para a vida: suportar a dor quando necessário, em vez de presumir que há um atalho em torno dela.”
O homem odeia as incertezas e almeja uma falsa sensação de segurança. O autor conclui: “A ideia de que o que está à nossa frente é um buraco negro de incerteza pode ser tão intimidante que é mais fácil acreditar no oposto — que podemos ver o futuro e que o seu caminho é lógico e previsível. Nenhuma crença na história é tão comum e nenhuma crença é tão consistentemente errada”.
Leia também “Racismo reverso”
Pior que reconhecer as mazelas humanas é não fazer nada para mudar esse estado. Para quem crê em Cristo e tem fé há esperança.
Que artigo sensacional. Obrigada Constantino. Fiquei interessada em ler esse livro
Muito bom, Constantino.
excelente artigo e analise !!!!
Para que tenhamos certeza de que no futuro ” O SER HUMANO ESTARÃO AINDA RESPONDENDO À GANANCIA, AO MEDO, AO RISCO E A PERSUASSÃO SOCIAL DA MESMA FORMA DE HOJE ” É FACIL LEIAM A BIBLIA E VEJAM O HOMEM DAQUELA EPOCA E O DE HOJE E PERCEBAM QUE AGIAM DA MESMA MANEIRA, RESSALVANDO AS FERRAMENTAS, CASAS, ETC..
Constantino falando de bitcoin sem mencionar. Sugiro darem uma olhada em “Price of Tomorrow” de Jeff Booth, ou “Sovereign Individual”, que é anterior ao próprio bitcoin, além do “Padrão Bitcoin” de Saifedean Amous (que é muito mais sobre a história do dinheiro).
Planejar o futuro com lógica e conhecimento histórico pode certamente aumentar as chances de sucesso. A lógica ajuda a tomar decisões racionais e a avaliar diferentes opções, enquanto o conhecimento histórico proporciona insights sobre padrões, tendências e lições do passado que podem ser aplicadas no presente e no futuro. No entanto, é importante lembrar que o futuro é incerto e imprevisível, então o planejamento também deve incluir flexibilidade e capacidade de adaptação às mudanças.
Muito interessante e bem escrito pelo Constantino. Tenho “me conformado” que o mundo e seus acontecimentos sao muito fluidos. Pequenos acontecimentos alteram o rumo de grandes coisas, aleatoria e inesperadamente. Realmente viver com menores expectativas ainda é a saída menos ruim. E o melhor – até encontrarmos outro – predictor do que vai acontecer – como colocado pelo autor e pelo Constantino- é o comportamento observável das pessoas componentes da situação.
Excelente abordagem, principalmente quando se fala dos rumos que as pessoas ficam procurando o tempo todo em busca da Felicidade, e normalmente ela está mais próxima do que essas pessoas imaginam.
Dentro de si mesmo.
Descobri hoje que tudo consta, até ontem eu imaginava que nada consta
Belo artigo Consta. Vc sempre trazendo reflexoes q estimulam a nossa mente. Obrigado.
O passado serve de alerta para não repetir-mos os mesmo erros, portanto não pode ser menosprezado. Mas o futuro do ser humano é incerto, frágil e difícil de prever, digo isso pelo fato do ser humano ser a única criatura viva com a capacidade e habilidade de agir como seu próprio destruidor.
Veja por exemplo a situação caótica do nosso país onde enfrentamos inumeros crimes cotidianamente com uma única premonição em mente: A minha vêz esta próxima.
Outro fato, elegemo-os e somos governados por ladrões. Temos que conviver com delinquentes entitulados aos frutos do nosso trabalho. mesmo roubando-nos eles expressão um sentimento imerecido de superioridade moral sobre todos nós, isso pode deixar qualquer um louco ao ponto de suicídio.
“*GUARATINGUETÁ SP BR*” #AcordaBrasil – Um DESgoverno. Como diz a Ana Paula *TRANCA A PAUTA*
Segundo Einstein: Insanidade é continuar fazendo sempre a mesmo coisa e esperar resultados diferentes.
Segundo o Barão de Itararé, De onde menos se espera, daí que não sai nada mesmo.
Quem espera, nunca alcança, devagar é que não se chega a lugar nenhum.
Belo artigo Constantino, reflexões. A vida é o que é, simplesmente assim, não escolhemos a família em que nascemos,eu tive apenas muita sorte nesse quesito. Mas sei que podemos escolher caminhos. Parabéns pelo trabalho e pelo talento na bateria.
Sobre o acontecimento com o esquiador, Carl Jung dizia que, por algum fenômeno inexplicável relacionado com o cosmos e com outras experiências psíquicas, poderíamos ter sonhos premonitórios ou até mesmo recebermos algum sinal de advertência relacionado a um acontecimento futuro. Isso, de alguma forma, alteraria nosso destino, em função da decisão que tomássemos. Não sou especialista. Outro leitor pode corrigir ou acrescentar mais detalhes sobre esse aspecto do pensamento de Jung.