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A família Mantovani e Alexandre de Moraes | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução
Edição 217

O segredo do Aeroporto de Roma

Caso de suposta agressão ao ministro Alexandre de Moraes e a seu filho completa dez meses sem desfecho

Cristyan Costa
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“Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes é hostilizado e tem o filho agredido, no Aeroporto de Roma”, afirmou uma grande emissora. “Moraes é atacado na Itália, tem filho agredido e Polícia Federal (PF) abre inquérito”, concluiu uma revista. “Ilustrações reconstituem violência contra Moraes e sua família”, acrescentou um jornal. Em 14 julho de 2023, essas manchetes tomaram conta dos principais veículos de comunicação do país. Dez meses depois, contudo, o caso que praticamente havia sido resolvido pela mídia logo no dia seguinte ao ocorrido ainda não tem um desfecho, tampouco prazo para terminar.

Isso porque há uma série de perguntas ainda sem respostas. Uma delas: por que as imagens do Aeroporto Internacional de Roma, que chegaram da Itália ao Brasil em setembro do ano passado, ainda estão sob sigilo, mesmo com pedidos da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da defesa dos supostos agressores no sentido de liberar os vídeos? Em fevereiro, o STF rejeitou essas solicitações e pôs a íntegra do conteúdo em segredo, por tempo indeterminado. Os advogados podem ver o material, porém apenas com horário marcado no STF, sob supervisão, e as provas não podem ser levadas das dependências da Corte.

Ao negar as ações da defesa e da PGR em fevereiro, o relator Dias Toffoli argumentou ser necessário “resguardar a intimidade dos envolvidos”, sob o risco de as evidências caírem na internet, um “ambiente de disseminação de discurso de ódio a figuras públicas e instituições de Estado”. Além disso, Toffoli sustentou que a PF não havia concluído os trabalhos. Dias antes, no entanto, a PF havia encerrado as investigações. Sem indiciar ninguém, a corporação concluiu que o empresário paulista Roberto Mantovani Filho apenas cometeu crime de “injúria real” contra Moraes e Alexandre Barci, um dos filhos do ministro, envolvido no tumulto. Segundo o relatório da PF, que desagradou a Moraes, as imagens das câmeras de segurança do aeroporto mostram com clareza o momento em que Mantovani se dirige “de modo incisivo” a Barci e “o atinge no rosto com a mão direita, causando o deslocamento dos óculos” do rapaz.

Ministro Dias Toffoli em sessão plenária do STF (3/4/2024) | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Os apontamentos da nossa PF não são distintos do que constatou a Polizia di Stato. A corporação italiana também produziu um parecer. Diz o texto: “Repara-se o único contato físico digno de nota, ocorrido entre Roberto Mantovani e o filho da personalidade. Nessa circunstância, esse último, provavelmente exasperado pelas agressões verbais recebidas, estendia o membro superior esquerdo, passando bem perto da nuca do antagonista, que, ao mesmo tempo, fazia a mesma ação utilizando o braço direito, impactando levemente os óculos de Alexandre Barci de Moraes”.

Abusos da Justiça

Pouco depois da confusão no exterior, o presidente Lula, em um pronunciamento, chamou Mantovani de “animal selvagem”. Dois dias após a declaração, agentes da PF bateram às 6 da manhã à porta dos Mantovani, em Santa Bárbara d’Oeste, no interior de São Paulo, para cumprir mandados de busca e apreensão autorizados pela então presidente do STF, Rosa Weber. Mantovani, sua mulher, Andreia, e Alexandre Zanatta, genro do casal, tiveram ainda de prestar depoimentos na sede da PF. Durante a operação, celulares e computadores foram levados. Até hoje, os aparelhos estão com as autoridades. Hoje, os Mantovani usam os equipamentos que compraram.

