Depois de duas semanas de exposição mundial, a engrenagem de censura em curso no país abriu uma crise no consórcio de poder formado por um grupo de ministros que comanda o Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desde a entrada do dono da plataforma X/Twitter, o empresário americano Elon Musk, no debate sobre a defesa da liberdade de expressão e dos direitos civis, algo já mudou no Brasil.
Há pelo menos dois sinais evidentes de novos ventos, que não sopravam havia 15 meses: o primeiro é a consolidação das críticas ao ativismo do ministro Alexandre de Moraes em editoriais dos jornais pelo mundo — no Brasil, a Folha de S.Paulo, por exemplo, adotou pela primeira vez o termo “censura”. O segundo é o descontentamento público do Congresso Nacional, capitaneado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), com o autoritarismo desse consórcio de governo.
Aos fatos: quem acompanha o jogo político em Brasília sabe que Arthur Lira nunca foi aliado de governo nenhum. Ele tem seu próprio grupo político, que o elegeu para comandar a Casa duas vezes — na segunda rodada, obteve 464 votos, o maior placar da história, superando Ibsen Pinheiro (1991) e João Paulo Cunha (2003), ambos com 430 votos, mas que eram candidatos únicos. Com esse respaldo, Lira — por óbvio — mantém seu balcão de negócios: ajudou Lula com algumas votações na seara econômica, em troca de cargos no governo e da liberação de bilhões do Orçamento da União, distribuídos em emendas parlamentares que interessavam à sua base.
As transações entre Lira e o Palácio do Planalto funcionaram pontualmente no ano passado, mas a relação azedou em 2024. O motivo: sem dinheiro no caixa para gastar, o governo resolveu brigar por um pedaço do bolo das emendas em ano de eleições municipais. O gabinete do presidente da Câmara virou uma espécie de central de reclamações dos deputados federais, que não têm simpatia nem querem aliança com o PT nos seus redutos eleitorais.
Para piorar, nesta semana Lula demitiu o primo de Lira da superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas — em pleno “Abril Vermelho”, mês em que o bando do MST invade fazendas em massa. Lira respondeu rápido. Pautou a urgência para votar um projeto anti-invasões de terras: quem for flagrado pela polícia derrubando cercas de fazendas perderá o acesso ao Bolsa Família e demais benefícios sociais. E apresentou um número no placar do plenário para assustar o governo: já tem 293 votos para aprová-lo.
Avesso a microfones da imprensa, ele ainda chamou o articulador político Alexandre Padilha (Relações Institucionais) de “incompetente”. Não foi a primeira rusga entre os dois — o deputado já cobrou a demissão do ministro a Lula no passado —, mas é fato que a briga deixou de ser restrita aos bastidores. Qual foi a resposta de Lula? Subiu num palanque ao lado de Padilha e disse que manteria o auxiliar “só por teimosia”.
O desgaste do Congresso não se restringe ao Poder Executivo. Há uma tensão crescente com o Supremo. A fervura começou a subir em janeiro, durante o recesso parlamentar, quando Alexandre de Moraes mandou a Polícia Federal duas vezes fazer buscas e apreensões em gabinetes da Câmara — que estavam vazios por causa das férias. Os alvos foram dois parlamentares da chamada “direita” — classificada como “bolsonarista” pelo STF. Ambos são pré-candidatos a prefeito pelo PL: Alexandre Ramagem, no Rio de Janeiro, e Carlos Jordy, em Niterói.
Recentemente, outra decisão de Moraes irritou os deputados: Chiquinho Brazão (RJ) foi preso, acusado de ser um dos mandantes da morte da vereadora Marielle Franco. Independentemente do mérito — se ele foi ou não responsável pelo assassinato, o que seria indefensável —, os parlamentares afirmam que a punição deveria partir da Câmara, em respeito à inviolabilidade do mandato, conforme prevê a Constituição. Ou seja, a prisão só poderia ocorrer em caso de flagrante inafiançável, o que não é o caso, porque o crime aconteceu há seis anos.
