Na noite de sábado, 13 de abril, uma chuva de artefatos lançados pelo Irã iluminou o céu de Israel. Foram 170 drones, 120 mísseis balísticos e 30 mísseis de cruzeiro (teleguiados). Pela primeira vez, o regime islâmico, que há décadas mantém uma retórica hostil e financia grupos terroristas, realizou um ataque direto à nação judaica.
Desde os ataques do grupo terrorista Hamas, em 7 de outubro, as Forças de Defesa de Israel (FDI) e o governo eram alvo de críticas por terem sido pegos desprevenidos, na ação que matou cerca de 1,2 mil pessoas.
Desta vez, 99% dos artefatos lançados foram interceptados, segundo as FDI. A situação serviu para o diretor da Organização de Defesa de Mísseis de Israel (IMDO, na sigla em inglês), Moshe Patel, comemorar. “Os quase 40 anos de investimento em defesa contra mísseis de longo alcance finalmente valeram a pena”, afirmou.
Israel ocupa a oitava posição no mundo em investimentos militares, com 4,3% do produto interno bruto (PIB) em 2022, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês). No Oriente Médio, o gasto militar israelense só fica atrás do valor investido pela Arábia Saudita (US$ 75 bilhões).
Muitos desses números, inclusive, podem estar subestimados em função do sigilo implantado por Israel em relação à sua real capacidade militar. O país, por exemplo, não confirma a existência de um arsenal nuclear, estocado na cidade de Dimona, que teria cerca de cem ogivas.
Mas a eficiência dos gastos, mais do que a quantidade, é o que tem sido primordial. Há relatórios que analisam a prioridade de cada departamento do Ministério da Defesa. “O investimento em inovação é um conceito estratégico para o futuro de cada país”, afirmou Ran Natanzon, chefe de inovação do Ministério das Relações Exteriores de Israel. “A capacidade de usar a criatividade e o poder da inovação é essencial.”
Israel mesclou suas necessidades militares com o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). O país se tornou referência na criação de startups e de novas tecnologias. Em 2021, o gasto de Israel com P&D chegou a 5,6% do PIB, o mais elevado percentual do mundo. O setor militar é um dos maiores beneficiados, e as FDI, com isso, se tornaram um centro de inovação tecnológica.
O ataque do Irã foi um teste para avaliar a real capacidade israelense. Segundo Jairo Gawendo, especialista em segurança que serviu por três anos nas FDI, o resultado foi uma das maiores operações de defesa de todos os tempos. O importante agora, ressalta ele, é manter a atenção. “Os ataques serviram para mostrar como o sistema de defesa antibalístico e a força aérea das FDI funcionaram com perfeição, interceptando os artefatos e ao mesmo tempo expondo o Irã politicamente”, afirma Gawendo.
O Domo de Ferro e o Estilingue de Davi
O primeiro grande desafio israelense em conter ataques à distância ocorreu em 1991. Acuado pela invasão dos Estados Unidos ao Iraque, na Primeira Guerra do Golfo, o ditador Saddam Hussein ordenou o lançamento de mísseis contra Israel, aliado dos EUA.
Foi um momento semelhante ao atual. Os interceptadores dos mísseis Scud, lançados pelo Iraque, eram os Patriot, de um sistema de defesa norte-americano. Naquela ocasião, a eficiência defensiva não foi a mesma. Alguns mísseis, ainda que poucos, caíram sobre regiões urbanas. Os Patriots foram modernizados e são utilizados até hoje.
Também foram desenvolvidos outros equipamentos. O mais conhecido é o Domo de Ferro (“Iron Dome“), criado por Israel em parceria com os EUA para interceptar foguetes. Utilizado pela primeira vez em 2011, o Domo de Ferro tem eficiência de 92%. Sensores ajudam a identificar a trajetória e a velocidade do projétil.
A Seta (“The Arrow“) é outro mecanismo utilizado, mas para interceptar mísseis de longo alcance. Tem neutralizado ataques dos houthis, que passaram a alvejar, desde o Iêmen, a região de Eilat, no sul de Israel, a partir de 7 de outubro.
Já o Estilingue de Davi (“David’s Sling“, em homenagem à funda que, na bíblia, o jovem pastor David usou para matar o gigante Golias), contém o avanço de mísseis balísticos de médio alcance, lançados, por exemplo, pelo Hezbollah. Utilizado a partir de 2017, também bloqueia a trajetória de drones, mísseis de cruzeiro e foguetes.
Israel também implementou a versão marítima do Domo de Ferro, chamada de C-Dome. Os sensores, no caso, estão interligados ao radar de navios, onde se situam as bases de lançamento.
O adversário comum
Os drones demoram cerca de três horas para percorrer a distância de 1,58 mil quilômetros entre o Irã e Israel. Enquanto eles estavam a caminho, as forças israelenses colocaram em prática os seus recursos, atentas também aos mísseis de maior velocidade.
Durante o ataque, o espaço aéreo foi fechado no Iraque, no Líbano e em Israel. Foram posicionados, por Israel, caças e efetivo militar em pontos estratégicos. Sirenes foram acionadas para alertar a população, que se dirigiu para os bunkers ou locais seguros reservados nos prédios.
Todo esse arsenal foi utilizado para bloquear o ataque do Irã. A eficácia da operação defensiva, porém, contou com o apoio de outros países. Caso contrário, pelo menos 40% dos projéteis chegariam ao seu destino em Israel. E a ofensiva causaria danos severos.
