Fiz nesta semana algo que não fazia havia algum tempo: circular por uma livraria sem pressa. Tentando filtrar algo interessante em meio a tanta coisa, deparei-me com um livrinho sobre liberdade de expressão chamado justamente Free Speech, da série Penguin Liberty. O editor é Corey Brettschneider, professor de ciência política na Brown University, além de professor visitante na Harvard Law School e na University of Chicago Law School. Ele possui um Ph.D. em política pela Princeton University.
Trago o currículo resumido para mostrar que é alguém com vasto conhecimento na área. E, para Brettschneider, dois grandes nomes foram responsáveis por traçar o legado da ampla liberdade de expressão presente nos Estados Unidos: John Stuart Mill e Alexander Meiklejohn. Ambos influenciaram os debates, inclusive nas decisões da Suprema Corte, que deram o norte de quais eram os limites para essa liberdade.
“Se todos os homens menos um partilhassem a mesma opinião, e apenas uma única pessoa fosse de opinião contrária, a humanidade não teria mais legitimidade em silenciar essa única pessoa do que ela, se poder tivesse, em silenciar a humanidade. Se a opinião é correta, privam-nos da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se errada, perdem, o que importa em benefício quase tão grande, a percepção mais clara da verdade, produzida por sua colisão com o erro. Todo silêncio que se impõe à discussão equivale à presunção de infalibilidade. Há uma enorme diferença entre presumir uma opinião como verdadeira porque, apesar de todas as oportunidades para contestá-la, ela não foi refutada, e pressupor sua verdade com o propósito de não permitir sua refutação.”
Esse trecho do clássico Da Liberdade, de Mill, retrata bem sua noção de um “mercado de ideias” que precisa existir para que as más entrem em contato com as boas e possam ser devidamente refutadas. Mill acreditava que era do interesse de quem busca a verdade permitir o máximo possível de liberdade de expressão, pois somente assim cada um seria capaz de julgar por conta própria e eliminar o erro, a mentira. Ele jamais concordaria com a criação de uma espécie de “tribunal da verdade”, em que uma casta de “iluminados” definisse o que é verdade ou mentira, censurando aqueles que julgassem desinformados ou deliberadamente mentirosos. Mantendo a liberdade, a verdade prevalece vibrante em vez de decair em um dogma.
Meiklejohn, ao depor perante o Congresso, alegou que os comunistas podem estar equivocados em suas ideias, mas que a democracia depende do seu direito de se expressar livremente
Já para Meiklejohn, somente quando os cidadãos escutam todas as ideias disponíveis eles podem chegar a conclusões sobre como uma sociedade deve ser governada, premissa básica para qualquer democracia. E apenas cidadãos informados podem exercer seus direitos democráticos além da fala, como o direito ao voto. Por isso Meiklejohn insistia que cidadãos democráticos precisam de exposição a um amplo leque de ideias. Mesmo discordando pessoalmente das ideias comunistas, por exemplo, Meiklejohn argumentou que a prática de banir o discurso comunista enfraquecia a democracia. Sua analogia era de que a democracia funcionava como uma reunião municipal, onde os participantes se encontram como iguais para discutir as questões mais urgentes de sua comunidade.
Não é crucial que todos digam aquilo que desejam, tanto quanto é essencial que tudo que importa seja dito e discutido. Nesse sentido, Meiklejohn considerava que o Estado jamais deveria barrar indivíduos do debate somente por considerar suas ideias perigosas ou controversas. Cidadãos merecem tomar decisões baseados num completo arcabouço de ideias e informações sobre suas opções. Por isso Meiklejohn, ao depor perante o Congresso, alegou que os comunistas podem estar equivocados em suas ideias, mas que a democracia depende do seu direito de se expressar livremente. Mesmo que sejam ideias contrárias à própria democracia.
Essa postura diverge diametralmente de quem quer calar o seu opositor por considerar suas ideias equivocadas, perigosas ou mesmo antidemocráticas. Essa linha de raciocínio, além de partir de uma premissa arrogante de infalibilidade de quem concentra o poder decisório, leva ao autoritarismo que engessa novas discussões fundamentais para o ambiente democrático. “A liberdade de expressão é a força vital da democracia, mas apenas se compreendermos o seu papel na sustentação do nosso governo”, diz o editor. Brettschneider conclui: “Com a propagação da desinformação e a crescente censura nas plataformas de redes sociais, juntamente com a extrema polarização política que assola os Estados Unidos, o futuro obscuro da liberdade de expressão continua a ser uma das questões mais prementes que enfrentamos hoje”.