Nos corredores da Câmara, foi lembrado que o episódio do ex-deputado Daniel Silveira, também preso a mando de Moraes, abriu precedente para a escalada contra parlamentares não alinhados ao consórcio de poder. A manutenção da prisão de Brazão passou no plenário com 277 votos favoráveis, só 20 além do necessário, num claro recado de que a paciência dos deputados com Moraes está no limite. No dia da votação, um dos comentários mais ouvidos nas conversas no plenário era que, não se tratasse de um acusado de assassinato tão ruidoso, o Congresso contrariaria o Supremo.
Lira ainda prometeu instalar CPIs que estão paradas na fila desde o ano passado. É permitido o funcionamento de cinco comissões simultaneamente, e a maioria pode desgastar o Palácio do Planalto: investigação de compra de energia e contratos com a Venezuela, políticas de combate ao crime organizado e até apuração sobre compra de passagens aéreas. Mas uma CPI é negociada com mais cautela: o pedido do deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), batizado de “CPI do Abuso de Autoridade”, sobre decisões do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, telefonou para Lira na noite de quarta-feira. Pediu que a CPI não fosse instalada neste mês. O ministro divulgou uma nota oficial curta: disse que a conversa teve “o espírito colaborativo de ambas as partes, no sentido de evitar qualquer tensão entre os Poderes”. Deputados do centrão imediatamente fizeram circular a notícia de que o presidente da Câmara ouviu a promessa de que algumas coisas estão mudando na Corte.
Barroso surpreendeu críticos nesta semana com o “voto de Minerva” que derrubou punições a juízes da Lava Jato impostas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que ele preside. O voto dele foi na contramão do que prega o grupo de Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.
Impeachment e visita surpresa
No Senado, a Casa que poderia conduzir de fato uma resposta ao Supremo e recolocar a Praça dos Três Poderes no eixo, a questão é matemática. Há insatisfação nas bancadas, mas a oposição não tem número suficiente, nem com o empurrão de uma ala do centrão, para aprovar um impeachment de ministros do STF. Nos últimos anos, foram apresentados quase cem pedidos — a maioria segue na gaveta do presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Mas também esse cenário pode mudar em breve: Davi Alcolumbre (União-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e provável sucessor de Pacheco, tem enviado recados ao Supremo semanalmente. Dois deles foram publicados pelas colunistas Malu Gaspar, no jornal O Globo, e Raquel Landim, na CNN. As mensagens são idênticas: o Brasil vai assistir ao impeachment de um ministro se a Corte não rever seu autointitulado papel de “Poder Moderador”, algo que não existe desde a Constituição de 1824, redigida em benefício do imperador.
Nesse caso, Alcolumbre sugere uma conta simples: se a direita eleger pelo menos um senador em cada Estado nas próximas eleições — são duas vagas por unidade da federação —, terá número suficiente para aprovar impeachment de ministros. Ou seja, somados aos atuais senadores, atingiria, no mínimo, 54 das 81 cadeiras.
Outro ponto de atrito entre o Senado e o Supremo é a proposta de emenda constitucional (PEC) que fixa o tempo de mandato para os togados. A relatora é a senadora Tereza Cristina (PP-MS), que vai apresentar seu parecer até junho.
É no Senado, aliás, onde Moraes se escora. Na quarta-feira, 17, resolveu fazer uma visita surpresa ao presidente da Casa. Oficialmente, o tema do encontro extra-agenda seria a revisão do Código Civil, o que, em tempos turbulentos, é pouco crível. O mais provável é que Moraes tenha reportado o assunto da noite anterior, um jantar na casa do ministro Gilmar Mendes, com os colegas de Corte Flávio Dino e Cristiano Zanin, e o presidente Lula — que levou a tiracolo Ricardo Lewandowski (agora ministro da Justiça) e o advogado-geral da União, Jorge Messias.
Horas depois do encontro entre Pacheco e Moraes, o Comitê Judiciário da Câmara de Representantes dos Estados Unidos tornou públicos documentos enviados pelo ministro ao X/Twitter no período eleitoral. Moraes comanda também o TSE. São 541 páginas com ordens para censurar e banir perfis de aproximadamente 150 pessoas, incluindo jornalistas, políticos de direita, influenciadores e o ex-presidente Jair Bolsonaro, principalmente durante a eleição de 2022.
Se é fato que Lula apostou todas as suas fichas em Alexandre de Moraes, o ministro — agora contra as cordas — decidiu bater à porta de Rodrigo Pacheco.