Além dos EUA, a França, o Reino Unido e até nações árabes, como a Jordânia e a Arábia Saudita, interceptaram o ataque. Eles foram lançados como forma de retaliação pelo atentado atribuido a Israel que matou sete oficiais da Guarda Revolucionária iraniana no dia 1º de abril. A união dos países na defesa de Israel refletiu o cenário geopolítico do Oriente Médio na última década. Os EUA têm atuado para aproximar Israel de antigos inimigos, como a Arábia Saudita. O adversário comum é justamente o Irã, xiita, que rivaliza com os sauditas, de origem sunita, pela hegemonia regional.
A ideia do regime iraniano, colocada em prática desde o fim da Guerra do Líbano (1990), é manter o controle de uma área extensa, por meio de proxies (aliados por procuração) como os grupos terroristas Hamas e Hezbollah. O governo dos aiatolás busca ampliar sua influência no Iraque, passando por Síria e Líbano, até chegar ao Mar Mediterrâneo. Bem como ocorreu com o Império Persa, de Ciro, em 558 a.C.
Israel, nesse sentido, é o inimigo a ser batido, para que o Irã exerça poder sobre toda a região. Tal objetivo ameaça o interesse de sauditas e da monarquia jordaniana, que assinou a paz com Israel em 1994. O argumento para ter entrado no grupo que combateu o ataque do Irã foi o fato de a trajetória dos projéteis cruzar o espaço aéreo jordaniano.
“Não estamos sozinhos contra a agressão iraniana”, afirmou o porta-voz das FDI, major Rafael Rozenszajn. “Uma coligação de parceiros operou em conjunto diante desse ataque. Nos últimos seis meses, trabalhamos em estreita colaboração com norte-americanos, britânicos, franceses e outros e, naquela noite, essa parceria provou seu valor em tempo real.”
Capacidade para destruir 600 prédios
A maioria dos lançamentos foi interceptada fora de Israel. Os drones e os 30 mísseis de cruzeiro iranianos não entraram no espaço aéreo israelense, assim como quase todos os mísseis balísticos. Como resultado, o ataque deixou uma menina gravemente ferida em Be’er Sheva. E causou danos pequenos à base da Força Aérea de Nevatim.
O estrago teria sido muito pior caso o sistema de defesa e a aliança de proteção não tivessem entrado em cena. Foram aproximadamente 60 toneladas de ogivas e materiais explosivos lançados pelo Irã. Como comparação, 100 quilos de explosivos são suficientes para destruir um prédio de 16 andares. O ataque do Irã, de acordo com estudos das FDI, tinha capacidade para destruir 600 prédios.
“Podemos imaginar a proporção dos danos que seriam causados a civis, casas e infraestruturas se o sistema antiaéreo de Israel e de nossos aliados não nos defendesse da agressão iraniana. O Irã revelou sua verdadeira face”, disse Rozenszajn. “Não foi um ataque tímido, foi uma amostra, um recado”, completou Gawendo.
As próximas etapas desse conflito ainda estão indefinidas. O gabinete de segurança israelense, optou, como resposta, por um ataque pontual, com drones, na região iraniana de Isfahan, ocorrido na sexta-feira, 19. Países ocidentais ampliaram as sanções contra o Irã. O objetivo do governo israelense é realizar uma ofensiva que não cause uma nova guerra no Oriente Médio, segundo fontes da agência Reuters.
Todos os cenários de guerra
O Irã já prometeu que dará uma resposta mais forte em caso de reação israelense. De acordo com a Arms Control Association, o país, mesmo enriquecendo urânio, ainda não possui armamento nuclear. Mas tem um sistema avançado de mísseis, como o Fateh-110, para curta distância (até 300 quilômetros), o Fateh-313 (até 500 quilômetros), o Kheibar Shekan (1,5 mil quilômetros) e o Sejjil (2 mil quilômetros).
O conflito com o Irã não vai interferir nos planos de neutralizar o Hamas e recuperar os reféns capturados pelo grupo
Além disso, as Forças Armadas iranianas são numerosas, com 610 mil militares, 220 mil paramilitares e 350 mil reservistas. O arsenal é composto de veículos blindados, aeronaves e tanques de guerra — perigosos, mas não tão modernos, de acordo com o IISS.
Mesmo que, no entanto, seus comandantes estivessem escondendo o real poderio iraniano, as FDI, com 177 mil militares e 450 mil reservistas, têm convicção de que os atuais recursos de Israel suportam ataques muito mais intensos. Mesmo que vários outros países se unam, como Síria, Líbano, Iêmen e grupos terroristas. “As FDI estão preparadas para todos os cenários de escalada dessa guerra”, garante o porta-voz Rozenszajn. “Nosso poder aéreo que está sendo investido em Gaza é mínimo em relação à capacidade da Força Aérea Israelense.”
Ele ressalta que o conflito com o Irã não vai interferir nos planos de neutralizar o Hamas e recuperar os reféns capturados pelo grupo. “Continuaremos nossas missões na Faixa de Gaza para alcançar os objetivos da guerra e continuaremos a resistir à ameaça iraniana e dos grupos terroristas apoiados pelo Irã, em todas as frentes”, ressalta o militar. “Estamos preparando uma ampla gama de planos de ação, defensivos e ofensivos. Quando os nossos agressores dizem que nos querem mortos, temos a responsabilidade de nos defender.”
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