“Existem quatro tipos de países no mundo: os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão e a Argentina.” Essa frase do Prêmio Nobel de Economia Simon Kuznets resumia a inaplicabilidade das periódicas convulsões da economia argentina.
Mais de meio século depois, a economia argentina parece estar tomando outro rumo. Desta vez em direção à estabilidade, desenvolvimento e, principalmente, controle das contas públicas. Mas, além disso, o presidente da Argentina, Javier Milei, está levando adiante uma série de reformas políticas, mudando a diplomacia argentina e criando uma verdadeira ilha de liberdade na América Latina. Que, caso consiga prosperar, pode se tornar um exemplo para outros países na região.
“Nas propagandas de qualquer tipo (…) não se poderá utilizar a palavra ‘gratuito’ ou similares, devendo-se declarar que se trata de uma prestação ou um serviço de livre acesso pago com os impostos dos contribuintes”, aparece no artigo 229 da Lei Ómnibus (do latim, “lei geral” ou “lei para todos”, e não “Lei Ônibus”, como traduzida erroneamente pela imprensa brasileira).
Primeira missão: ordem nas contas públicas
Pouco mais de 155 dias depois de assumir a Casa Rosada, o presidente da Argentina, Javier Milei, já tem vários motivos para comemorar, especialmente no âmbito econômico.
Depois de assistir a um pico inflacionário no país, que chegou a 25,5% em dezembro, mês da posse, o libertário conquistou pequenas — mas importantes — vitórias em relação ao índice de preços ao consumidor logo nos primeiros meses de governo.
Em janeiro, por exemplo, a inflação mensal caiu a 20,6%. Em fevereiro, mais uma queda, chegando a 13,2%. Em março, o índice recuou ainda mais e fechou a 11%. No dado mais recente, divulgado nesta semana, o governo argentino conseguiu cumprir a alardeada tarefa de levar a inflação a um dígito — 8,8% em abril.
Em termos anuais, o índice também começa a dar sinais de estabilidade. Ainda assim, no ano, a inflação acumulada no país nos últimos 12 meses é de 65%.
Os efeitos da confiança do governo no controle da inflação também têm se refletido na taxa de juros. Nesta semana, o Conselho de Administração do Banco Central da República Argentina (BCRA) decidiu reduzir novamente o índice de referência, de 50% para 40% ao ano. Este é o quarto corte em pouco mais de um mês.
Em abril, a Argentina teve superávit primário de mais de 264 bilhões de pesos, o quarto mês consecutivo de contas públicas no azul depois de anos de déficits. Mesmo contemplando o pagamento de juros da dívida, as contas fecharam no positivo, em 17,4 bilhões de pesos.
Na bolsa de valores, o índice S&P Merval, referência no país, subiu cerca de 40%, enquanto o risco Argentina caiu 38,4% desde a posse do libertário. E as reservas de dólares, que o governo anterior tinha deixado no menor nível histórico, em US$ 16 bilhões, aumentaram para mais de US$ 22 bilhões.
Fim do câmbio artificial
Imediatamente depois da posse, Milei decidiu levar adiante uma política de normalização da economia. Acabando com as amarras impostas por décadas de governo peronista, com os preços controlados e com o câmbio artificial.
Os argentinos já não consideram a cotação oficial do dólar, que é muito mais baixa do que a realidade, e utilizam quase exclusivamente o câmbio paralelo. Que chegou a ser tão presente na vida da população que suas cotações apareciam nos jornais, e as casas de câmbio as mostravam em seus painéis nas ruas. Os executivos peronistas tentaram controlar até mesmo o câmbio paralelo, criando “câmbios paralelos oficiais”. Por exemplo, durante o governo anterior, do presidente Alberto Fernández, foram criados o “câmbio Catar”, para os argentinos que quisessem assistir à Copa do Mundo de futebol no país árabe, e o “câmbio Coldplay”, para quem quisesse ir ao show da banda britânica.