O despertar da mídia
O esforço de Elon Musk para mostrar ao mundo que Alexandre de Moraes cruzou todas as linhas constitucionais despertou as redações de jornais e sites pelo mundo. Num dos documentos mais recentes, por exemplo, o ministro chegou a falar em “afastamento excepcional de garantias individuais”, por meio de decisão individual dele, o que causou espanto nos Estados Unidos.
O assunto já frequentou as páginas do Wall Street Jounal mais de uma vez. A jornalista Mary O’Grady, especialista em América Latina, escreveu que a “democracia brasileira está morrendo em plena luz do dia”. O tema foi destaque na rede de TV americana Fox News. As ordens secretas de Moraes ao X/Twitter chegaram ao noticiário de Al Jazeera (Qatar), The Guardian, BBC, Times, Financial Times, La Nación (Argentina), NSBC (EUA), além de inundar as redes sociais por meio de jornalistas independentes como Glenn Greenwald, conhecido pela “Vaza Jato”.
No Brasil, com exceção do grupo Globo, que permanece em silêncio sobre o escândalo, foram publicadas dezenas de artigos, editoriais e reportagens. O mais duro foi da Folha, no dia 13: “Um ministro do Supremo Tribunal Federal, com decisões solitárias em inquéritos anômalos — conduzidos pelo magistrado e não pelo Ministério Público, o órgão competente —, reinstituiu a censura prévia no Brasil. Ordens secretas de Alexandre de Moraes proíbem cidadãos de se expressarem em redes sociais”.
O editorial do Estadão no mesmo dia disse que “no seu transe salvacionista, o STF vê extremistas por toda parte, mas nem sempre a crítica é golpismo; ao contrário, há razões genuinamente democráticas para questionar o Supremo”.
O furacão provocado pelo dono do X/Twitter promoveu uma mudança nas manchetes da mídia brasileira: há duas semanas, não se fala mais sobre a iminente prisão de Jair Bolsonaro, seja por carteirinha de vacinação da covid-19, minuta do golpe — e a “bombástica” delação de Mauro Cid —, seja por importunação de baleia no litoral.
O ex-presidente passou a semana em viagens pelo país. Para este domingo, 21, convocou mais um ato público em defesa da liberdade na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro.
Leia também “A um tuíte da liberdade”
A única esperança para esse país será as pessoas acordarem para a polícia e por meio dela tentar mudar esse triste cenário que se encontra o país…
Excelente artigo de Silvio Navarro. Vai sempre direto ao ponto , com muita argumentação e a prova dos fatos.
Silvio Navarro, excelente artigo, como sempre você está de parabéns.
Gostei da conta de ao menos 1 senador por estado em 2026. Parece interessante…
Silvio sugiro que você proponha à Revista Oeste semanalmente e ao programa “revista oeste sem filtro” diariamente, entrevistas com celebridades tucanas ou ex tucanas como Arthur Virgílio para começar.
Li recentemente que o Diário do Grande ABC o entrevistou e apesar de não ter sido seu admirador como ex tucano que fui, entendo que poderá revelar seu descontentamento com os tucanos que fizeram o “L”, e seus entendimentos sobre a farsa do 8 de janeiro.
Quem sabe, outras celebridades tucanas se interessem em demonstrar seu descontentamento com o projeto que fizeram para descondenar Lula e incluir o devoto cristão Alckimin para seu vice. A propósito, como dorme esse cristão Alckimin que teve a insanidade de homenagear o principal articulador dessa farsa do 8 de janeiro Flavio Dino, e do altar de uma igreja dizer: “quis o destino que Flavio Dino fosse o Ministro da Justiça e Segurança, na hora certa e no momento certo para ajudar a salvar a democracia e evitar o GOLPISMO”.
Os temas poderiam ser, o VOTO IMPRESSO que tanto apoiaram em 2014, o autoritarismo do tucano Alexandre de Moraes no STF e no TSE criando a tal comissão de combate a desinformação (CIEDDE) sob a sua presidência, e a instalação pelo Congresso da CPI de abuso de autoridade e outras medidas para definir prazos para mandatos de ministros do STF.
Muito boa reportagem!!! Continuem atentos!!!
