A censura no câmpus, de acordo com alguns, é apenas um mito da direita. Reivindicações de petições, protestos e boicotes à liberdade de expressão de estudantes são simplesmente um pânico moral. Nessa fantasia, a liberdade de expressão está viva e em uma universidade perto de você. Pode ser o caso, admitem esses acadêmicos e comentaristas, que a historiadora Selina Todd, de Oxford, precise ser acompanhada por um guarda de segurança nas palestras. Pode ser verdade, eles reconhecem a contragosto, que a professora de direito Rosa Freedman, da Universidade de Reading, teve a porta de seu escritório coberta de xixi. Mas esses exemplos estão fora de proporção, argumentam e, além disso, foram mal interpretados — fazer ameaças de morte e urinar nas portas são na verdade formas de liberdade de expressão, não tentativas de encerrar o debate. Ufa!
Um novo relatório do Policy Exchange ataca os negacionistas da censura. A Academic Freedom no Reino Unido vai além de uma contagem direta de petições e convites rescindidos. Em vez disso, explora uma cultura de câmpus moldada por “amplo apoio à discriminação por motivos políticos na publicação, contratação e promoção”. Uma pesquisa encomendada pelos autores do relatório mostra que “apenas 54% dos acadêmicos disseram que se sentiriam confortáveis sentados ao lado de um conhecido apoiador do Brexit no almoço”. Apenas 37% se sentiriam confortáveis sentados ao lado de alguém que, em relação aos direitos dos transgêneros, defende pontos de vista feministas críticos de gênero. “Isso é importante, eles nos dizem, porque um clima de intolerância política ameaça a liberdade acadêmica e provavelmente resulta em autocensura”, aponta o relatório.
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Muitas vezes, aqueles que argumentam que não há crise de liberdade de expressão no câmpus veem as ameaças à liberdade acadêmica de maneira estritamente formal. De acordo com essa visão, a menos que os coordenadores das universidades — ou, melhor ainda, os ministros do governo — evitem especificamente que as palestras continuem ou os artigos sejam publicados, tudo está bem. O último relatório do Policy Exchange é útil porque mostra que as ameaças à liberdade de expressão não vêm devidamente sinalizadas. Mais frequentemente, emanam de um contexto cultural mais amplo do câmpus e envolvem a autocensura dos indivíduos, em vez de correr o risco de se tornarem alvo de petições públicas.
Professores com compromisso acadêmico foram substituídos por uma geração de docentes que se vê como instrumento para a promoção da “justiça social”
Infelizmente, os negacionistas da crise não veem nada de errado com a cultura do câmpus como ela é atualmente. Para eles, acreditar que o sexo não é atribuído no nascimento, que a Grã-Bretanha é melhor na União Europeia, que o aquecimento global é a maior ameaça que o planeta enfrenta e que o racismo estrutural é endêmico, tudo isso é simplesmente bom senso. Esses não são tópicos para debate político, mas valores que todas as pessoas decentes têm. Às vezes, esses valores são formalmente articulados em declarações de igualdade e diversidade ou esclarecidos por meio de workshops de inclusão obrigatória. Porém, com mais frequência, a suposição de uma visão moral compartilhada fica clara por meio de piadas, comentários no intervalo para o café, cartazes pregados nas portas e petições que circulam entre os funcionários. Questione essa decência de senso comum e — como indica o relatório do Policy Exchange — não são apenas os convites para almoço que acabam, mas também as promoções, publicações e oportunidades de financiamento.
A censura do câmpus não é um mito de direita, mas, da mesma maneira, a conformidade ideológica não é uma conspiração de esquerda. Ao longo de um período de muitas décadas, professores com uma compreensão particular do que significava ser um acadêmico — com dedicação à busca do conhecimento e um compromisso com o rigor intelectual e a objetividade — foram substituídos por uma geração mais jovem que vê a erudição como mais explicitamente vinculada ao compromisso com a justiça social. Eles são mais propensos a ver acenos de objetividade como, na melhor das hipóteses, hipócritas e, na pior, uma pretensão perigosa. A justiça social exige o recrutamento de grupos historicamente sub-representados ao escolher novos funcionários e alunos, resultando em câmpus que parecem diversos, mas são cada vez mais ideologicamente homogêneos. Os alunos que se encaixam tendem a ser aqueles que compartilham as preocupações políticas e intelectuais de seus professores. Então se tornam a próxima geração de acadêmicos. Ao mesmo tempo, aqueles que não se enquadram frequentemente optam por sair completamente da academia.