Milei decidiu dar um basta nessa situação grotesca, e liberalizou preços e câmbio. Que imediatamente dispararam depois de tanto tempo de represamento. O dólar subiu mais de 140% desde o fim do ano passado.
“Antes de Milei, existia uma relação promíscua entre o Tesouro e o Banco Central da República da Argentina”, afirma o professor de economia do Insper Roberto Dumas. “O Tesouro gastava demais, o BC comprava os títulos e aumentava a base monetária.”
Essas medidas eram tomadas pelo governo peronista para dar subsídios à população, especialmente em termos de transporte e energia. No entanto, ao mesmo tempo que podiam melhorar as condições das famílias no curto prazo, aumentavam substancialmente a inflação. “E aí toda aquela ajuda que o governo dava não tinha mais valor, e era necessário imprimir mais moeda”, acrescenta Dumas.
Cura dolorosa, mas necessária
As medidas econômicas tomadas pelo governo Milei têm funcionado como um remédio amargo, difícil de ser engolido por parte da Argentina. Elas incluem um plano de ajuste fiscal com dolorosos cortes nos gastos públicos — como a diminuição drástica de subsídios do governo e a demissão de funcionários públicos.
Além disso, mesmo com avanços na economia, quase 57% da população do país vive na pobreza, número que era de 44% em dezembro, segundo dados da Universidade Católica. Mas já era sabido que as mudanças não seriam fáceis. E nem tinham como ser.
Dumas explica que todas as decisões de Milei estão corretas do ponto de vista macroeconômico e diz que os argentinos estão passando por uma “cirurgia sem anestesia”. “A Argentina vivia uma patologia, e você não controla uma patologia com coisas simples”, afirma. “Você precisa ter ciência de que vai ter que tomar decisões draconianas.”
Como em uma cirurgia, os argentinos têm sentido e reclamado dos desconfortos. Desde dezembro, duas greves gerais já foram convocadas por centrais sindicais no país. Além das medidas impopulares, o presidente argentino tem passado por entraves com os membros do Senado e da Câmara dos Deputados, já que não tem maioria em nenhuma das Casas.
Dificuldades políticas, popularidade estável
Os percalços ficaram mais evidentes quando o libertário viu o pacote de reformas de Lei Ómnibus ser amplamente desidratado em fevereiro. O projeto só foi aprovado no fim de abril, em uma versão mais “moderada”, mas que ainda depende de chancela do Senado.
Uma das medidas mais controversas da lei é a concessão ao Executivo da capacidade de governar sem o Congresso em quatro áreas por um ano: administrativa, econômica, financeira e energética, levantando críticas da oposição sobre uma suposta concentração de poder.
O economista argentino Gustavo Segré concorda que o presidente está no caminho certo, mas pondera que o projeto econômico de Milei só dará certo quando houver tendência de melhora nos indicadores sociais. “A queda do PIB da Argentina neste ano está prevista em 5,5%, e a inflação deve terminar o ano em 260%”, afirma. “Mas, hoje, o mais importante para Milei seria aprovar sua lei fiscal, mesmo que com grande dificuldade.”
Ainda assim, a popularidade do presidente libertário continua elevada entre os argentinos. As últimas pesquisas mostraram que a imagem positiva do presidente oscila entre 47% e 51% da população.
Um número surpreendente, considerando-se a dureza do momento que o país está vivendo. Mas também é um sinal de que os argentinos estão cientes de que, como dizia o próprio slogan da campanha eleitoral de Milei, não há alternativas.
A volta da Argentina ao Mundo Livre
As mudanças do governo Milei não se limitam aos aspectos econômicos. A política externa do país também está guinando, passando de um alinhamento com regimes autoritários, como a China — que chegou a construir uma base na Patagônia —, para a proximidade com democracias, como Estados Unidos e União Europeia.