Quem mais desmoraliza nossa JUSTIÇA é a própria justiça.
As decisões parciais e tendenciosas, protegendo corruptos e corruptores, anulando provas, soltando bandidos, abusando do texto constitucional em restringir liberdades e direitos, cria uma atmosfera de perplexidade e insatisfação.
Nosso processo eleitoral se encontra sob suspeita.
Pelo menos metade da população brasileira não credita no resultado eleitoral que colocou Lula no poder.
Precisamos de ORDEM CONSTITUCIONAL e de PODERES LIVRES, INDEPENDENTES, EQUANIMES .
Nenhum poder é superior aos demais e todos são IMPORTANTES e NECESSÁRIOS, mas sem credibilidade, seus atos serão sempre questionável.
Agora falam de Musk e Milei… E ai, me vem uma lembrança : cade um certo “argentino” ??? Poderia ajudar muito nesse jogo…
Muito boa sua fotografia da mesa xadres do Brasil neste momento
a casa vai cair pro cabeça de ovo !! e os outros ministrinhos terão que ser responsabilizados por cumplicidade ao ditador de toga Alex( de merda)
Copacabana vai se transformar em um mar de gente que luta por um país mais justo e democrático.
Excelente Silvio. Moraes passou de todos os limites, um DITADOR.
Pacheco continuará na covardia é capacho do STF. Lira honre os votos recebidos de seus eleitores e instale a CPI do Abuso de Autoridade. Atenderá o anseio do povo, que está saturado desses ministros ativistas políticos que se acham acima da lei, rasgaram a Constituição.
STF é uma Instituição desmoralizada (pelas ações dos togados) que faz muito mal ao país.
Tudo tem limites e a Nação brasileira foi por demais tolerante com os desmandos desse bando.
Endireita Brasil.
Estou gostando muito do que vem se desenhando. Viva a liberdade.
Na medida em que a pressão das ruas crescer, a imprensa internacional destacar a demolição da democracia e o cenário das eleições municipais sugerir uma derrota humilhante para a esquerda, o executivo não hesitará em lançar ministro protoditador ao mar. Dirá que toda a censura e as arbitrariedades foram por iniciativa exclusiva do careca supremo.
Ai de te Copacabana se não derrubar essa corja de ladrão comunista narcotraficante terrorista
Será que o consórcio ( stf/imprensa/congresso/lula) está se desfazendo porque o dinheiro acabou, ou porque o “alienígena” Elon Musk ensinou que honra vale mais que grana?
Excelente Sívio. Forte abraço.
Há outro problema. Como o comandante do exército declarou que obedece cegamente qualquer ordem do ministro Moraes, quanto falta para todos esses que estão articulando serem presos? Lula sonhou ser ditador, mas toda pessoa muito esperta sempre acaba encontrando alguém mais esperto ainda, e se dá mal.
Sílvio Navarro, você retratou com perfeição o sombrio cenário em que estamos mergulhados nesta, agora, pseudorrepública. A mim me ocorre OBRIGATORIAMENTE (e, penso, à gigantesca maioria dos brasileiros de boa mente) que diante de todo esse emaranhado de ESCANDALOSAS ILEGALIDADES as mais inacreditáveis, todas praticadas pelo tal juiz Moraes, com o incondicional “amparo” dos demais togados que se esbaldam nas mordomias do tal STF, esse cidadão ou juiz ou togado, ou ex-secretário de segurança pública, ou seja lá o epíteto que se lhe outorgue, já deveria ter sido CAUTELARMENTE e SUMARIAMENTE afastado da posição que ilegitimamente ocupa, considerando os GRAVÍSSIMOS danos que sua conduta sistematicamente impõe à sociedade brasileira, como nação politicamente organizada, e à convivência racionalmente gregária das pessoas.
Nuvens pesadas apontam no horizonte brasileiro, vamos ver aonde isso vai para. quando a tempestade chega nao ha abrigo todos se molham e as morrem afogados
BOA, SILVIO. NÃO FOI A CARMINHA QUE DISSE QUE O CALA BOCA JÁ MORREU, QUEM MANDA NA MINHA BOCA JÁ MORREU? POR ONDE ANDARÁ AQUELA TRISTE E HIPÓCRITA FIGURA?