Quem nunca teve uma visão que desafia o consenso não vê problema com a “liberdade de expressão” nas universidades
O domínio de um grupo de pessoas de pensamento semelhante não se restringe às universidades. A mesma visão progressista do mundo, reproduzida por mentes aprisionadas, agora é compartilhada por aqueles que dirigem a BBC, ramos do serviço público, muitas ONGs e instituições de caridade, altos escalões da polícia, agências de publicidade e empresas de mídia social. Isso, por sua vez, dá peso à percepção de que os valores da elite não são políticos, mas simplesmente moralmente corretos. Por essa razão, aqueles que nunca tiveram uma visão que de alguma forma desafia o consenso não veem problema com a liberdade de expressão nas universidades. Jo Grady, secretária-geral da University and College Union, foi rápida em descartar as conclusões do relatório do Policy Exchange: “A ideia de que a liberdade acadêmica está ameaçada é um mito”.
O Policy Exchange deve ser elogiado por levantar o problema das ameaças atuais à liberdade de expressão, que muitas vezes são experimentadas individual e subjetivamente. Uma questão muito mais difícil é como mudar a cultura no câmpus. O Policy Exchange propõe que um diretor nacional para a liberdade acadêmica seja nomeado pelo secretário de Estado da Educação e estabelecido dentro do Office for Students (órgão regulador da educação superior no Reino Unido).
Fazer valer a liberdade acadêmica é tentador, ainda que se corra o risco de emprestar justificativa moral para aqueles que reivindicam perseguição. Pouco é feito para contestar o clima no câmpus. Almoços forçados da equipe não farão com que os colegas gostem uns dos outros ou mesmo farão com que deem opiniões opostas a uma audiência justa. Piadas, petições e cartazes poderiam ser proibidos, mas isso restringiria, e não aumentaria, a liberdade de expressão. Crucialmente, as universidades fazem parte — não estão separadas — da sociedade. Precisamos defender a liberdade de expressão em todos os lugares e desafiar o domínio que uma elite inabalável exerce sobre todas as nossas instituições. Mais do que novas nomeações políticas, isso requer atos individuais de coragem. Em vez de nos autocensurarmos ou lamentarmos a autocensura, a responsabilidade deve recair sobre todos nós para dizer o que pensamos.
Leia também o artigo “O Ocidente em guerra com seu passado”, de Frank Furedi
Joanna Williams é diretora do Freedom, Democracy and Victimhood Project do think tank inglês Civitas.
Muito bom!
Lamentável.
As universidade foram criadas há séculos pela Direita e hoje estão nas mãos dos sem-terra acadêmicos.
Bela análise!
Ótimos comentários ao excelente artigo! Hoje temos acesso a um acervo literário, que nos permite embasar mui bem nossas percepções e opiniões. É o início de um processo, lento, mas frutífero!
A vida acadêmica de hoje se resume ao assédio ideológico que corrompe a inteligência e, consequentemente, qualquer tipo de debate saudável ou reflexão controversa. Criaram uma legião de mentes patológicas, obececadas em patrulhar indivíduos.
Há censura em todos os ambientes agora: mesmo em família, se alguém pensa diferente do que é tido como “óbvio”, ou seja, basicamente, a dominância dos pensamentos de esquerda “politicamente corretos”, pode perder até os relacionamentos familiares. É preciso mesmo ter muita coragem para manifestar o que se pensa, e estar preparado para a enxurrada de “ohs” e “ahs”. Artigos como esse ajudam e precisam estar sempre à mão para nos dar coragem e viver o mundo conforme o entendemos.
Verdade, Ana Lúcia. Infelizmente, hoje nem os filhos querem ouvir as opiniões dos pais, se forem diferentes das que acreditam ser o certo (o malfadado “politicamente correto”, a tolerância a tudo e a todos, a inclusão e justiça social até para quem não faz por merecer, etc). A opção é evitar discussões, e conversar só sobre amenidades.
A autocensura é o veneno mais letal
As universidades ,sobretudo as brasileiras, foram aparelhadas com ideologia esquerdopata. Não se produz ciencia nem tecnologia. A indústria das teses de doutorado produz subcultura inútil para o país em nome do progressismo. As novas gerações já chegam contaminadas . Pobre Brasil.
Lá como cá.