YouTube video

Com o passar do tempo, a família voltou à vida normal, mas ainda carrega o peso de acusações de coisas que não fez, e acaba rememorando um capítulo interminável da vida. Desde o início do imbróglio no exterior, os Mantovani convivem com a imagem negativa de manchetes em veículos da velha mídia e com más lembranças do que encontraram na volta para casa. Ao desembarcarem no Brasil, foram enquadrados pela PF já no aeroporto. Em nenhum momento os agentes informaram que aquelas pessoas tinham direito a um advogado ou defensor público.

Em paralelo ao assédio midiático, os Mantovanis foram incluídos no inquérito que apura as manifestações do dia 8 de janeiro, que tem condenado pessoas a 17 anos de cadeia — embora a confusão com Moraes tenha acontecido na Europa, seis meses depois

Depois da abordagem, sem autorização, as imagens da família, seus nomes completos e currículos passaram a circular na imprensa. A defesa não sabe como esses dados vazaram. Em virtude dessa publicidade, os Mantovanis tiveram a vida devassada por jornalistas e se tornaram conhecidos pelo Brasil inteiro. As expressões “bolsonaristas” e “extrema direita” foram usadas à exaustão por dois dias, até que o jornal Folha de S.Paulo descobriu um panfleto com uma foto de Mantovani ao lado do presidente Lula, que apoiou o então candidato a prefeito de Santa Bárbara d’Oeste. Há vários artigos assinados por colunistas afirmando “estar comprovado” que houve agressão e, por pouco, uma pancadaria naquele aeroporto.

Panfleto com foto de Mantovani ao Lado de Lula, que apoiou o candidato a prefeito na eleição de 2004 | Foto: Reprodução

Em paralelo ao assédio midiático, os Mantovanis foram incluídos no inquérito que apura as manifestações do dia 8 de janeiro, que tem condenado pessoas a 17 anos de cadeia — embora a confusão com Moraes tenha acontecido na Europa, seis meses depois, e não tenha nenhuma relação com a eleição no Brasil. Esse fato permitiu que o caso continuasse sob a supervisão do STF, sendo possível, inclusive, o sorteio do processo e petições a outros ministros da Corte, como Dias Toffoli, mais alinhado a Moraes. Dessa forma, Toffoli chegou a nomear Moraes como “assistente de acusação” no processo em que o próprio ministro é a suposta vítima e será, em última instância, o juiz da causa.

Até mesmo Tórtima virou alvo de abusos da Justiça. Assim que o relatório com a conclusão da PF sobre o caso se tornou público, o advogado viu que conversas suas com um dos clientes apareceu no documento, o que é ilegal. O texto expõe detalhes de mensagens trocadas entre Tórtima e Mantovani, como a orientação para que o cliente não falasse com a imprensa. À época, Tórtima classificou o episódio como inadmissível e cobrou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Foram inúmeras as ilegalidades, arbitrariedades, excessos e abusos ao longo dessa deplorável investigação, de um criativo crime de menor potencial ofensivo, supostamente ocorrido no exterior, e que por isso nem sequer poderia ter sido investigado em território nacional”, disse. “Logo, não me surpreende esse repugnante e intencional vazamento de uma conversa profissional inócua, mas protegida por sigilo.”

Ralph Tórtima Stettinger Filho, advogado | Foto: Alesp

A OAB se manifestou e exigiu providências referentes ao delegado responsável pelo caso, doutor Hiroshi Sakaki, além da retirada dos diálogos do documento. “O episódio contém ofensa grave às prerrogativas da classe e, por isso, a OAB solicitou ao STF e à PGR providências para assegurar o sigilo das comunicações, protegido pela Constituição”, afirmou o presidente da OAB, Beto Simonetti. “É inaceitável regredir à época em que não havia direitos e liberdades. Defender a democracia envolve proteger seus pilares, inclusive as prerrogativas da advocacia.” Ao acolher a solicitação, Toffoli determinou o sigilo da conversa trocada.