Ele está certo, e se a situação está preocupante assim na América, epítome da liberdade de expressão, imagina em países onde a cultura é bem mais autoritária e estatizante, disposta a delegar ao governo um controle quase absoluto sobre o que pode ou não ser dito. O Brasil que o diga…
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Verdade. Brasil que o diga!!!!!!
A censura quase nunca é usada para combater a mentira, mas sim a verdade!
Os fatos são ameaçadores para aqueles que investem em fraudes. Isso explica o ímpeto do Xandão em punir aqueles que se expressão e que conseguem entender a fraude das eleições e protestam e pedem por transparência e votos auditáveis.
Um texto que amplia o conceito de democracia quando o único pilar de sustentação está firme, o direito de opinião.
A esquerda precisa ter seu espaço de expor suas ideias, afinal este é o melhor meio de serem refutadas. Não se sustenta.
Boa Constantino!!!!
A mente não funciona corretamente quando levada a um nível superior onde o medo domina a vontade. Dessa forma passamos a aceitar a tirania de nossos usurpadores comunistas. Aqui no Brasil chega a ser pior, aqui existe a adoração a um líder, isso é um sinal de uma civilização decadente.
Cuidado com sua fé e adulação! Há artistas do engodo capazes de fazê-lo ver o lado bom do inferno na terra. Eles fazem isso ao mesmo tempo que causam o inferno no terra.
A mente limitada do ser humano requer bilhões de cérebros de muitas gerações passadas, antes de ser capaz o suficiente para compreender a verdade, o tipo de verdade que nos libertará. O livro “Free Speach” é informativo e serve como modelo a ser seguido.
Rodrigo Constantino, sou totalmente favorável que a esquerda/comunista/progressista/chavista ou seja lá o que for, tenha espaço para apresentar suas ideias, que na prática é nenhuma.
O problema da atualidade, tomando o exemplo do Brasil, é que uma casta formada por um juiz no mais completo silêncio – Luiz Fux – mais 10 advogados togados, um procurador e um Advogado Geral da União, resolveram que são legisladores.
Some-se a esse quadro sombrio a inoperância do Congresso Nacional com raros momentos de lucidez, a militância de universidades, serviços públicos, blogueiros, etc e somente um lado tem direito a fala.
As redes sociais – enquanto não derrubadas – são as únicas ferramentas que o povo, legítimo detentor do poder tem para discordar do projeto ditatorial em curso no país.
O diferencial de Oeste é a presença e atuação de intelectuais do calibre de Rodrigo Constantino. O cara, Carioca da Gema, traz para nós, leitores, de lá dos EUA, esclarecimento e boas informações sobre o que está nos afligindo, do lado de cá. 👏👏👏
É sempre muito prazeroso poder ler os artigos de Rodrigo Constantino, intelectual moderno do jornalismo e porque não dizer, da sociedade atual.
Se um texto difícil do intelectual Mill sobre a liberdade de expressão faz com que eu entenda essa opinião, nada mais justo do que a intrínseca razão da sua existência como axioma da palavra. E ainda inconcebível sua proibição. No meu zap tem pessoas que mesmo conhecendo minha personalidade e posição ideológica, quando fiz uma ironia, o interlocutor perguntou-me, Verdade?
Texto muito bom. A esquerda não gosta da liberdade de expressão por que a verdadde a incomoda.
Artigo brilhante, sensacional.A repressão da fala reduz a liberdade de pensar,essa capacidade única do ser humano nunca poderá ser limitada ou reduzida seja ela do seu agrado ou não. Aqui no Brasil as pessoas estão sendo punidas apenas por manifestarem suas ideias e pensamentos, essa é uma das maiores atrocidades que ditadores e tiranos amam fazer.A liberdade começa com falas simples,como falar “criado mudo”,bolo nega maluca e por aí vai.Recentemente fui advertida em uma loja que criado mudo,não é o termo correto e sim mesa de cabeceira.A ideologia por trás de expressões coloquiais e sem qualquer outra intenção, começa assim.Brasil já ultrapassou todos os limites do razoável.
Sempre claro e preciso. Muito bom Consta.
Muito bom Constantino, isso mostra que o Brasil mais uma vez se coloca no lado oposto do pensamento de Mill e
Brettschneider e certamente de todos os brasileiros responsáveis e preocupados com o país. A liberdade de expressão está pouco a pouco sendo suprimida e o direito ao livre pensar hoje se não estiver de acordo com o consórcio Lula STF é atentado ao estado democrático de direito….impressionante como utilizam o termo democracia para impor sua restrição e vontade pessoal do que acham certo ou errado…..assim funcionam as ditaduras, Putin, Xin Jinping, Kim Jon Un todos passando ao povo o que interessa a eles próprio sem debates, questionamentos ou discordância.
Brilhante crônica. Parabéns
Aprendendo com a sua clareza.