Pular para o conteúdo
publicidade
Roda-gigante abandonada no antigo centro da cidade de Pripyat, na antiga URSS, hoje localizada na Ucrânia | Foto: Eraykasarci/Shutterstock
Edição 214

Imagem da Semana: a cidade fantasma

O desastre de Chernobyl chocou o mundo, alterou para sempre uma região e deixou sequelas terríveis naqueles que sobreviveram

Daniela Giorno
-

Uma nuvem de poeira radioativa espalhou-se no ar depois da forte explosão de um reator da Usina Nuclear de Chernobyl, na antiga União Soviética. O desastre aconteceu há quase 40 anos, na madrugada do dia 26 de abril de 1986 e ficou conhecido como um dos piores acidentes nucleares da história. Hoje a região está localizada no norte da Ucrânia, na fronteira com a Belarus.

O reator de número quatro da Usina de Chernobyl — oficialmente Vladimir Ilyich Lenin Usina de Energia Nuclear —, localizada a 3 quilômetros da cidade de Pripyat, sofreu uma explosão tão intensa que destruiu o telhado do prédio de 20 andares e deu início a um incêndio que durou dez dias. A partir de então, 30% das 190 toneladas métricas de urânio de Chernobyl foram lançadas na atmosfera. Pelo menos 28 pessoas morreram imediatamente com o acidente e mais de cem ficaram feridas.

A explosão foi resultado de falha humana. Um teste estava em curso naquela madrugada, e os protocolos de segurança foram descumpridos. Posteriormente, descobriu-se também que reatores RBMK (usados em Chernobyl e em outras usinas soviéticas) tinham um grave erro de projeto, o que pode ter colaborado para o acidente.

Carros de bate-bate abandonados em parque na cidade de Pripyat, na antiga URSS, resultado do desastre de Chernobyl | Foto: Shutterstock

Uma nuvem de gases e aerossóis radioativos foi lançada na atmosfera e viajou com o vento em direção ao norte e ao oeste de Pripyat, cidade construída em 1970 para abrigar trabalhadores da usina e suas famílias. Partículas contaminadas penetraram no solo carregadas pela chuva que veio em seguida. Rapidamente, foram identificados altos níveis de radiação em países como Belarus, Áustria, Suécia e Polônia, e até em locais mais distantes, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá. O mundo logo percebeu que estava testemunhando um acontecimento histórico.

Os suecos foram os primeiros a alertar a comunidade internacional de que algo havia acontecido na União Soviética. As evacuações demoraram para acontecer. Tiveram início apenas 36 horas depois do acidente, começando pelos 50 mil habitantes de Pripyat. O esforço de limpeza concentrou-se em um raio de 30 quilômetros do marco zero, na chamada Zona de Exclusão de Chernobyl.

Porém, enquanto milhares de pessoas eram retiradas de suas casas para as quais nunca voltariam, outras milhares estavam chegando. Algumas vieram pela ciência, outras desafiaram as ordens de evacuação e voltaram para casa, e cerca de 600 mil — estima-se, pois não há registro oficial — vieram de toda a antiga URSS convocadas pelas autoridades. A maioria era jovem e recebeu a letal missão de lidar com a descontaminação. Os convocados não sabiam a verdade, muito menos faziam ideia da sentença de morte que tinham recebido — a radiação pode ser absorvida pelo corpo em minutos. Talvez 10% ainda estejam vivos hoje. O esforço de limpeza foi oficialmente chamado de “Liquidação das Consequências do Acidente de Chernobyl”, e essas pessoas ficaram conhecidas como “liquidadores”. 

Lápide de um trabalhador morto na Usina Nuclear de Chernobyl, com o característico símbolo do átomo, na cidade de Slavutych, no norte da Ucrânia, para onde a maioria das vítimas foi transferida após o acidente de 1986 | Foto: Celestino Arce/NurPhoto/Shutterstock

As partículas radioativas são invisíveis. Não têm sabor nem cheiro. Nos locais mais afetados, tudo foi contaminado imediatamente, desde a madeira e os tijolos até animais, roupas e folhas no chão. Essas partículas não podem ser destruídas. Logo, os liquidadores receberam uma tarefa impossível. Tudo que podiam fazer era enterrá-las ou tentar selá-las de alguma forma. Alguns trabalhavam ao redor das aldeias destruindo plantações, derrubando florestas e até mesmo cobrindo a própria camada superior da terra. O que restou do reator está agora dentro de uma enorme estrutura de contenção de aço, implantada no final de 2016. Os esforços de contenção e monitoramento continuam, e espera-se que a limpeza dure pelo menos até 2065.

Um relatório da Organização Mundial da Saúde mostrou que os efeitos da tragédia podem ser sentidos até hoje. A radiação nuclear causou vários tipos de câncer, principalmente o de tireoide. Foram citados também casos de leucemia, além de grande incidência de catarata entre as equipes que trabalharam no processo de limpeza da área depois do acidente. Dados de outro relatório, elaborado por especialistas da ONU, da Organização Mundial da Saúde e da Organização Internacional de Energia Atômica, estimaram em mais de 4 mil as mortes relacionadas ao acidente, e apontaram grande probabilidade de que pelo menos 5 mil morreriam nos anos seguintes por enfermidades causadas pela radiação.

O desastre de Chernobyl teve outras consequências: o impacto econômico e político acelerou o fim da URSS e alimentou um movimento antinuclear global. Cinco anos mais tarde, Mikhail Gorbachev, presidente na época, teria admitido que o desastre nuclear foi a verdadeira causa do colapso da nação socialista: “Mais do que qualquer outra coisa, abriu a possibilidade de uma liberdade de expressão muito maior na União Soviética”.

Pripyat, com seus edifícios, parques e monumentos públicos, continua sendo uma cidade fantasma até hoje. Os cientistas estimam que a zona em torno da antiga fábrica não será habitável por até 20 mil anos. 

Hoje, Chernobyl atrai turistas intrigados com sua história e seus perigos. Para quem se interessar pela história sombria, a minissérie Chernobyl, de Craig Mazin, lançada em 2019 pela HBO, detalha o acidente, a desinformação ventilada pelo governo soviético e a vida dos liquidadores, que foram os verdadeiros heróis anônimos desse terrível desastre.

Sala de aula abandonada na Zona de Exclusão, em Pripyat, na antiga URSS | Foto: Tomasz Jocz/Shutterstock

Daniela Giorno é diretora de arte de Oeste e, a cada edição, seleciona uma imagem relevante na semana. São fotografias esteticamente interessantes, clássicas ou que simplesmente merecem ser vistas, revistas ou conhecidas.

Leia também “Chuva histórica em Dubai”

1 comentário
  1. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Aqui tá pior do que Chernobyl, o acidente começou em janeiro de 2023 e atingiu o país todo a usina só vai parar quando os 11 reatores deixarem de funcionar ao completar 75 anos, mas tudo indica que essa usina vai fechar antes

Anterior:
Por que a ideologia de gênero correu solta por tanto tempo?
Próximo:
Sergio Bruni: ‘Acorde e durma sempre no mesmo horário’
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.