“O presidente iniciou o seu governo expressando uma posição fortemente ideológica em matéria de política externa”, explica Gustavo Martínez, diretor do Centro Argentino de Relações Internacionais. “Estabelecendo um rumo muito preciso, alinhando a Argentina com os Estados Unidos, Israel e todos aqueles países que pertencem ao assim chamado ‘mundo livre’. Mas também através da sua participação em fóruns internacionais de matriz liberal-conservadora, da definição de votos e posições importantes para o país, especialmente nas Nações Unidas e no abandono de algumas das linhas históricas da diplomacia argentina no campo bilateral e multilateral”.
Mesmo com os cofres públicos vazios, Milei decidiu adquirir 24 caças americanos modelo F-16, recusando a oferta de aviões chineses. O maior investimento argentino na modernização de suas Forças Armadas desde a redemocratização. Mais do que isso, um sinal claro de que a Argentina quer permanecer no campo ocidental, e não se tornar um satélite de Pequim.
A intenção do governo de privatizar tudo que for privatizável também está aumentando a confiança dos mercados
Credibilidade em recuperação no mercado
Segré destaca que Milei tem conseguido recuperar a credibilidade com investidores estrangeiros, o que pode ajudar a Argentina na geração de empregos. Atualmente, o desemprego no país é de 5,4%. “A geração de emprego é a melhor forma de tirar as pessoas da pobreza, e não ajuda social sem contrapartida”, avalia. “Essas pessoas não procuram emprego, porque é mais fácil contar com a ajuda do governo”, conclui.
A intenção do governo de privatizar tudo que for privatizável também está aumentando a confiança dos mercados. O caso mais emblemático foi o das Aerolíneas Argentinas, que Milei tentou privatizar cedendo seu controle aos próprios funcionários, que assim se tornariam sócios, enquanto a empresa se transformaria em uma public company.
Quem decidiu se opor a essa transferência direta do capital para o trabalho foram os próprios sindicatos. “Se Milei quiser tomar a Aerolíneas, terá que nos matar”, disse Pablo Biró, líder dos sindicalistas. Que decretaram greves e paralisaram o espaço aéreo do país.
Em outro caso, o da Télam, agência de notícias pública argentina que se tornou um bastião do peronismo, Milei foi mais drástico: mandou fechar. Os protestos dos 700 funcionários não adiantaram. Não tendo compradores interessados, o veículo foi extinto.
Um dos aspectos mais interessantes é justamente o fato de que as manifestações contrárias ao governo foram poucas e sem grande expressividade, o que surpreendeu o próprio Executivo. No dia 20 de dezembro do ano passado, uma semana após a posse presidencial, a primeira marcha organizada por sindicatos não deu o resultado esperado, com menos gente na rua do que o previsto pelas entidades.
Dumas, no entanto, teme que a pressão social pese demais para o libertário e não descarta o risco de um pedido de impeachment contra o liberal. “Milei está operando o paciente: o PIB vai tomar uma hecatombe, a inflação caiu, as contas públicas estão voltando aos poucos, e o que ele está fazendo é o certo”, afirma. “Nós acabamos de dar uma festa no peronismo, onde ninguém se divertiu, e que de quebra destruiu o cenário macroeconômico inteiro”, acrescenta. Chegou a hora de chamar a turma da limpeza.
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O Peronismo foi instalado na Argentina na década de 50.
Nos anos 70 o descondenado Lula anunciava em suas entrevistas de carroceria de caminhão de som no ABC que iriam demorar 50 anos para instalar o socialismo/progressismo/comunismo no país.
Hoje com um governo que procurar recolocar a Argentina nos eixos da economia de mercado os resultados positivos já parecem.
Enquanto isso no Brasil as perspectivas econômicas sombrias aumentam dia-a-dia.
Para ver a que nível chegaram. Funcionários da Aerolineas Argentinas ficariam com ações da empresa, e mesmo assim se submeteram a escravidão dos sindicatos.
A Argentina não tem muita diferença do Brasil, o esquerdismo peronista estruturado há décadas, o parlamento tem a maioria oposição porque a maioria quer mamata e corrupção