“Como o pensamento dialético marxista chegou a
se prestar à preparação do genocídio iminente?”
(Jean Améry)
Desde sua origem, no final do século 19, o sionismo enfrentou oposição por parte da esquerda mundial. Na era dourada da Segunda Internacional — antes da Primeira Guerra, portanto —, essa oposição partiu sobretudo da ala marxista, especialmente na Europa Central e Oriental. No Leste Europeu, o movimento antissionista contou, inclusive, com muitos intelectuais marxistas judeus, para quem o sionismo era uma tentativa obscurantista de devolver os judeus ao gueto e submeter as massas trabalhadoras ao nacionalismo retrógrado da burguesia judaica. De fato, dentro do movimento marxista, a tendência era encarar o nacionalismo judeu nos termos de Lenin, como uma ideia absolutamente “anticientífica” e “reacionária”, cujo propósito era desviar as massas judaicas da luta de classes.
Como Karl Kautsky e o austro-marxista Otto Bauer enfatizaram na virada do século, o sionismo e o nacionalismo judeu contrariavam a única solução verdadeiramente progressista para a “questão judaica”, qual seja, a assimilação dos judeus na futura sociedade sem classes, a ser criada pela revolução socialista. Os marxistas russos, incluindo Lenin, Trotsky, Julius Martov, entre outros, compartilhavam dessa visão, bem como toda uma geração de revolucionários internacionalistas — muitos dos quais eram “judeus não judeus”, na expressão de Isaac Deutscher.
Essa fase inicial do que podemos chamar de antissionismo marxista já revelava uma tendência até hoje observada na esquerda pós-marxista contemporânea: a capacidade de reunir todas as suas vertentes e facções, incluindo as mais antagônicas entre si, em torno de um inimigo em comum. Na virada do século 19 para o 20, por exemplo, o centrista Karl Kautsky, o social-democrata reformista Otto Bauer, a ultraesquerdista Rosa Luxemburgo, os bolcheviques Lenin e Stalin, o menchevique Julius Martov, e o internacionalista Leon Trotsky, de resto adversários em quase tudo, estiveram unidos quando o assunto era a oposição ao nacionalismo judeu.
Mas, embora o discurso antissionista já fosse um corolário inerente à ideologia marxista desde o início, ele ainda não ocupava, para os comunistas e socialistas da época, a posição central que passaria a ocupar no discurso esquerdista do pós-guerra, muito por causa da propaganda soviética que se seguiu à fundação do Estado de Israel e, sobretudo, à vitória israelense na Guerra dos Seis Dias. Marx, Engels, Kautsky, Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo et caterva dificilmente esperariam que o sionismo viesse a se tornar uma questão ideológica de tamanha importância para o bloco socialista. Do ponto de vista da ortodoxia marxista, essa possibilidade seria até certo ponto inconcebível, pois implicaria dizer que o materialismo histórico — segundo o qual os antagonismos étnicos e nacionais seriam forçosamente superados pela polarização de classes em escala mundial — estava errado. De acordo com a visão marxista do processo histórico, o destino inevitável do judaísmo seria o de desaparecer, e a emancipação final dos judeus implicaria a necessária dissolução de qualquer identidade grupal judaica. É possível, aliás, que parte da antipatia demonstrada pelos marxistas contemporâneos pelo sionismo advenha da percepção de que a própria existência do Estado de Israel é (mais) um flagrante desmentido à teoria marxista da história e, em particular, à interpretação marxista da assim chamada “questão judaica”.
Munidas de bandeiras da Palestina, algumas dezenas de militantes antissemitas deixaram seus assentos, entre cânticos de “Palestina livre” e vaias ao orador
A partir da propaganda soviética, e sobretudo a partir do movimento de Stalin e seus sucessores de patrocinar os movimentos de “libertação nacional” durante a guerra fria, a extrema esquerda mundial, e particularmente no Ocidente, passou a não apenas denigrir Israel e o sionismo de forma sistemática, como também nutrir uma hostilidade irracional, que reedita velhos topoi antissemitas, pelos judeus e pelo judaísmo como um todo. É verdade que a esquerda antissionista contemporânea dificilmente assume o seu antissemitismo, mas seu discurso revela um ódio visceral em relação a Israel e aos judeus. Na retórica desse movimento, os israelenses são invariavelmente descritos como militaristas, agressivos, expansionistas, opressores, fascistas, colonizadores, genocidas e até chantagistas, por supostamente explorarem a memória do Holocausto em função de agendas políticas nefastas. Ao insistir na desmontagem do Estado judaico e na “dessionização” de Israel, para que então possa ser substituído pelo “Estado democrático secular” da Palestina, a esquerda torna-se cúmplice de uma fórmula radicalmente discriminatória e literalmente genocida criada pela OLP. Hoje, essa esquerda comporta-se como nada além do que uma porta-voz de grupos terroristas como o Hamas e o Hezbollah.
Num de seus ensaios sobre o antissemitismo, o escritor e sobrevivente de Auschwitz Jean Améry já antevira, nos anos 1970, a relação da Nova Esquerda pós-soviética com Israel. Escreveu ele:
“Para a Nova Esquerda, o sionismo é aproximadamente o que, na Alemanha, há cerca de 30 anos, era chamado de ‘Judaísmo Mundial’. O purismo esquerdista, o zelo esquerdista e a virtude esquerdista (no sentido de Robespierre) repreendem esse sionismo, que os esquerdistas também gostam de chamar de ‘Sionismo Nacional’, a fim de associá-lo foneticamente ao Nacional-Socialismo. Em Israel, a esquerda vê o agressor e opressor, o porta-estandarte da opressão imperialista ocidental e americana.”
Essa visão revelou-se mais uma vez na semana passada, quando um grupo de formandos da Universidade Duke (Carolina do Norte) se manifestou contra o comediante judeu pró-Israel Jerry Seinfeld. Ex-aluno de Duke, Seinfeld foi convidado a proferir o discurso da formatura. No último domingo, 12, munidas de bandeiras da Palestina, algumas dezenas de militantes antissemitas deixaram seus assentos, entre cânticos de “Palestina livre” e vaias ao orador. O episódio faz parte de uma série de atos pró-terrorismo islâmico promovidos pela esquerda neomarxista nos campi americanos. E ilustra bem o modo contemporâneo, e socialmente admitido, de ser antissemita.
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O problema é que com poder nas mãos essa minoria de universiotários de sempre, conseguem fazer estragos. A maioria cresce e se arrepende, mas fazem caquinha no chão onde outros pisam.
Nunca vi tanta demência dos estudantes do ocidente em promover o terrorismo contra Israel. É simplesmente surreal
Flavio Gordon tem ótimos conteúdos.
A verdade é que sempre tem uma parcela de Universitários são uns idiotas…