Sem desfecho

Embora as PFs brasileira e italiana tenham entendido que o relato de Moraes não se sustenta, o caso segue parado no STF e vai completar um ano em julho. Por isso, até o momento, não há desfecho ou qualquer possibilidade de as verdadeiras vítimas obterem algum tipo de reparação pelos constrangimentos que passaram ao longo de dez meses que, para eles, parecem intermináveis.

Há três possibilidades referentes a essa situação: uma denúncia contra a família Mantovani, o arquivamento do caso, ou manter as coisas como estão. Esta terceira alternativa tem sido o procedimento-padrão de Moraes em outras situações, como as liberdades condicionais de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e do coronel Naime. Embora tenham saído da prisão, eles continuam atormentados pelos inquéritos intermináveis, sempre com a possibilidade de voltarem à cadeia, caso desobedeçam ao que determinam os ministros do STF. O futuro da família Mantovani caminha para o mesmo destino.

Leia também “Os exilados do 8 de janeiro”

13 comentários
  1. Adailton Ribeiro de Oliveira
    Adailton Ribeiro de Oliveira

    A pergunta que sempre faço, será que isso vai acabar antes da saída desse ministro do STF? Que falta faz um senado atuante e com senadores em sua maioria decentes.

  2. João Bosco dos Santos
    João Bosco dos Santos

    Este retrato fiel do caos instalado no nosso pais. DEUS TENHA MISERICORDIA E NOS

  3. PCC
    PCC

    É o retrato da ditadura do STF instalada no Brasil. É sempre bom lembrar que com o apoio da imprensa, em especial da Rede Globo e de boa parte do congresso nacional.

  4. CARLOS BRASILIANO DA SILVA
    CARLOS BRASILIANO DA SILVA

    Uma pergunta que não quer calar, não tem como o Congresso, ou um repórter investigativo ter essas imagens diretamente da Itália e desvendar de uma vez por todas esse embólio?

  5. Pedro Lojudice Sanches
    Pedro Lojudice Sanches

    Vergonha, vergonha é o que sómente esse mstro faz em sua vuda de fubidas como jurista.ini

  6. Leonardo Abreu
    Leonardo Abreu

    E cadê o senado da república? Essa família, no futuro, será indenizada. O supremo é abusador.

  7. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Cristyan Costa sempre volta à tona assuntos relevantes. Parabéns Cristyan.

  8. Mauro C F Balbino
    Mauro C F Balbino

    Intimidação, humilhação. Táticas velhacas do abuso de poder. E uso do Estado para tal. Republiqueta…

  9. Sergio Dantas
    Sergio Dantas

    Esse simoneti é uma vergonha

  10. Nelson Ávila
    Nelson Ávila

    Alguém tem dúvida que todo esse processo é “abuso de autoridade” aqui no País, mas todo o ocorrido foi no Exterior. É um total absurdo jurídico realizado pelo “guardião” da Constituição. Alguém dúvida que isso é Ditadura?

  11. JAQUES Goldstajn
    JAQUES Goldstajn

    Este Alexandre de Morais da carteirada de doutor, o que é abominável . É um covarde! Porque não enfrenta de igual para igual pessoas do povo? Em nome de defender a democracia abusa em sendo um ditadorzinho! Não pode sair nas ruas: prende inocentes e está restrito como culpado.

  12. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Por que não fecha esse STF que só comete asneiras. Não é possível que 220 milhões de pessoas fique a mercê de uma incongruência dessa, além do mais esse Lula um analfabeto fora da lei marchando junto com essa porcalhada de gente que não vale um centavo do ponto de vista da decência e legalidade. Eu nunca vi tanta gente safada no comando de um país. Uma vergonha para o o mundo

  13. Rosely M G Goeckler
    Rosely M G Goeckler

    Esse caso chegou às apurações do Congresso Americano? Sim! Por óbvio, do nosso não há questionamentos!

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